Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 244 - de 15 a 21 de março de 2004
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Livro: saúde reprodutiva
Pesquisa :carne-de-sol
Metanol e diesel: medida certa
Geociências: viajando no tempo
Pochmann: meta de emprego
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Livro: ciências exatas
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Metodologia: descarte de pneus
Fotografia: floresta urbana
 

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ENTREVISTA
Pochmann: “O governo precisa estabelecer meta de emprego”

ÁLVARO KASSAB

O governo federal precisa com urgência implementar uma meta de emprego. O alerta foi feito pelo secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo, Marcio Pochmann. A proposta não é de um diletante. Professor do Instituto de Economia da Unicamp, Pochmann comanda uma pasta que se transformou na maior vitrine da gestão de Marta Suplicy.

Seu titular conseguiu implantar, em menos de um ano de mandato, um conjunto de programas sociais reconhecidos até mesmo por adversários históricos. Feito considerável numa cidade cujo número de pessoas à caça de um posto de trabalho já passou da casa do milhão. “O desemprego é um caso de calamidade pública”, constata Pochmann, que coordenou, na Unicamp, estudos seminais sobre o tema.

Teoria e prática cimentaram as convicções do secretário. Pochmann sugere que os responsáveis pela condução da política macroeconômica afrouxem os laços das restrições monetária e fiscal, “deixando de perseguir apenas o superávit primário e a inflação”. Do que jeito que as coisas estão colocadas, avalia, é inevitável a trombada entre a manutenção dessa política e o crescimento sustentado.

O secretário lembra que a deflação registrada recentemente em São Paulo é mais um indicativo de que a opção exclusiva em torno do combate à inflação pode ter conseqüências nocivas e irreversíveis. “É algo que está comprometendo a economia real, o setor produtivo e, sobretudo, a criação de novos postos de emprego”.

O leque de sugestões de Pochmann para o estancamento do quadro de estagnação inclui, também, a adoção de uma série de medidas emergenciais, investimento em inovação tecnológica e o esforço conjunto de todas as esferas de poder na elaboração de programas sociais.

 

Marcio Pochmann, professor e secretário municipal do Trabalho de São Paulo: “Torna-se incompatível ter crescimento econômico sustentado e manter políticas macroeconômicas conduzidas por uma enorme restrição monetária e fiscal”

JU – O governo assumiu prometendo a criação de milhões de empregos. O que se vê hoje, entretanto, é um aumento do número de desempregados. Como solucionar essa equação?

Marcio Pochmann — Tecnicamente é possível que se chegue a um volume de postos de trabalho semelhante, próxima, ao prometido. O fato concreto é que precisam ser adotadas medidas que apontem para um quadro de ampliação do nível de emprego. Isso significa dizer que fundamentalmente, no meu modo de ver, a economia precisa voltar a crescer em torno de 5% ao ano. É necessário também reduzir a jornada de trabalho, especialmente no que diz respeito ao volume das horas-extras – de cada dez trabalhadores, quatro trabalham acima das 44 horas semanais. Outra questão é justamente uma reorientação do gasto público para as atividades que resultem na criação de postos de trabalhos.

JU – Quais segmentos deveriam ser contemplados por esse redirecionamento?

Pochmann — Deveria ser focado nas áreas de infra-estrutura e de transferência de renda. Temos um contingente de jovens pauperizados que não completam o ensino médio porque têm uma renda muita baixa e acabam pressionando o mercado de trabalho muito cedo. A transferência de renda, por exemplo, auxiliaria na retirada desse segmento formado por crianças, adolescentes e jovens com baixa escolaridade do mercado de trabalho e tornaria possível outro efeito: elevar o nível de instrução desse grupo. Simultaneamente é preciso aumentar o valor pago pela previdência e assistência social, que é muito baixo. Tão baixo que acaba estimulando as pessoas, mesmo aposentadas, a continuarem no mercado de trabalho. Dados de 2002 divulgados pelo IBGE indicam que seis milhões de aposentados e pensionistas continuam trabalhando.

JU – O senhor disse recentemente que o desemprego deve ser tratado como um caso de calamidade pública. Além da reorientação dos gastos públicos, que medidas emergenciais poderiam ser adotadas para minimizar o problema?

