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Entre a cidade idealizada
e o amor à arte

Tese revela as diferenças conceituais nos trabalhos de fotógrafos amadores e profissionais da Campinas do início do século 20

ANTONIO ROBERTO FAVA

Cadeia Pública fotografada por amador (à esquerda) e por profissional : narrativas visuais diferentesA fotografia produzida em Campinas nos primeiros 15 anos do século 20 é o foco da tese de doutorado da historiadora Suzana Barretto Ribeiro. Para avaliar as influências estéticas e o papel de editoras e instituições públicas e privadas na construção desse painel, a historiadora investigou pilhas de antigas fotografias da cidade, coleções de cartões-postais de álbuns da Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São Paulo, do Almanaque de Campinas de 1900 e o trabalho precursor do fotógrafo amador Austero Penteado e de outros profissionais da época.

A pesquisadora dá uma nova sistematização às coleções, reconstitui os discursos paralelos às trajetórias das imagens produzidas naquela época e explica que o fotógrafo profissional, ao aceitar encomendas, principalmente as provenientes do poder público, obedece a determinadas exigências e tem como função identificar a verossimilhança daquilo que está fotografando com os interesses em jogo para a divulgação de uma cidade promissora. Para isso, o fotógrafo profissional registra espaços da região central - ruas, praças, igrejas, colégios e hospitais - diferenciados do modelo colonial, além de adotar padrões e narrativas visuais que reforçam a construção de uma imagem da cidade ideal.

Fotos feitas por amadores (na coluna da esquerda) e por profissionais (à direita), da rua Barão de Jaguara e do Largo Carlos Gomes: dualidade na linguagem





Dessa forma, o profissional reforçava o anseio pelo progresso decretado por alguns segmentos da população local, em especial os políticos locais envolvidos com o projeto de desenvolver em Campinas características urbanas sintonizadas com o modelo proposto pelos republicanos e pelos preceitos higienistas baseados na disciplinarização dos espaços urbanos.

Nessa categoria, as imagens eram essencialmente comprometidas com o caráter cenográfico da cidade. "Quer dizer, além de vistas em perspectiva oblíqua ou plongeé, essas imagens se utilizavam também de enquadramentos que impossibilitavam o conhecimento entre diversos planos urbanos que, longe de exibir a realidade tal como era, ofereciam uma visão idealizada, mostrando um panorama "aperfeiçoado", que não chega a ser falso – baseado em dados concretos, visíveis, reproduzíveis, mas não inteiramente real", diz Suzana.

A istoriadora Suzana Barreto Ribeiro: dando uma nova sistematização às coleções"Já o gênero da fotografia feita pelo fotógrafo amador, configura-se pelo cultivo de uma arte pelo próprio prazer e pela influência dos padrões estéticos apresentados no circuito do movimento fotoclubista internacional, constituído por associações de fotógrafos, numa tentativa de recuperar valores e situações ameaçadas pelo ritmo acelerado proposto pela modernidade", explica a pesquisadora.

Os fotógrafos amadores da época acabaram provocando uma abertura considerável na fotografia quando começaram a fotografar como arte praticada com diletantismo. Com isso, em função das técnicas e equipamentos disponíveis no período, dominariam princípios da física, tanto quanto os segredos da química, para explorar satisfatoriamente os efeitos de luz, determinando com precisão a exposição das chapas e concedendo, posteriormente, valores cromáticos impecáveis à impressão das cópias.

"Nesse sentido, o ambiente fotoclubista e as publicações especializadas garantiam a troca de informações e a acuidade entre fotógrafos, contribuindo de modo significativo para esse tipo de representação", observa Suzana. Por outro lado, verifica-se que na fotografia amadora de Austero Penteado, prevalece a possibilidade de se liberar da obrigação de registrar a realidade material. Em suas fotografias invertem-se as regras utilizadas pela fotografia profissional ao identificar, sem privilegiar, os ritmos da modernidade. A primeira mudança observada com essa comparação é dada pela amplitude e pelo dinamismo da nova paisagem urbana.

"O fotógrafo amador interpreta e projeta sentimentos pessoais na foto que faz", argumenta Suzana. Com esse interesse especial pela singularização de espaços e de personagens, dedica-se a abordar situações do cotidiano urbano, como acontecimentos na vila industrial e o registro de figuras populares. Sem a preocupação em estabelecer a distinção entre urbano e rural, entre tempo de trabalho e tempo de lazer, constantemente o fotógrafo Austero Penteado remetia às situações do passado, ao mesmo tempo em que também tentava acompanhar as mudanças da modernidade, num momento em que tudo na cidade parecia se caracterizar como novo e transitório.

Um exemplo dessa dualidade na linguagem amadora e profissional pode ser verificado nas fotografias do prédio da Cadeia Pública de Campinas, projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo. "Nas fotografias produzidas por fotógrafos profissionais, a preocupação era a exclusão do entorno, com a intenção de privilegiar uma civilização excessiva, numa aspiração de modernização que atingia, inclusive, a alma dos habitantes da cidade. O mesmo prédio, ao ser registrado por Austero Penteado, é apresentado de maneira incorporada à paisagem e podia-se claramente identificar os limites e a transição do espaço urbano para o rural", conta a pesquisadora.

Para desenvolver as suas pesquisas, que culminou com a tese de doutorado Percursos do olhar na fotografia profissional e amadora de Campinas: (1900-1915), sob orientação do professor Edgar De Decca, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), com bolsa da Fapesp, Suzana recorreu aos arquivos do Centro de Memória da Unicamp (CMU), MIS/Campinas, Centro de Ciências, Letras e Arte (CCLA) e à Coleção do Monsenhor Jamil Nassif Abib.

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