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Estudo abre perspectivas para
tratamento da anemia falciforme
Mecanismo que pode aumentar substância capaz de impedir a deformação das hemácias é identificado


PAULO CÉSAR NASCIMENTO

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A pesquisadora Nicola Conran Zorzetto, cujo estudo foi coordenado pelo professor Fernando Costa: estreita relação entre níveis elevados de GMPc e maior produção de hemoglobina fetal

Estudo desenvolvido pela pesquisadora Nicola Conran Zorzetto e outros cientistas do Hemocentro da Unicamp, coordenado pelo professor doutor Fernando Ferreira Costa e publicado em fevereiro no British Journal of Haematology, abre perspectivas para novas formas de tratamento da anemia falciforme, doença ainda incurável e que atinge em média um a cada cinco mil recém-nascidos.
Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Nicola identificou a existência de um mecanismo nos glóbulos vermelhos de pacientes falciformes que pode ser responsável pelo aumento da hemoglobina fetal, substância capaz de impedir a deformação das hemácias, fenômeno fundamental na fisiopatologia da doença. Atualmente, a maior produção dessa hemoglobina nos organismos de portadores é induzida pela ingestão de hidroxiuréia, uma droga quimioterápica tóxica e com efeitos colaterais ainda parcialmente desconhecidos.

Nicola comparou os níveis de uma molécula denominada GMP cíclico (guanosina monofosfato cíclica ou GMPc) nas células vermelhas de um grupo de controle formado por três diferentes categorias de pessoas: 17 eram sadias, 22 pacientes falciformes e 11 doentes medicados com hidroxiuréia. Nos integrantes da segunda categoria ela encontrou níveis de GMPc cinco vezes superiores aos da primeira e maiores ainda entre aqueles que tomavam a droga (ver gráfico).

O aumento do nível de GMPc ocorre quando uma substância chamada óxido nítrico ativa a enzima guanilato ciclase (GC) no interior das células. Esse processo também poderia contribuir para a maior produção da hemoglobina fetal, conforme resultados de um estudo in vitro de linhagens de células divulgados em 2001 por um grupo de Boston (EUA) que apontavam para essa hipótese.

Elo promissor – Coube a Nicola, após um ano e meio de trabalho, corroborar essa possibilidade em seu estudo com pacientes, ao provar a estreita relação entre níveis elevados de GMPc e maior produção de hemoglobina fetal.
“É possível concluir que a elevação dos níveis dessa molécula influencia o aumento de hemoglobina fetal em portadores da disfunção”, afirma a pesquisadora.

Porém o achado mais relevante de seu trabalho é o que permite compreender melhor o mecanismo pelo qual a hidroxiuréia atua na produção da hemoglobina fetal em pacientes tratados com o medicamento, já que nas células dos integrantes desse grupo é que foi constatado o nível mais alto de GMPc.

“Quando eles tomam hidroxiuréia e há o aumento da hemoglobina fetal, também se intensifica nas células a disponibilidade do óxido nítrico e, conseqüentemente, a atividade da enzima guanilato ciclase, ocorrendo a maior produção de GMPc. É esse possível elo entre a ação da droga e o incremento da atividade enzimática que aponta para outras possibilidades terapêuticas em que medicamentos menos agressivos possam substituir a hidroxiuréia na ativação da GC”, observa Nicola.

No estudo, ela sugere que o aumento de níveis de GMPc nas células eritrócitas pode se constituir em um mecanismo para indução de hemoglobina fetal e representar um recurso terapêutico alternativo a hidroxiuréia para falcêmicos.

Pioneirismo – Especialista na investigação das características clínicas de doenças hereditárias dos glóbulos vermelhos, o professor titular em Hematologia e Hemoterapia Fernando Ferreira Costa, da Unicamp, enfatiza que o estudo de Nicola “é o primeiro a abordar esses aspectos na anemia falciforme” e mantém a tradição do Centro de Hematologia e Hemoterapia da Unicamp (Hemocamp) no desenvolvimento de pesquisas pioneiras em hemoglobinopatias.

O Hemocamp é instituição de referência nacional e internacional na investigação e tratamento de diversas doenças hematológicas hereditárias e adquiridas, e em seus ambulatórios são atendidas cerca de duas centenas de pacientes com doença falciforme e outras hemoglobinopatias, entre portadores de diferentes hemopatias.
Fernando, que também é pró-reitor de pesquisa na Universidade, esclarece que não existe um tratamento definitivo para a anemia falciforme, mas sim drogas que podem melhorar consideravelmente a qualidade de vida dos portadores da doença, entre as quais a mais utilizada é a hidroxiuréia.

Tradicionalmente empregada para tratar câncer, a droga consegue aumentar consideravelmente a hemoglobina fetal após alguns meses de tratamento. Todavia, pode causar redução de glóbulos brancos e plaquetas sanguíneas, e causar hemorragias e infecções graves em falcêmicos submetidos a altas doses.
Além disso, estudos dos efeitos do medicamento em crianças estão no início, e os médicos não sabem ainda se a droga pode ou não ser mutagênica ou carcinogênica a longo prazo.

“Os resultados da pesquisa conduzida por Nicola, entretanto, abrem um caminho promissor para o teste de novas drogas e terapias potencialmente benéficas aos pacientes, sem os inconvenientes da hidroxiuréia”, enaltece Fernando.

Hereditariedade é fator determinante.
Anemia falciforme é uma doença hereditária, que leva a uma deformação das hemácias (glóbulos vermelhos) em forma de foice.Os glóbulos vermelhos são ricos em hemoglobina, molécula que dá a cor vermelha ao sangue e tem a função vital de transportar o oxigênio dos pulmões aos tecidos. Para poder passar facilmente por todos os vasos sangüíneos, mesmo os mais finos, as células são arredondadas e elásticas.

Porém na anemia falciforme, uma alteração genética na hemoglobina faz com que os glóbulos assumam a forma de uma meia lua ou foice, depois que o oxigênio é liberado. As células em foice tornam-se rígidas ou endurecidas e tendem a formar grupos que podem fechar os pequenos vasos sangüíneos, dificultando a circulação do sangue. Como há vasos sangüíneos em todas as partes do corpo, pode ocorrer lesão em qualquer órgão, como o cérebro, pulmões, rins e outros.

Essa condição é mais comum em indivíduos da raça negra. Existem países na África em que os portadores assintomáticos são mais de 20% da população. No Brasil, representam cerca de 8% dos negros. Mas devido à intensa miscigenação historicamente ocorrida no País, pode ser observada também em pessoas de raça branca ou parda.

A detecção é feita através do exame eletroforese de hemoglobina ou exame de DNA. A gestação em casais portadores do traço falciforme (em que a hemoglobina é do tipo que predispõe à doença, ainda que o homem ou a mulher não a manifeste) apresenta um risco de 25% para o nascimento de uma criança portadora de anemia falciforme. É indicado, portanto, aconselhamento genético antes do planejamento de filhos.
O teste do pezinho, realizado gratuitamente antes do bebê receber alta da maternidade, proporciona a detecção precoce de hemoglobinopatias, como a anemia falciforme.
Mais informações no Hemocentro da Unicamp, telefones (19) 3788-8700 e 3788-8701. Fax (19) 3289-3511.

Conheça as manifestações
A doença falciforme pode se manifestar de forma diferente em cada indivíduo. Geralmente é durante a segunda metade do primeiro ano de vida de uma criança que aparecem os primeiros sintomas da doença.
Conheça as principais manifestações:

Episódios vaso-oclusivos e crises dolorosas – É o sintoma mais freqüente, proveniente da obstrução de pequenos vasos sangüíneos pelos glóbulos vermelhos em forma de foice. A dor pode ser extrema e ser transferida para o abdome, tórax e articulações. Nas crianças pode haver inchaço muito doloroso nas mãos e nos pés.

Manifestações cutâneas – A mais comum é a úlcera crônica situada nas pernas, próxima aos tornozelos, a partir da adolescência.

Icterícia – O falcêmico geralmente tem cor amarelada causada pelo aparecimento de um pigmento no sangue, a bilirrubina. O fígado é responsável pela retirada da substância da circulação sangüínea. Devido ao mau funcionamento do órgão, ela continua no plasma e se torna visível principalmente na pele e no branco do olho.

Atraso de maturação física – Algumas crianças apresentam atraso no desenvolvimento físico e sexual. O problema torna-se aparente na primeira década de vida.

Crise de seqüestro de sangue – O baço é o órgão que filtra o sangue. Em crianças com anemia falciforme, o baço pode aumentar rapidamente por seqüestrar todo o sangue e isso pode levar rapidamente à morte por falta de sangue para os outros órgãos, como o cérebro e o coração. É a complicação da doença que envolve risco de vida e exige tratamento emergencial.

Infecções – Os falcêmicos são muito suscetíveis às infecções bacterianas, como pneumonias e meningites, na faixa etária até sete anos.

 

 

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