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Mão na massa

MANUEL ALVES FILHO

 Moradores identificam suas casas na  maquete (Fotos: Antoninho Perri)Bairro São José, região sudoeste de Campinas. Assim como muitos con­juntos habitacionais espalhados pelo Brasil, este, construído na década de 80, era o retrato do modelo de planejamento urbano adotado no país. Ruas e calçadas estreitas, ausência de equipamentos públicos, falta de previsão de áreas para comércio e prestação de serviços e inexistência de áreas verdes estavam entre suas características mais marcantes. Cercados por tantas carências, os moradores não se sentiam estimulados a realizar mudanças. Nos últimos três anos, porém, a comunidade começou a promover melhorias nas áreas livres do local. O ponto de partida dessa transformação foi a iniciativa de um grupo de pesquisadores da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp, que levou ao bairro um projeto voltado à qualificação dos espaços abertos de áreas habitacionais sociais. Atualmente, o São José ainda espera por infra-estrutura, mas já consegue oferecer maior qualidade de vida às famílias que nele vivem.

 Os professores Lucila Labaki, Silvia Pina e Evandro Monteiro: intervenção urbanística  
 (Fotos: Antoninho Perri)Batizado de Datahabis, o projeto é coordenado pelas professoras Silvia Mikami Pina e Lucila Chebel Labaki, do Departamento de Arquitetura e Construção da FEC. As docentes explicam que embora seja uma iniciativa independente, a ação está articulada com duas iniciativas anteriores, uma na área de transferência de tecnologia na autoconstrução e outra relacionada com a sustentabilidade e qualidade de vida em conjuntos habitacionais. “Com o Datahabis nós trabalhamos mais fortemente a questão dos espaços abertos. Em bairros como o São José, as deficiências não estão apenas nas habitações, mas também no entorno delas, como quintais, calçadas, ruas e áreas destinadas a praças públicas”, afirma a professora Lucila.

 ; Vista aérea do bairro São José (Fotos: Divulgação)De maneira geral, conforme a professora Silvia, o bairro era bastante árido. As áreas destinadas a praças não contavam com árvores ou jardins. Além disso, com o passar do tempo os quintais foram progressivamente pavimentados. Outra tendência apurada pelos especialistas era a construção de lajes que serviam como garagens. “Isso interferiu negativamente na salubridade das moradias. Os moradores viviam reclamando que suas casas eram muito quentes, mas não sabiam identificar a razão”, conta. O principal desafio dos pesquisadores foi conscientizar a comunidade sobre a necessidade de ela própria buscar soluções diferenciadas e mais sustentáveis para alguns desses problemas. Tal estímulo foi feito por meio de três workshops. Nessas oportunidades, as pessoas foram esclarecidas sobre os prós e contras de suas opções.

Num desses encontros, os pesquisadores exibiram maquetes produzidas por alunos de graduação da FEC. “Esse recurso foi muito interessante porque elas passaram a identificar suas casas e a se reconhecer como elementos constituintes do bairro”, diz a professora Silvia. Paralelamente, foram distribuídas mudas de árvores e apresentadas sugestões de intervenção, como a introdução de pergolados, ampliação das calçadas e a criação de jardins em terrenos públicos ociosos. Segundo outro integrante da equipe da FEC, o professor Evandro Ziggiatti Monteiro, uma preocupação do projeto foi não fazer analogias. Ou seja, as projeções de como o bairro poderia ficar conforme a atitude de cada um levou em consideração a realidade vivida pela comunidade. “Assim, os moradores puderam antever como o bairro ficaria com mais impermeabilização do solo e menos verde ou com mais verde e menos asfalto e concreto”, esclarece.

 Explicações dadas, os pesquisadores perceberam que havia chegado o momento de construírem algo em conjunto com as famílias do São José. Em comum acordo, eles escolherem uma área reservada para uma praça pública e construíram no local um pergolado. A estrutura, mais tarde, assumiu a condição de símbolo do projeto. Tanto é assim que alguns moradores resolveram adotar esse tipo de solução no lugar da garagem em alvenaria. “Na ocasião, nós também distribuímos e plantamos mudas de árvores e desenvolvemos atividades com as crianças, sempre ressaltando a importância das ações que assegurem a acessibilidade e a sustentabilidade”, acrescenta a professora Silvia.

