Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 238 - de 17 a 30 de novembro de 2003
Leia nessa edição
Capa
Diário de Lisboa
Radiografia: C&T no Brasil
Água: fungos e bactérias
Estudo: efeitos contra gota
Mais velho e mais urbano
Demógrafos: o fio da navalha
Capacitação de professores
Comunicações opticas
Brasil: capitalismo tardio
Unicamp na Imprensa
Painel da semana
Oportunidades
Teses da semana
Vaca mecânica: 2° geração
Genômica: mapeando células
 

3

Fungos e bactérias
degradam corantes poluidores
Expectativa é que biorremediação complemente e otimize os atuais
sistemas de tratamento de efluentes das empresas

MANUEL ALVES FILHO

A professora Lúcia Regina Durrant (centro) e os pesquisadores Hélio Kamida e Elisângela Franciscon: buscando soluções na natureza

Pesquisadores da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp estão buscando na própria natureza a solução para um dos principais problemas da atualidade: a poluição ambiental. Em escala laboratorial, eles empregam fungos e bactérias para reduzir ou até mesmo eliminar substâncias potencialmente nocivas para o solo, a água e o ar. Uma das vertentes dessa linha de pesquisa está voltada para degradação de corantes sintéticos utilizados pela indústria têxtil. A expectativa dos especialistas é que dentro de alguns anos o processo, conhecido tecnicamente como biorremediação, possa complementar e otimizar os atuais sistemas de tratamento de efluentes das empresas, diminuindo assim a agressão ao meio ambiente.
De acordo com a professora Lúcia Regina Durrant, coordenadora dos estudos, os corantes sintéticos são muito usados pela indústria têxtil. Atualmente, existem cerca de 10 mil tipos deles, cada um com uma estrutura molecular diferente. Quando lançadas num curso d’água, essas substâncias provocam graves danos ambientais. A presença de apenas 1 miligrama de corante por litro de água já é suficiente para colorir pelo menos parcialmente um manancial. Resultado: a luz solar deixa de atingir as plantas aquáticas, o que impede que elas promovam a fotossíntese e se reproduzam adequadamente. Como conseqüência, os peixes têm a oferta de alimentos e oxigênio reduzida.

Os corantes, que contêm elementos tóxicos, também podem atingir uma estação
de captação e tratamento de água, situação que comprometeria o abastecimento da população. Além disso, essas substâncias tendem a contaminar o solo próximo ao manancial. Nesse aspecto, surge um outro problema, esclarece a professora Lucia. Segundo ela, algumas bactérias presentes no solo ajudam a degradar o corante, porém podem produzir compostos carcinogênicos. Estes, ao atingirem a água e o solo, representarão uma ameaça para as culturas agrícolas, uma das bases da alimentação de homens e animais.

Cogumelos – Uma das alternativas para tentar evitar essa seqüência de problemas, conforme os pesquisadores da FEA, está no uso de microrganismos para degradar os corantes sintéticos. Em sua tese de doutorado, co-orientada pela professora Regina Monteiro, do Centro de Energia Nuclear para Agricultura (CENA), de Piracicaba, Hélio Kamida utilizou cogumelos comestíveis para essa finalidade. O fungo, em seu estágio vegetativo, produz uma enzima capaz de “devorar” as substâncias poluentes. Kamida partiu de uma coleção de 14 espécies anteriormente selecionadas por uma colega que também fazia o doutorado, para trabalhar com apenas duas. De acordo com ele, a degradação provocada pelas enzimas, confirmada por testes químicos, pode ser acompanhada visualmente.

Para realizar seu experimento, o pesquisador coletou amostras de efluentes de uma indústria têxtil de Americana. Em seguida, ele usou um substrato a base de bagaço de cana para aplicar o fungo. Por último, misturou ambos. “O que nós pudemos verificar foi que, conforme o fungo cresce, a água vai descolorindo. Não chega a ficar translúcida, mas o tom azul marinho cai para um alaranjado”, explica. Além de comprovar a capacidade de degradação dos fungos, Kamida também tomou o cuidado de verificar se o processo produziria compostos tóxicos. Na opinião dele, esse método é especialmente indicado para ser utilizado junto ao lodo gerado pelo tratamento dos efluentes industriais.

A empresa que colaborou com os estudos de Kamida, por exemplo, produz entre 6 e 8 toneladas desse material ao dia. Os rejeitos normalmente são recolhidos por empresas especializadas e levados para um aterro industrial. “Essa solução é complicada, pois além de ajudar a reduzir a vida útil dos aterros, ainda aumenta o risco de contaminação do solo e do lençol freático pelo corante presente no lodo, através da lixiviação”, afirma. Também preocupada com a destinação dos rejeitos da indústria têxtil, Elisângela Franciscon, que está elaborando sua dissertação de mestrado, tem usado bactérias para degradar o lodo. Ela partiu de 60 microorganismos, que mais tarde foram reduzidos para 17.

Atualmente, ela está selecionando aqueles que se prestam melhor à biorremediação. Alguns sequer foram identificados ainda. Além disso, a aluna de pós-graduação também está pesquisando maneiras de reduzir o volume do lodo. O material, ensina Elisângela, nada mais é do que uma massa celular composta por inúmeros microorganismos. Para combatê-los, ela investiga que nutrientes podem ser adicionados ao lodo, de modo a aumentar a produção das bactérias “faxineiras”. Estas, em maior número, “devorariam” as inimigas, reduzindo assim o volume total dos rejeitos industriais.

Em tese defendida recentemente pela pesquisadora Suelma Feijó, verificou-se que essas bactérias produzem biosurfactantes, uma espécie de emulsificante, que também é empregado pelas indústrias alimentícias e de cosméticos, na produção de sorvetes e cremes. Em contato com os poluentes, a substância torna-os solúveis, facilitando assim a sua remoção por medida complementar. De acordo com a professora Lúcia, esses estudos deverão ser complementados por outros, até atingirem uma escala piloto, que reproduzirá as condições encontradas na indústria.
O passo seguinte já compreenderá a transferência de tecnologia para a iniciativa privada. “Mas isso ainda vai requerer alguns anos”, prevê. Ela destaca, porém, que a biorremediação já é aplicada em larga escala em países desenvolvidos, como os Estados Unidos e algumas nações européias. As pesquisas desenvolvidas pela equipe da FEA contam com o financiamento da Fapesp, Capes e CNPq.

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2003 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP