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O que o brasileiro pode esperar da genética clínica?

Especialistas analisam portaria
que cria rede de serviços e centros de referência da especialidade

MANUEL ALVES FILHO

Antonia Paula Marques de Faria, professora da FCM: “Temos que superar alguns entraves até que a população possa contar com o suporte da genética” (Foto: Antônio Scarpinetti) Depois de um processo que durou cerca de cinco anos, o Ministério da Saúde baixou em janeiro último portaria instituindo, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Atenção Integral em Genética Clínica. O objetivo da medida é criar uma rede de serviços e centros de referência dessa especialidade em todo o país. Como e quando o modelo será implantado dependerá, porém, de novo ato normativo da Pasta e principalmente doestabelecimento de um pacto com as secretarias municipais e estaduais de Saúde. “Aportaria representa um avanço, masainda temos que superar alguns entraves até que a população em geral possa contar efetivamente com o suporte da genética. Quando isso for possível, e esperamos que não demore muito, o brasileiro em geral poderá dispor de assistência adequada para as doenças geneticamente determinadas e defeitos congênitos” A médica geneticista Andrea Trevas Maciel Guerra:  “É fundamental que a população seja devidamente informada sobre o papel do médico geneticista” (Foto: Antônio Scarpinetti)analisa a médica geneticista Antonia Paula Marques de Faria, docente da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) daUnicamp e uma das integrantes do grupo de trabalho que contribuiu para a formulação da referida política. Na entrevista que segue, ela e sua colega de FCM, a também médica geneticista Andrea Trevas Maciel Guerra, falam sobre a importância da inserção da Genética Clínica no SUS, a respeito do trabalho dos geneticistas e acerca dos conhecimentos acumulados por essa ciência.

Jornal da Unicamp – Quando efetivamente os usuários do SUS poderão contar com os serviços de Genética Clínica?
Antonia Paula – A política ainda está em construção. A publicação da portaria em janeiro último foi um marco, mas tratou-se da primeira de uma série de medidas que ainda precisam ser tomadas. Foram mais de quatro anos até que o documento fosse aprovado e publicado. Agora, falta concluir diretrizes, protocolos de conduta e fluxogramas de atendimento para orientar as secretarias estaduais e municipais de saúde. Na estruturação da atenção, está previsto um eixo, o Aconselhamento Genético. Foram estabelecidas algumas linhas de atenção: Anomalias Congênitas, Deficiência Mental e Erros Inatos do Metabolismo, mas tudo isso precisa ser detalhado.

JU – É possível trabalhar com alguma expectativa de prazo?
Antonia Paula – Bem, a Secretaria de Assistência a Saúde (SAS), que coordena o processo de estruturação da política, tinha uma previsão inicial para 2011. Porém, acho difícil estabelecer prazo para a implantação de fato, considerando a extensão do território nacional. Na verdade, as primeiras discussões em torno da inserção da Genética Médica no SUS começaram em meados de 2001. Na época, o Ministério da Saúde criou a Comissão de Acesso e Uso do Genoma, da qual participei. Inicialmente, os debates giravam em torno das perspectivas relacionadas ao sequenciamento do genoma humano, como testes preditivos, terapia gênica e clonagem terapêutica. Durante os encontros, fiquei encarregada de elaborar um relatório sobre a realidade da Genética Médica no Brasil. Quando apresentei os dados, meus pares ficaram surpresos e perceberam que essa especialidade deveria merecer maior cuidado. Entretanto, por conta de decisões internas e das trocas de ministro, o processo ficou paralisado por algum tempo. Em 2004, foi constituído o Grupo de Trabalho para a elaboração da política e agora, com a publicação da portaria, é preciso definir onde e de que forma os serviços e os centros de referência serão criados e qual a estrutura que terão. Não é uma tarefa fácil, mas é fundamental que ela seja executada.

JU – Quais os principais entraves a serem superados?
Antonia Paula – Como sabemos, o Brasil é um país que apresenta extremas desigualdades entre suas regiões. No Sul e Sudeste existem algumas ilhas de excelência que oferecem um bom atendimento na área de saúde, inclusive em genética. O mesmo não acontece no Norte e Nordeste. Ou seja, é preciso pensar em como criar os serviços e centros de referências em locais tão díspares entre si. Também é preciso pensar em como melhorar a infraestrutura dos já existentes e ainda como integrá-los. Precisamos, ainda, ampliar o número de especialistas em genética. Os dados atuais indicam que temos somente 156 profissionais titulados, a maioria concentrada no Sul e Sudeste.

JU – E o que deve ser atacado primeiro?
Antonia Paula - A proposta da política é começar o trabalho pela atenção básica, que será a porta de entrada, e promover sua relação com os serviços especializados, priorizando a prevenção. Ocorre, entretanto, que isso demandaria preparar os profissionais que atuam nessa esfera para reconhecer a natureza genética das doenças com as quais estão lidando. Sem isso, eles não terão condições de encaminhar os pacientes aos especialistas ou tomar as providências iniciais. A tarefa poderia ser desempenhada por vários profissionais de saúde, como o médico do Programa de Saúde da Família (PSF), o pediatra da Atenção Básica, o neurologista, outros especialistas que atuam na média complexidade, ou nas chamadas Policlínicas. Atualmente, entretanto, a maioria dos profissionais da saúde não está preparada para agir dessa forma. Quando o encaminhamento não é feito ou é inadequado, os pacientes normalmente perdem um tempo precioso, visto que enquanto aguardam a avaliação, muitos deixam de se submeter a procedimentos em sua maioria disponíveis na região de origem, os quais poderiam auxiliar não apenas no diagnóstico, mas na prevenção de complicações e nas terapias de suporte. Isso lhes garantiria melhores condições de saúde e qualidade de vida.

Andrea Guerra – Juntamente com essas medidas, outras ações têm que ser desenvolvidas. É fundamental que a população seja devidamente informada sobre o papel do médico geneticista e a respeito das possibilidades reais proporcionadas pela genética. Ainda hoje, as pessoas confundem o geneticista com o ginecologista. Também pensam que o profissional é aquele sujeito que vive enfurnado num laboratório manipulando tubos de ensaio. Até mesmo colegas médicos desconhecem o nosso trabalho. As pessoas entendem imediatamente que o pediatra é médico de criança, mas não fazem ideia de “para que serve o geneticista”.

JU – E para que serve o geneticista?
Andrea Guerra – Primeiro, as pessoas têm que entender que somos médicos como quaisquer outros. No nosso dia-a-dia, trabalhamos com o estetoscópio no pescoço e atendemos os pacientes em consultas. Nós nos valemos de todo arsenal da Medicina, como exames de sangue, imagens etc. Também atendemos todos os tipos de pessoas: homens, mulheres, crianças, pessoas de sexo indefinido, idosos, fetos etc. Esse contingente apresenta problemas de visão, problemas de audição e anomalias congênitas, para ficar em poucos exemplos. Nossa missão, que nem sempre é possível cumprir, é descobrir se essas enfermidades têm origem genética, fazer o diagnóstico e oferecer um prognóstico para o paciente e/ou a família.

JU – Os geneticistas trabalham normalmente com doenças consideradas raras?
Andrea Guerra – Nem sempre. Existem doenças genéticas consideradas mais comuns, e, portanto, mais conhecidas da população. A Síndrome de Down é uma delas. Outras são bem menos comuns. Nosso papel é identificar qual é a doença e de onde ela vem. Repito: nem sempre isso é possível. Com relação à deficiência mental, por exemplo, 40% dos casos são de origem desconhecida pela Medicina. Desde que consigamos responder às duas primeiras perguntas, partimos para outras duas questões – o que o paciente pode esperar para o futuro e qual o prognóstico para a família. Um casal que tem um filho que apresenta uma doença genética, por exemplo, quer saber quais as chances de um segundo filho também apresentar o problema.

JU – Muitas pessoas acreditam que a terapia genética poderá ser a panacéia para todos os males. O que realmente é possível esperar, hoje, dessa especialidade?
Andrea Guerra – Como eu disse, as pessoas podem esperar principalmente por diagnósticos e prognósticos. Eventualmente, quando o assunto é doença metabólica, também é possível esperar por algum auxílio específico terapêutico. Mas em geral, os tratamentos independem da nossa abordagem. Se alguém tem cardiopatia congênita e tiver que se submeter a uma cirurgia, quem cuidará do caso é o cardiologista.

Antonia Paula – A genética mexe com o imaginário das pessoas, e a abordagem feita pela mídia reforça certos aspectos. Quando se fala em genética, as pessoas imediatamente associam o assunto à terapia com células-tronco e à clonagem, como se fosse algo já acessível.  Atualmente, há a possibilidade dos testes preditivos ou mesmo de sequenciar o próprio genoma em busca de genes ‘ruins’, ou seja, de identificar o risco de que possam vir a ter determinada doença no futuro, algo que pode ser útil desde que haja possibilidade de alguma intervenção ou medida preventiva. Quando não há possibilidade dessa abordagem, surge do risco da discriminação, estigmatização, perda da auto-estima, problemas com plano de saúde etc. Enfim, são questões que merecem uma abordagem criteriosa, exigem mais pesquisas e maior compreensão quanto às implicações éticas. Nosso trabalho, como bem disse a doutora Andrea, está voltado às famílias nas quais há risco ou foi diagnosticada uma doença genética. É para elas que vamos oferecer as melhores perspectivas de diagnóstico, orientação e aconselhamento genético.

JU – A Unicamp oferece há bastante tempo, por meio do Hospital das Clínicas (HC), a Genética Clínica aos pacientes do SUS. Como é feito esse serviço?
Andrea Guerra – Somos pioneiros nessa área. A Unicamp oferece esse serviço há 30 anos. Mantemos um serviço de triagem. As pessoas normalmente são encaminhadas pela rede básica. Bebês com até 1 ano são atendidos no mesmo dia. As crianças mais velhas e os adultos fazem agendamento para passar pela triagem. Depois disso, os pacientes devidamente diagnosticados são encaminhados aos ambulatórios específicos, como o de Síndrome de Down, de malformações crânios-faciais, de intersexo etc. Também temos dois ambulatórios gerais voltados à avaliação de pessoas com anomalias congênitas isoladas ou múltiplas e/ou deficiência mental e distúrbios correlatos. Estes lotam muito rapidamente. O tempo de espera por uma consulta, nesse último caso, pode demorar mais de ano, visto que não temos estrutura para atender à demanda existente. Também não temos condições de atender um número grande de pessoas no mesmo dia, visto que as consultas levam mais de uma hora. Nesse prazo, nós entrevistamos o paciente, perguntamos sobre sua vida e sobre a família. É um trabalho extremamente minucioso.

 
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