| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 345 -27 de novembro a 3 de dezembro de 2006
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Estudo exaustivo revela características
microestruturais que vão muito além dos similares sintéticos

Pesquisadora mostra porque a borracha
natural é um produto notável e complexo

MANUEL ALVES FILHO

Márcia Maria Ripel com o professor Fernando Galembeck (dir.) na cerimônia de premiação em Brasília (Foto: Antoninho Perri)A borracha natural apresenta características microestruturais tão notáveis que os similares sintéticos sequer se aproximam dela. A constatação é de Márcia Maria Rippel, que defendeu tese de doutorado sobre o tema no Instituto de Química (IQ) da Unicamp. De acordo com a pesquisadora, as propriedades mais marcantes da borracha natural, como flexibilidade, impermeabilidade, elasticidade e resistência à corrosão e abrasão, resultam de diversos fatores. Estes envolvem desde o processo de biosíntese da planta que fornece o látex, no caso a seringueira (Hevea brasiliensis), até a complexa organização química dos elementos que compõem esse material. O trabalho de Márcia foi um dos contemplados pelo Prêmio Capes de Teses.

Solo e forma de extração influem na composição final

A pesquisadora começou a dedicar-se à caracterização microestrutural da borracha natural por insistência do seu orientador, o professor Fernando Galembeck. “Inicialmente, meu interesse era fazer a determinação microquímica do látex sintético”, conta. Ao tomar contato com o material, ela se surpreendeu com a sua complexidade. “Logo de cara foi possível identificar que as propriedades da borracha natural vão muito além daquelas apresentadas pelos produtos sintéticos”, acrescenta. Segundo a química, esse fato está relacionado em primeiro lugar com a biosíntese da seringueira. O tipo de solo, a freqüência das chuvas e até mesmo a maneira como a árvore é sangrada para a extração do látex podem influenciar na composição final da borracha.

No Instituto de Química, falando sobre  as propriedades da borracha natural, objeto de estudo exaustivo (Foto: Antoninho Perri)Para padronizar seu estudo, Márcia utilizou o látex coletado de seringueiras cultivadas pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Durante as primeiras análises, afirma a pesquisadora, ficou claro que a borracha natural era um material notável e complexo. “O látex contém praticamente toda a tabela periódica”, brinca. A primeira fase da pesquisa consistiu em separar essa matéria-prima em duas partes. À primeira foi acrescentada amônia, para que esta não coagulasse rapidamente. A outra parte foi colocada no gelo, para obtenção de resultado contrário. Em seguida, a autora da tese investigou se a amônia produzia algum efeito sobre o látex. Por meio da técnica da ressonância magnética, a pesquisadora constatou que a substância usada como estabilizante modificava a composição da superfície das partículas presente no látex.

Márcia também identificou uma série de compostos oxigenados na borracha natural. Por intermédio da microscopia analítica, ela verificou que os filmes de látex são heterogêneos no que toca à composição química e morfológica. “Nos filmes produzidos com látex recém-coletado, foi possível constatar, além da existência do carbono, a sobreposição de compostos que contêm oxigênio e íons cálcio. Os íons formam a ponte entre o cálcio e o oxigênio, o que possivelmente confere resistência à borracha natural”, explica. Conforme a pesquisadora, a literatura registra a presença de uma fração de gel na borracha natural. Entretanto, o que levava à sua formação permanecia sendo um mistério. A pesquisa conduzida por Márcia ofereceu resposta a essa dúvida.

Na realidade, segundo a química, a borracha natural apresenta dois géis, um menos e outro mais denso, que ela denominou respectivamente de soft gel e hard gel. O primeiro é formado pela interação entre proteínas e a borracha. Já o segundo, constituído por cálcio e compostos oxigenados, situa-se dentro das partículas do látex. Tal constatação levou Márcia a se perguntar se o látex armazenado por longo período apresentaria as mesmas características. Ao buscar explicação para essa questão, ela alcançou um feito ainda inédito na ciência. Pela primeira vez no mundo, a autora da tese enxergou, com o auxílio da microscopia eletrônica, uma partícula de borracha natural sem a necessidade do uso de contraste ou corante. “Isso foi possível porque os microgéis, formados por reticulação iônica, diminuem a fluidez das cadeias do polímero”, esclarece.