Pochmann — Em primeiro lugar, uma meta de emprego. A política econômica não pode apenas perseguir o superávit primário e a inflação, mas também o conteúdo social. O governo deveria estabelecer, por exemplo, quantos empregos seriam gerados este ano. E a segunda medida, também emergencial, seria uma frente de trabalho, um programa oferecido para as pessoas que estão desempregadas e que não passaram pelo mercado formal de trabalho – que são os desempregados que nunca trabalharam ou que trabalharam apenas no setor informal.

JU – Em que medida a política macroeconômica inibe a criação de novos postos de trabalho?

Pochmann —Torna-se incompatível ter crescimento econômico sustentado e manter políticas macroeconômicas conduzidas por uma enorme restrição monetária e fiscal. Justamente por isso estamos defendendo que o governo federal incorpore em seu planejamento, junto com a meta de inflação e do superávit primário, a meta de emprego.

JU – Até que ponto essa proposta é factível se os gestores da política econômica têm demonstrado publicamente uma propensão pela manutenção desse estado de coisas?

Pochmann — Uso como exemplo a experiência que tenho na Prefeitura de São Paulo. O gestor público, seja secretário municipal ou ministro, opera de acordo com o governo como um todo. Se o gestor público na Fazenda ou no Banco Central tem como meta a inflação e o resto não lhe diz respeito, faz-se tudo quase que exclusivamente olhando o comportamento da inflação. A Fazenda olha essencialmente o gasto público, ou seja, como posso gastar menos para gerar o superávit que foi estabelecido. Tudo bem que você tenha preocupação com o gasto, mas em que medida esse ajuste fiscal e a taxa de juros fazem com que você comprometa uma outra meta, no caso a geração de empregos? Se for estabelecida essa meta, acredito que a combinação se torna mais complexa e o gestor público será obrigado a olhar o país como um todo e não apenas as variáveis de inflação e de superávit que estão hoje essencialmente sob sua responsabilidade. No mês passado tivemos uma deflação no município de São Paulo, fruto da opção exclusiva em torno do combate à inflação. É algo que está comprometendo a economia real, o setor produtivo e, sobretudo, a criação de novos postos de emprego. Daí a incompatibilidade.

JU – Essa discordância pode ser vista como uma queda-de-braço?
Pochmann — Na verdade, o governo é constituído de diferentes pontos de vista. Esse debate é intenso ao longo de uma gestão pública. No passado houve disputas internas entre os ex-ministros Serra e Malan. É natural essa pressão para se definir qual a meta a seguir.

JU – Trabalho coordenado pelo senhor aponta que o Brasil ocupa o segundo lugar no número de desempregados no mundo. Por que chegamos no fundo do poço?

Pochmann — Até os anos 80, apesar de ter a quinta maior população do mundo, o Brasil respondia pela 13a posição em termos de desempregados. A partir da década de 90 fomos rapidamente perdendo a condição de baixo desemprego. Tínhamos por exemplo, em 1989, 1,8 milhão de desempregados. Esse número saltou para mais de 8 milhões em 2002, segundo dados da PNAD (IBGE), o que nos colocou entre os três países com maior nível de desemprego no mundo. Isso se deve basicamente a três motivos. O primeiro foi sem dúvida a ausência de crescimento econômico, ou crescimento a taxas muito baixas. Isso é grave num país que coloca anualmente 2,3 milhões de pessoas no mercado de trabalho. Em segundo lugar, o país convive com uma crescente concentração de renda. A participação da renda do trabalho na renda nacional era 45% no início dos anos 90 e caiu para 36% no início desta década. A redução da renda do trabalho faz com que mais pessoas de uma família vão ao mercado de trabalho, o que resulta em mais pressão do lado da oferta de mão-de-obra e em mais horas-extras, reduzindo outra vez as possibilidades de ocupação. Por fim, o terceiro motivo diz respeito à forma com que o Brasil vem se inserindo na economia mundial. O país, de forma muito passiva, estaria retornando a condição de economia especializada – ou seja, cresceu a sua importância na economia mundial em setores agrícolas, mas com baixo valor agregado e acanhado conteúdo tecnológico. Essa forma de inserção na economia mundial nos retira a possibilidade de gerar mais postos de trabalho, sobretudo os de maior qualidade. É uma volta à situação pré-1930.