O projeto, encerrado em abril de 2008, foi desenvolvido em três anos, graças ao apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Nesse período, segundo a avaliação dos pesquisadores da FEC, foi possível identificar várias mudanças tanto em relação às condições do bairro quanto no que se refere à postura dos moradores. “Penso que a principal questão foi quebrar a barreira que fazia com que pessoas ficassem esperando pela intervenção do poder público. Os moradores do São José perceberam que eles próprios poderiam sugerir e implantar soluções para alguns de seus problemas. A criação de praças e a implantação de hortas coletivas são exemplos disso. O segundo aspecto positivo é a forma como as pessoas passaram a usufruir dos espaços abertos. Atualmente, alguns deles contam com jardins e bancos e são aproveitados por todos”, relata a professora Silvia.

De acordo com os professores Evandro e Silvia, os pesquisadores também notaram que a assimilação de conceitos relativos à qualidade de vida e sustentabilidade fez com que a comunidade passasse a encarar o futuro de outra maneira “As ações ajudaram a abrir o horizonte dos moradores, que assumiram uma postura mais cidadã. Eles perceberam que o que estava sendo discutido e implantado não tinha a ver somente com conforto, mas com salubridade. Notaram também que essa salubridade era essencial para a garantia da qualidade de vida de seus filhos e netos”, analisam os docentes. Para Evandro, a experiência ajudou as pessoas se sentirem mais preparadas para lidar com assuntos ligados à urbanização. “Quando a Prefeitura aparecer no bairro para levar a infra-estrutura que ainda falta, como creche e centro de saúde, as pessoas certamente se mostrarão muito mais exigentes”, infere.

Evandro afirma, ainda, que outro resultado significativo proporcionado pelo projeto foi a compreensão por parte da comunidade de que assuntos vinculados à sustentabilidade e qualidade de vida não são “coisas de rico”. Muitas soluções aplicadas no São José, insiste, são simples e não exigem grandes investimentos. “Entretanto, no conjunto, essas medidas tendem a transformar um núcleo residencial em um local melhor para se viver”. Na opinião da professora Silvia, a experiência levada a cabo no bairro pode ser perfeitamente aplicada a outros conjuntos habitacionais, visto que a condição fundamental é o envolvimento da comunidade. “Não podemos pensar em uma cidade sustentável se não trabalharmos para melhorar as condições das áreas de habitação social”, alerta.

 Mas como fazer para que os futuros conjuntos residenciais não sejam construídos seguindo o mesmo padrão empregado originalmente no São José? A professora Silvia informa que a FEC vem contribuindo para que isso não ocorra. Primeiro, formando pessoal qualificado e compromissado com soluções humanizadas na área de engenharia, arquitetura e urbanismo. Segundo, participando de um novo projeto, ainda em fase inicial, também financiado pela Finep. Conhecido por Inovahabis, a iniciativa faz parte de uma rede nacional cujo objetivo é, nas palavras da pesquisadora, “identificar e provocar a percepção de valores intangíveis dos agentes envolvidos e a partir daí propor inovações no processo de construção de conjuntos habitacionais”. “No nosso caso, temos como parceira a CDHU [Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, estatal responsável pela execução dos projetos habitacionais do governo do Estado de São Paulo]. Nosso desafio é desenvolver estudos que gerem alternativas para melhorar a qualidade arquitetônica e construtiva, de forma a atender as expectativas dos mutuários e não encarecer o custo final da moradia”, adianta a docente.

Isso é factível? Na opinião da professora Silvia, sim. Segundo ela, um simples exemplo já identificado na pesquisa de campo é o que ocorre com vários mutuários. Assim que são contemplados com unidades construídas pela CDHU, eles tomam como primeira providência a substituição dos pisos. Ou seja, o dinheiro e os materiais investidos inicialmente são desperdiçados. Em compensação, os apartamentos normalmente são entregues sem que haja forro no banheiro, o que faz com que o encanamento da unidade acima fique exposto. “Não parece haver dúvida de que a maioria das pessoas preferiria a entrega do forro no banheiro em troca da colocação do piso na cozinha e no banheiro. Isso certamente não traria custos adicionais ao projeto. Embora seja apenas um pequeno exemplo, esse é o tipo de idéia que pretendemos levar às instituições que cuidam da política habitacional nos Estados”, conclui a docente da Unicamp.

 

 
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