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Estudo na área de cronobiologia
avalia memória de estudantes
Pesquisa foi desenvolvida no Laboratório de Sistemas Neurais
e Comportamento do Instituto de Biologia

MANUEL ALVES FILHO

O estudo conduzido pela fisioterapeuta Grazielle Aurelina Fraga de Sousa na área da cronobiologia observou as variações do comportamento da memória de estudantes universitários, em dois horários: início da manhã e final da tarde. De acordo com a pesquisa, os voluntários de cronotipo intermediário, que são aqueles indivíduos que não possuem preferências rígidas quanto ao horário para desempenhar atividades, apresentaram desempenho semelhante em ambos os horários, sem que fossem registradas diferenças significativas entre eles. A pesquisadora, que foi orientada pela professora Elenice Aparecida de Moraes Ferrari, do Laboratório de Sistemas Neurais e Comportamento (LabSNeC) do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, contou com bolsa de estudo financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

De acordo com a autora da dissertação de mestrado, todas as pessoas possuem um sistema temporizador endógeno (relógio biológico), que é responsável por ditar o ritmo interno de cada organismo. Assim, a população pode ser dividida em três grupos. O primeiro é formado por indivíduos do cronotipo matutino, que apresentam maior disposição pela manhã. O segundo é constituído por homens e mulheres do cronotipo vespertino, que têm performance superior à tarde e início da noite. O terceiro congrega os chamados intermediários, que não possuem preferências rígidas quanto ao horário para desempenhar suas atividades.

Para verificar como a memória pode variar conforme o horário e o intervalo de tempo entre a aplicação de testes específicos, Grazielle recorreu a um grupo de aproximadamente 400 alunos do IB. A eles, a pesquisadora aplicou um questionário para classificar o cronotipo de cada um. Os jovens, de ambos os sexos, responderam a perguntas relacionadas a preferências de período para a realização de atividades físicas e intelectuais e acerca dos horários em que costumavam dormir e acordar, entre outros. “Por meio dessa ferramenta, observei que a distribuição dos cronotipos entre os estudantes corresponde ao que é descrito pela literatura para a população brasileira. Dessa forma, 59% dos participantes foram classificados como intermediários, 35% como vespertinos e 6% como matutinos”, relaciona a pesquisadora.

Por não ter tido condições de formar grupos de estudos que pudessem ser proporcionalmente distribuídos entre os três diferentes cronotipos, a pesquisadora optou por trabalhar somente como o segmento que representava a população geral, ou seja, os indivíduos classificados como intermediários. Estes foram divididos em grupos que realizaram testes em diferentes horários, com o objetivo de aferir a memória operacional (mais imediata) e episódica. No primeiro caso, os estudantes escutavam uma sequência de números e deviam repetir cada uma, na ordem direta ou inversa, imediatamente após a apresentação. “Também avaliei a memória visuo-espacial dos voluntários num teste em que quadrados coloridos (blocos) apareciam na tela do computador e eles tinham que memorizar e indicar a sequência de apresentação”, explica Grazielle.

Além destes, também foram conduzidos testes com listas de palavras e relato de histórias. Após ouvi-las, os participantes da pesquisa tinham que reproduzi-las verbalmente, tanto imediatamente quanto na sessão subsequente. “Tentei fazer uma análise de componentes das memórias operacional e declarativa”, diz a pesquisadora. Um cuidado especial adotado por ela relacionou-se às estudantes. Conforme a autora da dissertação, existe uma diferença entre homens e mulheres no que toca à memória, principalmente quando considerado o ciclo hormonal destas. A maioria dos trabalhos científicos da área preconiza o uso somente de voluntários do sexo masculino, para que sejam evitadas distorções nos resultados. “Como eu não podia abrir mão da participação das alunas, não foram aplicados testes imediatamente antes ou durante o período menstrual, de modo a evitar uma interferência das mudanças hormonais no desempenho”, esclarece.

Grazielle afirma que a análise dos resultados indicou que os grupos apresentaram desempenho semelhante nos diferentes horários, sem diferenças significativas entre eles. “Isso poderia sugerir que o horário matutino ou vespertino para a realização dos testes de memória não influenciaria o desempenho de indivíduos de cronotipo intermediário. Entretanto, seria muito interessante podermos comparar o desempenho desses indivíduos com aqueles classificados como tendo cronotipo matutino ou vespertino. Por hipótese, o resultado poderia se repetir entre os indivíduos desses segmentos também”, explica a fisioterapeuta.

Além disso, segundo ela, o estudo apontou uma correlação positiva entre a duração do sono e o desempenho dos participantes da pesquisa. Dito de maneira simplificada, quanto maior a duração do sono, melhor a performance das pessoas. “Isso é interessante, visto que os estudos sobre o sono normalmente realizam testes em laboratório, de forma controlada. A correlação apontada pela minha pesquisa indica a necessidade de também avaliar essa questão em um ambiente comum, mais próximo da realidade das pessoas”, considera. Na opinião de Grazielle, seu trabalho foge um pouco das pesquisas realizadas no LabSNeC. Até então, os trabalhos eram desenvolvidos mais no nível comportamental e molecular, tendo como procedimento a análise de experimentos feitos com animais de laboratório. “A minha abordagem, voltada para a pesquisa com humanos, tem uma relação mais direta com o cotidiano. Acredito que a partir das questões levantadas outros trabalhos semelhantes surgirão, o que poderá possibilitar a ampliação dessa nova linha de pesquisa”, prevê.

Grazielle acredita, ainda, que os dados que emergiram do seu estudo poderão ser somados a outras informações sobre o sono de estudantes, na tentativa de despertar o olhar da sociedade para a necessidade de se adequar os horários escolares às características circadianas das pessoas. “É preciso observar as características cronobiológicas, no sentido de estabelecer horários que favoreçam o desempenho eficiente das pessoas. Isso sem dúvida traria um impacto positivo para o resultado das tarefas, bem como garantiria maior qualidade de vida à população. Contrariar sistematicamente aquilo que as pessoas conhecem como relógio interno pode ser prejudicial. No campo do trabalho, por exemplo, há uma relação estreita entre acidentes e os períodos em que eles ocorrem. Os episódios são mais comuns durante a madrugada, quando os níveis de atenção sofrem alterações, pois o organismo está preparado para o repouso. O problema é especialmente preocupante no que toca a trabalhadores que executam atividades repetitivas e/ou cumprem turnos de forma alternada”, analisa.

De acordo com Grazielle o organismo humano tem ritmos próprios e é preciso respeitá-los. “Uma boa forma é tentar conciliá-los com os ritmos externos. Por exemplo, o nosso sistema temporizador endógeno determina o ritmo de secreção de diferentes hormônios, entre eles o cortisol, conhecido como hormônio do estresse. O cortisol tem seu pico de secreção no início da manhã, preparando-nos para o período de vigília. Quando falamos em contrariar o relógio biológico, falamos em dessincronização entre o que o nosso relógio endógeno determina e aquilo que fazemos. Essa dessincronização pode determinar um quadro mais ou menos crítico de quebra da homeostasia [referente o equilíbrio interno] do organismo”, afirma. Alguns trabalhos científicos, prossegue a autora da dissertação, relacionam o aumento do número de acidentes de trânsito aos períodos próximos à mudança do horário de verão. Isso acontece porque um contingente significativo de pessoas sente dificuldade em se adaptar à alteração. Muitas ficam irritadas ou têm o nível de atenção reduzido. 

A cronobiologia, ramo da Biologia que estuda a organização temporal da matéria viva, é uma ciência relativamente nova. No Brasil, ela começou a ganhar corpo nos últimos anos, graças à formação de grupos de pesquisas, principalmente nos estados de São Paulo, Rio Grande do Norte, Paraná e Rio Grande do Sul. Os resultados dos estudos já realizados têm contribuído para a orientação de algumas medidas práticas. No esporte, por exemplo, os dados cronobiológicos têm servido para redimensionar os horários de treinamento dos atletas, de modo a obter o máximo rendimento por parte deles. Fora isso, a ciência também tem fornecido dados valiosos para a medicina e farmacologia. Sabendo que o organismo humano funciona de modo diferente conforme o período do dia, os cientistas têm buscado informações que indiquem o melhor momento para uma pessoa tomar um medicamento ou ser submetida a uma cirurgia, cuidados que podem contribuir para uma recuperação mais rápida dos pacientes.

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Publicação
Tese:
“Desempenho de estudantes universitários em testes matutinos e vespertinos para avaliação da memória episódica e operacional”
Autora: Grazielle Fraga Souza
Orientação: Elenice A. de Moraes Ferrari
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
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