JU – Estudos recentes de sua autoria ressaltam a importância da inovação tecnológica na geração de empregos, tese que começa a ganhar força depois de rechaçada ao longo dos últimos anos por setores da esquerda e pelos conservadores. Como a inovação poderia levar ao chamado círculo virtuoso?

Pochmann — Nossa avaliação é a de que países que estão investindo mais em tecnologia, aqueles que aumentam mais rapidamente a produtividade do trabalho, são justamente as nações com maior capacidade de gerar empregos de qualidade e num ritmo muito rápido. Ninguém tem dúvidas que os Estados Unidos representam hoje um dos países mais avançados tecnologicamente e, no entanto, até 2000, com a crise internacional e o terrorismo, o país vinha apresentando taxas decrescentes de desemprego, comparáveis às dos anos 60. Temos um dado interessante: de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), nós tínhamos em 1979, 45 milhões de pessoas desempregadas no mundo. Desse universo, o G7 representava um terço do desemprego mundial. Em 2001, o desemprego mundial atingia 160 milhões, sendo que a participação do G7 havia caído para 12%. Portanto, o desemprego vem crescendo muito mais rapidamente nos países com baixo investimento em tecnologia. No meu modo de ver, está em curso, no mundo, uma nova divisão internacional do trabalho. Não é mais como no passado, quando havia uma diferenciação entre o trabalho agrícola e o trabalho industrial. Agora falamos na diferenciação entre o trabalho de concepção e o trabalho de execução da produção.

JU – Quais seriam as diferenças entre as duas modalidades?

Pochmann — Na verdade, a concepção e a administração da produção são muito mais importantes do que a execução. Vou dar um exemplo da maior indústria de calçados do mundo, que emprega 100 mil pessoas. Desse total, 20 mil trabalham na matriz. São justamente aqueles que nada produzem em termos de calçados, mas desempenham funções importantes como aplicação dos recursos da empresa, planejamento, distribuição e comercialização, além de cuidarem da parte de design e marketing. Esses trabalhadores recebem salários relativamente elevados, enquanto que os 80 mil envolvidos com a execução, com a produção de calçados, trabalham em países com menor custo-trabalho, onde as condições são próximas às do século 19. Você tem então a combinação de formas de trabalho do século 21 com aquelas do século 19. Essa divisão coloca em lados distintos aqueles países que investem em tecnologia e os outros, que são meramente compradores de tecnologia.

JU – Por que então persiste a idéia de que a tecnologia é a vilã da exclusão?

Pochmann — Na minha opinião, o Brasil teve um avanço tecnológico pontual, sobretudo nas grandes empresas, justamente aquelas que têm condições de gerar tecnologia em laboratório ou possuem o capital necessário para comprar tecnologia. Essas corporações fizeram inovações em geral na produção e num contexto econômico muito desfavorável, de baixo crescimento. As pessoas que perderam emprego nesses locais não tiveram muitas alternativas de trabalho. Mas, a maior parte das empresas nacionais é constituída de pequenas e micros empresas, que praticamente não inovaram em termos de produção.

Ofertas de emprego afixadas em praça na região central de Campinas: país está em segundo lugar no número de desempregados no mundo

JU – Quais são os efeitos dessa estagnação?

Pochmann — Quando se tem uma inovação tecnológica e o país está crescendo, quando a produção cresce mais rapidamente que o ganho de produtividade, você tem uma elevação no nível de emprego. Quando a produtividade cresce acima da produção do país, do PIB, você tem uma redução dos postos de trabalhos.

JU – O senhor comanda uma pasta considerada a vitrine da administração de Marta Suplicy. Qual foi a fórmula adotada para se obter êxito numa cidade que tem mais de um milhão de desempregados?

Pochmann — O que desenvolvemos no município de São Paulo é um novo modelo de gestão de políticas públicas. Na verdade, a gente passou a combinar de forma inédita no país os programas do município com alguns do estado e do governo federal. A tradição da política pública nacional é o da competição. O município compete com o estado, o estado com o governo federal e assim por diante. Esse novo modelo de gestão é que faz a diferença em termos de aplicação de recursos, uma vez que reduz o custo operacional e permite realizar uma ampla cobertura em termos do número de beneficiados. Somente no município de São Paulo já são 320 mil famílias beneficiadas (14% da população da cidade), o que permitiu ao Banco Mundial identificar como a maior experiência da atualidade em enfrentamento da exclusão social.

Outro aspecto diferenciador da estratégia de inclusão social paulistana diz respeito ao gasto de cerca de 3% do orçamento da cidade nos programas sociais comprometidos com a emancipação econômica e social das famílias que vivem na condição de pobreza.

Mas isso tudo, não significa dizer que se trata de um modelo de gestão e de inversão de prioridades que não possa ser transferível para outros municípios, estados e mesmo para a União.

Sabe-se hoje que um dos problemas sérios das políticas públicas do Brasil decorre justamente da forma como que ela é gerida. A política pública é em geral clientelista e paternalista, olhando a pobreza somente pela ótica assistencialista.
Além disso, convém destacar que o município não tem governabilidade a respeito dos fatos geradores do fenômeno da pobreza. São pressões que decorrem, sobretudo, da política macroeconômica e dos antigos equívocos da política social federal.

Observe-se, por exemplo, a situação do desemprego. Em São Paulo, há quase 1,1 milhão de desempregados, embora a cidade tenha diariamente cerca de 1,3 milhão de pessoas que trabalham aqui e não residem aqui. Não se trata de uma cidade decadente, mas de uma elevada competição por postos de trabalho exercida não apenas por moradores da cidade, mas de várias localidades do país. Tecnicamente, a cidade tem postos de trabalho que poderiam absorver a todos os paulistanos que estão desempregados, só que uma parte está ocupada por pessoas que não moram em São Paulo. Isso não quer dizer que a cidade deva se fechar e empregar apenas paulistanos. Pelo contrário, a cidade só existe por que imigrantes a construíram, por que gente de todo o mundo trabalhou e trabalha aqui criando belezas, cultura, tecnologia, produtos e serviços. Esses números servem apenas para enfatizar que o problema do desemprego extrapola as fronteiras e poderes dos municípios. A questão é nacional, incapaz de ser resolvida no plano local.

JU - Quais são os pontos principais do modelo adotado por sua Pasta e seus respectivos programas?

Pochmann — O objetivo maior de nossa ação é promover a inclusão social e a cidadania da população carente de São Paulo. Para isso, articulamos dois princípios: é necessário, primeiro, resgatar da situação de pobreza as famílias mais carentes da cidade; e, em seguida, construir meios que permitam a essas famílias viver o mais dignamente possível a partir de seu próprio trabalho. Mas para tornar realidade esses princípios foi preciso criar uma nova forma de abordar o problema da exclusão social. Foi daí que surgiu a Estratégia Paulistana de Inclusão Social, composta de nove programas sociais distribuídos em três blocos: o primeiro é formado pelos programas que redistribuem renda e colocam as famílias acima da linha de pobreza (Renda Mínima, Bolsa Trabalho, Operação Trabalho e Começar de Novo). Cada um deles atinge uma faixa etária e, portanto, permite que alcancemos toda a população. São os chamados Programas Redistributivos. Depois, com as famílias em condições menos emergenciais, podemos agora prepará-las para que consigam viver sem contarem com a transferência de renda da prefeitura.

São programas que auxiliam as famílias beneficiadas pelos programas redistributivos a criarem formas alternativas de ocupação e geração de renda. Podem ser cooperativas, empresas de fundo de quintal, mera oficinas e docerias que utilizam o espaço da casas etc. Para isso, as famílias contam com cursos, treinamento e financiamento de micro-crédito também fornecido pela prefeitura. São os Programas Emancipatórios.

Por fim, há ainda um esforço mais de fundo que tem resultados mais lentos, mas estratégicos: são os Programas de Desenvolvimento Local que tentam, junto com a comunidade – empresários, população de bairros e poder públicos local – criar formas de dinamizar a economia da região e construir um mercado de trabalho local.
Toda essa estrutura, é interessante lembrar, tem um custos relativamente baixo. Em nossos levantamentos, de cada cem reais investidos nos programas, apenas dez são custo da burocracia. Um resultado muito bom.

