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Batuque cromático (e interativo)

Ambiente criado por percussionista reúne música, luz e espaço em tempo real

JEVERSON BARBIERI

Cesar Traldi durante a defesa de tese, no Instituto de Artes: diferentes possibilidades de interação (Foto: Antoninho Perri) Uma aposta no desenvolvimento de uma nova postura interpretativa e na improvisação como veículos mediadores de expectativas sonoras culminou com a criação do Prisma. Trata-se de um ambiente interativo computacional resultante de uma instalação sonora de percussão e interatividade. O trabalho de pesquisa, realizado pelo percussionista Cesar Traldi, resultou numa tese de doutorado defendida no Instituto de Artes (IA) da Unicamp, sob a orientação do professor Jônatas Manzolli, do Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora (Nics).

Concebido como um espaço instrumento, o Prisma envolve percussão, dispositivos eletrônicos, luz, espaço, tudo isso interagindo em tempo real. Nesse espaço é utilizada a ideia de sistemas auto-organizados. Toda a parte de programação, portanto, foi feita de maneira que o sistema tivesse um comportamento adaptativo. É composto de quatro grandes divisões: a primeira é a parte do intérprete e sua interação com o espaço; a segunda é composta de sensores que funcionam como um sistema perceptivo do computador, como microfone, pedal e sensores piezoelétricos; a terceira compreende o processamento das informações; e a quarta são os sistemas de amplificação e projeção que transformam todo o processamento realizado na terceira parte em informação sonora e visual, realimentando o sistema porque o intérprete (primeira parte) está observando tudo isso e vai sofrer influência dessas informações.

Para contextualizar a pesquisa e levantar algumas questões além da simples leitura da tese, Traldi guiou-se por dois pontos-chave. O primeiro deles, levando em conta sua formação na graduação como percussionista, deu início a uma pesquisa sobre as obras que envolvem a interação com dispositivos eletrônicos. Traldi revela que um detalhe que sempre chamou muito a sua atenção foi a questão visual que envolve os instrumentos de percussão. Esse aspecto, segundo o pesquisador, está também presente em outros instrumentos. No entanto, ela é mais facilmente notada nos instrumentos de percussão pelo tamanho, pela quantidade, pela amplitude do espaço e do movimento do intérprete no momento da performance. “Existem filósofos que defendem o princípio de que a música deve ser simplesmente a arte de sons, e qualquer outra expressão não deve fazer parte da questão musical. Penso que uma apresentação artística envolve tudo. Quando estamos em um teatro assistindo a um concerto, é impossível não perceber a luz, o movimento dos intérpretes e até mesmo o cheiro do ambiente. Isso acaba interferindo na nossa apreciação musical”, afirmou Traldi.

O pesquisador conta que, no final do século XX e principalmente no início do século XXI, começaram a surgir obras que passaram a questionar se esses elementos fazem parte da música ou não, e as pessoas começaram a explorar realmente esses outros sentidos humanos nessas peças. Para o seu trabalho de pesquisa, Traldi ressalta a importância de que obras que envolvem elementos musicais, visuais e espaciais necessariamente devem ser realizadas por intérpretes músicos. “Se podemos conceituar como uma apresentação musical, isso não vem ao caso no meu trabalho. Porém, sem dúvida alguma, é uma manifestação artística que obrigatoriamente acaba sendo feita por um intérprete especialista em instrumentos”, disse.

Cesar Traldi durante a defesa de tese, no Instituto de Artes: diferentes possibilidades de interação (Foto: Antoninho Perri) Traldi, juntamente com o também percussionista Cleber Campos, formou, em 2005, o Duo Paticumpá. Essa formação aconteceu durante a realização do mestrado de Traldi, quando o Duo desenvolveu uma obra pensando na questão visual que envolvia a performance musical. “Usamos um artifício feito de luz negra, o qual valoriza a tinta fosforescente das baquetas utilizadas, justamente para chamar a atenção do público para a questão visual da performance musical. É uma obra para tambores, feita no escuro, e por causa do efeito de luz a gente acaba vendo apenas o movimento das baquetas”, explica o pesquisador.

O percussionista afirmou ainda que esse tipo de performance exige do intérprete novas posturas interpretativas e, consequentemente, novos desafios. Segundo Traldi, isso é muito diferente do que tocar um tambor com luz normal. Quando se pensa na questão gestual que cada movimento produz, argumento o pesquisador, mesmo que não seja de tocar o instrumento, ele seguramente vai ter um significado e deve transmitir isso para o público. “Essa nova postura, que ainda não é uma tradição na formação dos percussionistas, dificilmente será encontrada na maioria dos cursos, uma vez que a formação ainda é focada no repertório de instrumento solo sem tecnologia. Quando o intérprete vai tocar uma obra com interação com dispositivos eletrônicos, tem que se adaptar às diferentes situações porque não foi preparado para isso. No entanto, como os dispositivos e as interações são diferentes a cada obra, aprendemos como tocar cada uma delas porque não existe um formato padrão de performance. É necessário trabalhar os instrumentistas para o desenvolvimento de uma postura de adaptação a diferentes possibilidades de interação”, afirmou.

Bongô
Para exemplificar, o percussionista citou o bongô – instrumento musical composto por dois pequenos tambores unidos entre si. Colocado no meio de vários instrumentos, quando se inicia o processo de captação do som e processamento no computador – além da interferência da luz e seu significado –, ele deixa de ser apenas um bongô e passa a ser parte integrante de um novo instrumento, chamado por Traldi de espaço instrumento, uma espécie de hiper-instrumento, ou seja, equipamentos tradicionais conectados a dispositivos eletrônicos, nos quais estão envolvidos, além da questão sonora, os aspectos visual e espacial.

Comparado a instalações sonoras, que são mais comuns – normalmente feitas para o público, que entra, interage e vê como o espaço responde –, a diferença do espaço instrumento é que se trata de uma espécie de instalação pensada para performance necessariamente de um especialista em instrumentos. No caso do Prisma, prossegue Traldi, é necessário que percussionistas interajam, pois esse ambiente necessitará da técnica desses profissionais. Porém, precisa ser um percussionista que vá mudar um pouco sua postura interpretativa. “Se colocarmos um leigo, com certeza ele não conseguirá explorar todas as possibilidades que foram pensadas em cima das técnicas e da destreza de um performer em determinado instrumento”, argumentou.

Cesar Traldi durante a defesa de tese, no Instituto de Artes: diferentes possibilidades de interação (Foto: Antoninho Perri) O segundo ponto-chave é como pensar a performance desse espaço instrumento, que foi desenvolvido de acordo com a teoria de sistemas de interação auto-organizados. Os agentes (intérprete e computador) envolvidos nesse sistema sonoro são capazes de exercer forte influência sobre as interações ocorrentes e podem desempenhar diferentes funções, de acordo com a estrutura da obra. As diferentes funções descritas nessa pesquisa são idealização, articulação, mediação e observação. A idealização está ligada na hora de decidir quais são os dispositivos que serão usados. A articulação consiste em pegar esses instrumentos e trabalhá-los de maneira a gerar uma informação sonora, visual, mas que expresse algo – está ligado à produção artística. A mediação é quando se executa essa articulação, porque pode ser feita pela própria pessoa– que é o caso de uma improvisação. A observação leva o próprio intérprete e espectadores a acompanharem os resultados de todo esse processo interativo.

Segundo Traldi, esta ideia pode ser ampliada por meio da noção de adaptação, chegando aos sistemas sonoros auto-organizados. “Apesar de o idealizador ter pensado em todos os dispositivos e conexões, ele não consegue prever como as articulações vão ocorrer. Essa é a ideia com a qual trabalhamos nesse modelo de espaço auto-organizado. Quando um intérprete entra e vai realizar uma performance no ambiente Prisma, ele não sabe exatamente como o computador vai reagir porque a programação foi toda feita de maneira que o equipamento modifique seus padrões de comportamento de acordo com que o intérprete está fazendo. É como se o computador estivesse aprendendo em tempo real com o que o intérprete instrumentista está fazendo em sua performance. Esses sistemas sonoros evoluem a partir de si mesmo, e serão mais auto-organizados quanto mais as fronteiras entre as funções de articulação e mediação forem diluídas”, concluiu Traldi.

 

 

 
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