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Cirurgiã-dentista trabalha quatro anos para
estabilizar produto à base de tetrafluoreto de titânio


Pesquisadora da FOP formula
verniz odontológico alternativo

LUIZ SUGIMOTO

A cirurgiã-dentista Carolina Bezerra Cavalcanti Nóbrega: “Paralelamente à diminuição na incidência de cárie, tem-se observado a polarização da doença” (Foto: Divulgação: Antoninho Perri)O pedido de patente de um verniz odontológico, com atividade anticárie, acaba de ser solicitado pela Inova – Agência de Inovação da Unicamp. Trata-se da formulação quimicamente estável de um verniz à base de tetrafluoreto de titânio (TiF4). Nos testes de laboratório, em que se avaliou parâmetros como nível de infecção dental pela bactéria cariogênica e redução de cárie, o produto apresentou efeito equivalente ao do fluoreto de sódio (NaF) – principal fluoreto aplicado na odontologia.

Aplicado no local,
TiF forma película

A estabilização do tetrafluoreto de titânio – o que permite estocá-lo por até 24 meses na prateleira – consumiu quatro anos de trabalho da cirurgiã-dentista Carolina Bezerra Cavalcanti Nóbrega. Ela detalhou todo o processo em tese de doutorado apresentada na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), sob orientação do professor Pedro Luiz Rosalen.

Carolina Nóbrega informa que houve um declínio considerável da incidência de cárie nas últimas décadas, tanto nos países desenvolvidos com em desenvolvimento, devido ao uso de fontes de alta freqüência e baixa concentração de flúor, como água e dentifrício fluoretados. No entanto, diferenças importantes com relação à doença são evidenciadas entre regiões, cidades e até mesmo grupos populacionais.

“Paralelamente à diminuição na incidência de cárie, tem-se observado a polarização da doença, havendo pequenos grupos dos chamados pacientes com alta incidência de doença. Essas pessoas necessitam de medidas alternativas para o controle de cárie, sendo recomendada a aplicação profissional de produtos com concentração de flúor”, explica Carolina Nóbrega.

Acima, imagem microscópica produzida por Carolina  Nóbrega: removido o verniz (à esquerda) à  base de TiF4 da  superfície tratada de esmalte (parte escura), fica a camada álcali-ácido resistente

Aplicado topicamente sobre os dentes, o TiF4 forma uma película que vai reagir com a superfície e nela depositar o flúor e outros compostos secundários. “Este tratamento não é necessário para quem mantém a doença da cárie sob controle. Em pacientes de alta atividade, tem sido recomendada uma aplicação semanal durante quatro semanas, repetindo-se a série até que a pessoa, por si só, possa controlar a doença. Para este controle, a higiene dental diária e a restrição ao consumo de açúcar são fatores essenciais, complementados pelo uso do flúor”.

Segundo a autora da tese, a importância do uso de fluoretos para o controle da cárie é aceita mundialmente, mas ao mesmo tempo têm sido pesquisadas alternativas para melhorar seu efeito. Com relação ao TiF4, ele está sendo bastante estudado na diminuição de sensibilidade dentária, como selante de fóssulas e fissuras, para desinfecção de canais e na prevenção de cáries.

Carolina Nóbrega já havia trabalhado com este composto no mestrado, mas em solução aquosa, como ele é comumente formulado. “Apesar dos bons resultados encontrados, o tetrafluoreto de titânio exige longo tempo de preparação e não apresenta estabilidade em solução aquosa. Ele vai perdendo compostos ativos rapidamente, o que dificulta e limita o seu uso clínico. É uma solução extemporânea”.

Formulação – Surgiu então a idéia de formular um verniz que mantivesse o TiF4 estável e fosse viável para aplicação na odontologia. Além de seus orientadores na FOP, a cirurgiã-dentista teve a colaboração do professor Fred Fujiwara, do Instituto de Química da Unicamp, onde fez os testes de estabilidade; da equipe do professor Raul Cesar Evangelista, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp/Araraquara; e do professor Virgilio Nascimento, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP.

“Decidimos pela formulação do verniz tendo como solvente álcool a 96%, que possui apenas 4% de água. Foram quase dois anos de estudos prévios até chegar à melhor formulação, quando então passamos para os testes de estabilidade e atividade biológica. Ao todo, foram quatro anos de trabalho, cujos resultados começamos a divulgar agora”, diz a autora.

Com relação à estabilidade química, observou-se, depois de um ano de teste de envelhecimento acelerado, que a perda de compostos ativos foi de apenas 0,9%, índice muito abaixo dos preconizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para determinação de validade provisória, após teste de um ano, a Anvisa atribui validade de 24 meses quando a perda de princípios ativos é menor ou igual a 5%, e de 12 meses quando os valores vão de 5,1% a 10%.

A etapa seguinte foi a de estudos com animais, a fim de verificar se o verniz odontológico à base de TiF4 desenvolvido teria potencial anticárie em comparação com um verniz comercial a base de fluoreto de sódio (NaF). Os animais foram oralmente infectados com uma bactéria cariogênica e divididos em quatro grupos: dos sem tratamento, daqueles que receberam apenas um verniz sem princípio ativo, dos tratados com verniz de NaF e dos tratados com verniz de TiF4.

“O nível de infecção dental pela bactéria cariogênica foi de 28% no grupo sem tratamento, de 23% no grupo tratado com verniz de NaF e de 18% no grupo que recebeu o verniz desenvolvido. A redução de cárie devida ao verniz de NaF foi de 25%, contra 40% do efeito do verniz de TiF4, sendo esses resultados considerados estatisticamente equivalentes”, informa a autora do estudo.

Vantagens - Carolina Nóbrega afirma que os resultados promissores do tetrafluoreto de titânio devem ser atribuídos ao efeito dos íons flúor e titânio, diferentemente do que ocorre com os demais sais de fluoreto usados em odontologia para prevenção de cárie. “Com a hidrólise do composto, há a formação de uma película álcali-ácido resistente formada por dióxido de titânio, que tende a se depositar sobre a superfície dentária. É uma película difícil de remover e que provavelmente serve como uma proteção adicional”.

Outra vantagem é de ordem estética. O verniz de fluoreto de sódio tem solubilidade muito baixa em álcool e, por isso, a camada sobre os dentes precisa ser mantida por maior tempo, preconizando-se de 12 a 24 horas. “Como a película do verniz atual é amarela e o paciente terá de sair com ela do consultório, essa aplicação nem sempre é bem aceita. O tetrafluoreto de titânio, solúvel em álcool, já está pronto para reagir, podendo ser removido cinco minutos depois da aplicação”.

Erosão – A pesquisadora ressalta que o TiF4 está sendo muito utilizado para evitar a erosão dentária, doença caracterizada pela perda extensa de tecido duro dos dentes, devido ao contato da estrutura dentária com fontes de baixo pH de forma sucessiva ou por períodos prolongados.

A erosão dentária pode ser provocada por ácidos de origem extrínseca, como de bebidas energéticas, sucos de frutas cítricas e refrigerantes. Mas também pode ter como fator etiológico ácidos de origem intrínseca, como na doença do refluxo gastroesofágico, em que o ácido proveniente do estômago atinge a cavidade bucal, indo atuar sobre o esmalte dentário.

“O tetrafluoreto de titânio tem mostrado resultados promissores nos cuidados com a erosão, talvez pela formação da película álcali-ácido resistente, que contribui para proteger a superfície dentária do ataque ácido”, finaliza Carolina Nóbrega.

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