Para a pesquisadora, os fatores decisivos que conferem propriedades tão especiais à borracha natural são as ligações de íons de cálcio com componentes oxigenados ligados às cadeias de poli-isopreno e a presença de nanopartículas associadas ao látex, compatibilizadas por meio de componentes protéico-fosfolipídicos. Márcia afirma que o modelo empregado por ela para proceder à caracterização microestrutural da borracha natural pode ser aplicado também para os materiais produzidos sinteticamente. O objetivo, no caso, seria formular novos materiais que mimetizem as características da borracha natural. Sobre o prêmio conferido pela Capes, a autora da tese considerou-o “maravilhoso”. “Sem dúvida, trata-se de um reconhecimento importante. Penso que ele fecha com chave de ouro um trabalho bastante complexo e exaustivo”.

Brasil renega ciclo histórico
e vira importador do produto

Além de despertar interesse científico, a borracha natural também tem uma forte importância comercial. Dados de 2003 indicam que a produção mundial alcançou 5,7 milhões de toneladas apenas nos três primeiros trimestres daquele ano. Já o consumo foi de 5, 9 milhões de toneladas. A diferença foi compensada pela existência de estoques. Os três maiores produtores mundiais são, respectivamente, Tailândia, Indonésia e Malásia. O Brasil aparece na nona colocação, com uma produção anual da ordem de 95 mil toneladas, conforme indicadores de 2002. Ocorre, entretanto, que o consumo interno naquele período alcançou 250 mil toneladas. Ou seja, há vários anos o país se transformou em um grande importador do produto. Estima-se que na última década o Brasil tenha desembolsado cerca de US$ 1 bilhão com a compra de borracha natural estrangeira.

Graças às suas propriedades especiais, a borracha natural é utilizada na fabricação de aproximadamente 50 mil produtos, como pneus, preservativos, materiais cirúrgicos, fios, tecidos, adesivos e luvas descartáveis. Perto de 70% da produção mundial é destinada à fabricação de pneus. Para se ter uma idéia do volume de dinheiro envolvido nesse mercado, basta citar que o consumo de luvas cirúrgicas fabricadas com látex natural movimenta uma cifra próxima a US$ 200 milhões por ano nos Estados Unidos. “É muito dinheiro. Exatamente por isso, penso que o governo deveria investir mais em pesquisas relacionadas à borracha natural, para que não nos tornemos dependentes de outros países”, pondera Márcia Maria Rippel.

O momento para a tomada dessa decisão é agora, na opinião da pesquisadora. Ela lembra que uma seringueira leva em média oito anos para começar a fornecer o látex. Depois de adulta, a árvore mantém-se produtiva por um período de 30 anos. “Se não fizermos algo com certa urgência, esses prazos vão nos atropelar”, adverte. Outro ponto que deve ser levado em consideração, prossegue Márcia, é a necessidade da busca de fontes renováveis de matérias-primas. “Não podemos depender exclusivamente de produtos fabricados a partir de derivados de petróleo”, lembra.

No Brasil, a borracha foi responsável pela constituição de um ciclo importante na história econômica e social do país. O ciclo da borracha, como ficou conhecido, teve o seu centro na região amazônica, no final do século 19, proporcionando grande expansão na colonização. Também produziu riqueza e causou transformações culturais e sociais, além de dar grande impulso às cidades de Manaus e Belém, apenas para citar dois exemplos. O ciclo da borracha viveu seu auge entre 1879 a 1912, tendo depois experimentado uma sobrevida entre 1942 a 1945.
























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