Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 281 - 30 de março a 3 de abril de 2005
Leia nesta edição
Capa
Unicamp, reitor à vista
Cesar Lattes, um cientista
   brasileiro
Cabeça no cosmo
Ciência e política
Razões da coincidência
Siarq: memória científica
Ônus da fama
Volta à USP em 1960
O adeus de um parceiro
Fotografias revelam as paixões
Edison Shibuya
Mundo das interações
Damy detectou talento precoce
Lattes: um sonho
Um ciclo se fecha. Fica a lição
O Lattes que não está
   na plataforma
O porão e as alturas
Histórias reais
Martha, o esteio.
  Às filhas, o saber
 


6

Ciência e política nas
alturas do Chacaltaya


(Continuação da página 5)

ANA MARIA RIBEIRO DE ANDRADE

Cesar Lattes emprestou o seu prestígio acadêmico também para o meteorologista espanhol Ismael Escobar, que o acompanhou em 1947 no experimento de Chacaltaya, criar na Bolívia um laboratório de raios cósmicos filiado à Universidad Mayor de San Andrés (UMSA). Em 1952, Escobar é nomeado catedrático e diretor do recém-criado Laboratório de Física Cósmica. No mesmo ano, físicos americanos e brasileiros começaram a expor placas de emulsão nuclear em meio à neve das cercanias de Chacaltaya e no Lago Titicaca. Pelo CBPF, seguiram Hervásio de Carvalho, Ugo Camerini, Occhialini, Lattes e Roberto Salmeron que aproveitaram para examinar as condições locais de pesquisa.

Mesmo constatando que as instalações improvisadas por Escobar eram inadequadas para a atividade científica, bem como que não existia tradição científica no país, grupos de pesquisa e técnicos em eletrônica, Chacaltaya reunia muitas vantagens. Já que no Brasil não existem altas montanhas, era relativamente perto, acessível e comprovadamente com ótimas condições para a realização de experimentos. A principal vantagem era a altitude, que permite a produção de chuveiros atmosféricos extensos por raios primários da ordem dos 1014-17eV e a redução da metade dos efeitos secundários da radiação, dada a pequena espessura da camada atmosférica.

Lattes sobe em caminhão de transporte de equipamentos para a implantação do laboratório de Chacaltaya, na Bolívia, em 1953 (Acervo de Cesar Lattes)Assim, Cesar Lattes não teve dificuldades para formalizar o convênio de cooperação entre o CBPF, CNPq e a UMSA. O Ministério das Relações Exteriores cuidou das questões diplomáticas e o CNPq concedeu bolsas e auxílios ao CBPF, que financiou todas as despesas de pessoal e custeio no lugar da UMSA. Além de levar os equipamentos eletrônicos, o CBPF construiu três edificações em Chacaltaya. Ainda que o frio e a qualidade das refeições tornassem árdua a adaptação dos brasileiros à escassez de oxigênio (a metade do que há no nível do mar), os dois anos em que Lattes esteve à frente do empreendimento foram de intensa atividade. Fez-se de quase tudo em Chacaltaya: política científica, investimento em infra-estrutura, engenharia e ciência, com a participação de grupos pesquisas constituídos por físicos do MIT, USP, CBPF e Universidade de Chicago. Físicos importantes obtiveram muitos resultados de pesquisa (Bruni Rossi, Kurt Sitte), outros lá começaram a carreira (Susana e Fernando de Souza Barros) e outros estagiários foram até lá para levar equipamentos (Alfredo Marques).

Enquanto Cesar Lattes tentava conciliar a montagem da infra-estrutura para a pesquisa em raios cósmicos com os cargos que ocupava no Rio de Janeiro, o grupo do CBPF se dedicava à montagem e testes para operar a grande câmara de Wilson construída na Universidade de Chicago. Se os estudantes de engenharia brasileiros tiveram a oportunidade de aprender muita eletrônica com Theodore Bowen e Alfredo Hendel, faltavam condições locais para solucionar os complexos problemas diários de aparelhos eletrônicos sofisticados. Erros do projeto técnico da câmara de Wilson inviabilizaram o seu funcionamento, impedindo a observação de eventos raros; isto é, eventos de altas energias relacionados com os mésons ou com as chamadas partículas V de Rochester e Butller. Mesmo que esse experimento tenha sido realizado por outros grupos com equipamento semelhante operado ao nível do mar, somente em altas altitudes era possível observar as colisões iniciais sem a ocorrência de muitas partículas secundárias.

Sem perspectivas e abandonados por Lattes desde o início da crise dos sincrocíclotrons, alguns brasileiros trocaram o Laboratório de Física Cósmica por instituições norte-americanas, onde continuaram a fazer física de raios cósmicos e de partículas. Como Lattes foi à Bolívia pela última vez em 1954 e ninguém do CBPF fazia pesquisa sobre a radiação cósmica, começou a ser questionado no Conselho Técnico e Científico o sentido de financiar um laboratório no exterior para o desenvolvimento de atividades de países muito mais ricos. Esta opinião era defendida por Lattes e Camerini. Todavia, antigas querelas diplomáticas entre o Brasil e a Bolívia impediram que o CBPF formalizasse o afastamento. A pressão partiu do Ministério das Relações Exteriores e da Comissão de Energia Nuclear e só o tempo foi capaz de solucionar o impasse: em 1963, Ismael Escobar também foi para os Estados Unidos. O Laboratório de Física Cósmica entrou em colapso com a perda de recursos oriundos do Brasil.

1962 – A Colaboração Brasil-Japão

A história do Laboratório de Física Cósmica é marcada pelo contraste entre os anos iniciais de intensa atividade, crises e soerguimento, através da substituição de programas de cooperação internacional e do desenvolvimento de novos aparatos tecnológico e material para a pesquisa em raios cósmicos.

A trajetória científica de Lattes também não foi diferente. Na rápida passagem pela Universidade de Chicago, em 1955-1956, ele aderiu à nova técnica de exposição de emulsões nucleares, que consistia no envio de equipamentos com as placas a elevadas altitudes em vôos de balões estratosféricos. De volta à USP em 1960, o novo grupo de pesquisa liderado por Lattes participou do Projeto ICEF (International Cooperative Emulsion Flight) que reuniu quinze países para lançar pilhas de emulsões nucleares em vôos de balão para estudar a produção múltipla de partículas. Esse projeto permitiu obter informações confiáveis mas chegou-se à conclusão que as observações deveriam envolver detectores mais eficientes e tempos de exposição maiores, levando ao uso de dispositivos instalados em altas montanhas.

Diante das dificuldades de acesso dos equipamentos aos mais altos montes japoneses, o Fuji e Norikura, Hideki Yukama propôs a Lattes um projeto em cooperação para ser desenvolvido em Chacaltaya, em 1959. Do lado brasileiro, o apoio de Mário Schenberg a Cesar Lattes foi fundamental para que, em 1962 e com o apoio de Matsuo Taketani, fosse formalizada a Colaboração Brasil-Japão. Objetivando o estudo das interações a elevadas energias na radiação cósmica, o projeto de âmbito internacional envolveu diversas universidades e centros de pesquisas do Japão e, do Brasil, participaram a USP, CBPF, Unicamp e UFF. É a colaboração mais duradoura da física de raios cósmicos e redirecionou a carreira científica de Lattes, depois que ele trocou a USP pela Unicamp.


SALA DE IMPRENSA - © 1994-2004 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP