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Programa escolar é tema de pesquisa na FE

Psicóloga avalia práticas pedagógicas de escola da  rede pública de ensino

CARMO GALLO NETTO

Alunos em escola da rede pública de ensino na região de Campinas: pesquisadores analisam fracasso escolar (Foto: Antonio Scarpinetti)Alunos que passam sem saber motivaram a psicóloga Marisa de Fátima Sirino e seu orientador, professor Sergio Antônio da Silva Leite, da Faculdade de Educação da Unicamp (FE), a realizar pesquisa em uma escola pública estadual de Ensino Fundamental do Ciclo I. Segundo os autores, a investigação teve como objetivo descrever e analisar os atuais processos de exclusão intraescolar e, desta forma: ampliar o conhecimento sobre o problema; compreender e apreender como as práticas, ações, representações e fazeres cotidianos têm reforçado e legitimado mecanismos de exclusão; e ainda, desvelar as novas e velhas formas que o fracasso escolar está assumindo em nossas escolas.

O resultado foi a tese de doutorado denominada “Processos de Exclusão Intraescolar: os alunos que passam sem saber”, alusão ao grande contingente de alunos que, embora permaneçam na escola, não têm o aprendizado garantido. Para a realização do trabalho, que se baseou na investigação do cotidiano da escola, optaram pela pesquisa do tipo etnográfico, que permite uma apreensão mais densa desse cotidiano.

A questão do fracasso escolar existe há décadas e está relacionada ao aluno repetente ou que se evade da escola. Até aproximadamente os anos 50 do século passado, ele não era encarado mais seriamente, mesmo porque cerca de 50% das crianças eram analfabetas, pois não tinham acesso à escola. A partir dos anos 60,  implantou-se no país uma política que produziu a denominada democratização do ensino, época em que a rede pública apresentou um grande aumento no número de escolas. No entanto, o fracasso escolar assumiu proporções alarmantes, com índices de repetência e evasão que passaram a preocupar, porque boa parte das crianças não chegava a terminar a primeira série dos respectivos ciclos. Os principais pontos de estrangulamento da rede eram as passagens da primeira para a segunda e da quinta para a sexta série.

No final dos anos 90, o Estado, respondendo às pressões econômicas e sociais, adotou políticas que considerava mais democratizantes e, tentando manter os alunos na escola, introduziu a denominada Progressão Continuada. Em vigor desde 1998, ela estabelece um sistema contínuo de avaliação e reforço, aplicado este último em classes e horários especiais para o aluno que apresenta aprendizado insuficiente durante o período regular de aula.  No Estado de São Paulo, a Progressão Continuada foi implantada em dois ciclos. O Ciclo I abrange as quatro primeiras séries do Ensino Fundamental e o II, as quatro séries seguintes, passando o aluno a ser efetivamente avaliado para efeito de promoção ao final de cada um deles.

Com a implantação da Progressão Continuada, os altos índices de evasão e repetência, até então indicadores de fracasso escolar na rede pública de ensino, diminuíram significativamente, mas passou-se a ouvir o coro de educadores, de pais, da mídia e até de alunos de que, embora esses continuem na escola, muitos chegam às séries finais dos ciclos sem os conhecimentos básicos de leitura e escrita. Mesmo assim, poucos são efetivamente reprovados. Surgiu, assim, segundo os pesquisadores, um novo subproduto do fracasso escolar: os alunos que passam sem saber.

Entrevistas
Para a realização do estudo, esclarece Marisa, “acompanhamos o cotidiano da escola pelo período de um ano letivo, realizando observações nas salas de aulas, nas aulas de reforços, nas reuniões de conselho de classes, nas reuniões de pais e em outros espaços e eventos da escola, realizando também entrevistas com professores e alunos”.

Com base nos dados, ela estabeleceu três vertentes de análise: uma ligada às praticas pedagógicas – em que se deteve nas atividades de sala de aula e na avaliação realizada pelos professores; outra referente ao reforço escolar; e uma terceira que se concentrou no conselho de classe. Todas elas revelaram, de acordo com a pesquisadora, a persistência de mecanismos excludentes no interior da escola.