JU – Em que pesem as veleidades políticas e a falta de congruência entre as partes, o senhor acha possível que outros municípios adotem o programa como modelo?

Pochmann — Acho que a experiência que está sendo feita aqui, de certa maneira, pode ser aplicada em outras cidades. Algumas, inclusive, têm nos consultado para adotar o programa.O governo do Estado de São Paulo, por intermédio da secretária Maria Helena Castro, professora da Unicamp, está caminhando na mesma direção. Não é um ovo de Colombo racionalizar o programa, fazer cadastros e essas coisas presentes em nosso modelo. A política pública moderna passa por aí. O modelo está também sendo adotado pelo governo federal. Ana Fonseca, nossa colega da Unicamp, ex-secretária do programa Bolsa-Família, e agora secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, que tem a mesma concepção que nós, está também nesse movimento que começou aqui, em São Paulo.

Recentemente, organizamos um fórum que reuniu representantes das capitais do país e de cidades com mais de 300 mil habitantes. São basicamente 72 municípios que representam em torno de 45% da população brasileira. A avaliação que eu tenho, conversando com os gestores públicos, é a de que mesmo as cidades médias têm condições de produzir programas dessa natureza. Todas têm equipamentos e uma estrutura burocrática, assim não seria nada difícil a implantação. Já as cidades menores, de um modo geral, não contam com uma burocracia para programas dessa natureza. Nesse caso seria fundamental que houvesse uma interferência dos governos estaduais.

JU – Das reformas que o governo federal pretende implantar, a sindical parece ser a bola da vez. Espera-se alguma mudança no cenário do desemprego?

Pochmann — Não há muitos registros de experiências internacionais de que mudanças na estrutura sindical tenham efeito negativo ou positivo sobre o emprego. O papel da reforma sindical, no meu ponto de vista, seria o de melhorar a qualidade dos postos de trabalhos. Os sindicatos poderiam, de uma certa maneira, exercer uma pressão sobre a fiscalização junto aos postos de trabalho, ajudando assim para que as condições de trabalho fossem melhores do que aquelas que encontramos atualmente. Os sindicatos também podem dar mais voz a uma parcela enorme dos trabalhadores brasileiros que não têm representação, inclusive aqueles que estão no mercado informal.

JU – No que a flexibilização do trabalho, como pretende o governo federal, pode influir na questão das horas-extras?
Pochmann — Acredito que ampliação do número de pessoas trabalhando acima da jornada legal no país se deve a três motivos. O primeiro é a desregulamentação do mercado do trabalho, uma forma de flexibilização perversa. O segundo deve-se ao rebaixamento da remuneração, o que leva a pessoa a trabalhar mais para aumentar a sua própria renda. E o terceiro se deve à própria incerteza na economia. Ninguém sabe se vai haver crescimento ou desaceleração. Essa indefinição faz com que os empresários acabem também utilizando o expediente da hora-extra como um mecanismo de se acomodar a uma situação de incerteza das atividades econômicas.

JU – O senhor disse recentemente que o país não atingirá o crescimento e não criará empregos sem investir nas reformas tributárias, agrária e social. A tributária já foi aprovada, embora não seja consensual, e as outras duas estão longe de ser implantadas. Onde elas são importantes?

Pochmann — As reformas são fundamentais por diversos motivos. A reforma agrária, por exemplo, é uma reforma clássica na vida dos países de capitalismo avançado. Todos fizeram: Estados Unidos, Japão, França, etc. Ela tem o poder de segurar os homens e mulheres no campo, retirando a pressão sobre o mercado de trabalho das cidades, facilitando, portanto, as reivindicações por melhores salários. Se sua produção puder ainda por cima ser comercializada, pode haver uma franca melhoria da renda dos pequenos agricultores brasileiros e uma maior oferta de alimentos no país. É redistribuir. A urgência, desse modo, nasce do quadro cruel de distribuição de renda no Brasil e do preocupante sinal de piora nos indicadores de desigualdade social. Um país com uma indústria consolidada e um potencial de modernização e crescimento tão visíveis, não pode esperar mais para resgatar, das condições de exclusão social, pessoas e regiões que podem tornar-se valiosas se puderam produzir.


 

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