A escola, de acordo com a pesquisa, continua “desinteressante e desestimulante”. Segundo seus autores, na sala de aula predominam práticas de ensino tradicionais, calcadas na cópia, na repetição e na memorização. A inadequação das práticas desenvolvidas e os tipos de relações estabelecidas entre os agentes envolvidos tornam o processo educacional conturbado, criam obstáculos à aprendizagem do aluno e à pratica do professor, e não raro geram no aluno aversão aos conteúdos escolares.

Muitas vezes, essa reação é interpretada pelos professores como falta de esforço pessoal e desinteresse do aluno e leva a intensificar a exclusão, com o aprofundamento das diferenças entre o estudante que não sabe e não aprende e o considerado bom aluno. A conseqüência mais séria, segundo Marisa, é que grande parte desses excluídos acredita realmente que não consegue aprender.

Sergio Leite acrescenta que a escola, historicamente, acaba culpando o aluno como o responsável por não aprender. “No passado, atribuía-se o fato ao sistema nervoso, a problemas neurológicos. Como as pesquisas mostraram que não é bem assim, hoje o discurso tornou-se mais sofisticado. Justifica-se o fracasso escolar atribuindo-o à pobreza da família, ao seu desajuste, à falta de participação dos pais, ou seja, saiu-se de uma visão, digamos, biológica para uma visão sociológica. Porém, dificilmente a escola se revê. Na realidade, ela trata todos os alunos do mesmo jeito e não se responsabiliza por eles”.

Por outro lado, as avaliações informais, que incidem sobre os comportamentos e atitudes dos alunos, sobrepõem-se às avaliações formais, baseadas em provas e atividades, expondo a predominância de uma avaliação  de caráter inteiramente subjetivo. A pesquisadora constata, por exemplo, que o aluno pode ser encaminhado ao reforço por falta de aprendizado ou mau comportamento. Assim, alunos que não apresentam problemas de aprendizagem são encaminhados para o reforço por não apresentarem comportamentos ou atitudes considerados adequados para a sala de aula regular, quando o critério, diz ela, deveria ser a dificuldade que o estudante encontra no aprendizado.

Ainda com relação à avaliação, um dos problemas levantados é a intolerância em relação ao erro. “A prática revela uma incongruência, pois, embora o aluno esteja aprendendo, não tem direito de errar”, afirma Marisa. “Essa atitude gera o medo e não estimula o aluno a elaborar novas formas de pensar, o bloqueia e o leva a se desvencilhar de certas atividades porque tem medo. Ele tem medo de errar e ser punido”.

Quanto à Progressão Continuada, a pesquisadora observou que as concepções de ensino, aprendizagem e avaliação não sofreram modificações com a sua vigência. Ela destaca vários problemas, entre os quais aqueles referentes ao reforço escolar: nas aulas, os alunos têm repetidas as mesmas matérias, da mesma forma que nas aulas regulares, sem que se utilizem outros recursos; o tempo de reforço é curto e se estende apenas por 50 minutos, três vezes por semana, e em seqüência às aulas regulares do dia, quando o aluno já está cansado e com fome; o professor, que em geral é outro, nem sempre tem facilidade para trabalhar com esses alunos e não há troca de informações entre o professor das aulas regulares e o encarregado do reforço. Embora utilize um material encaminhado pela Diretoria de Ensino, esse professor recebe, segundo a pesquisadora, pouca orientação e precisa se virar, criando estratégias para dar conta desse trabalho. “Muitos deles reconhecem que não conseguem”.

Marisa constata também que no cotidiano escolar, tanto nas salas de aulas quanto nas reuniões de conselhos de classe, persistem as explicações determinísticas sobre o fracasso escolar, pois a culpa ou incompetência é imputada ao aluno ou às suas famílias, consideradas desestruturadas ou sem condições de dar ao filho o apoio escolar necessário devido à pobreza em que vivem.

Sergio Leite afirma que o reforço escolar e o conselho de classe, mecanismos teoricamente criados para incluir, têm-se constituído em expedientes burocratizados e realizados para cumprir as exigências das normas escolares. “Eles funcionam como elementos de dupla exclusão, pois validam e reforçam as ideias e preconceitos, construídos no cotidiano das salas de aula regular em relação aos alunos que apresentam problemas escolares”.

Leite avalia que a Progressão Continuada, quando bem aplicada, pode ser um importante instrumento de democratização da escola. Porém, afirma o docente, ela foi aplicada da “pior forma possível”, através da imposição, por lei, não sendo objeto de discussão prévia com os educadores da própria rede. “Foi um caos”, argumenta. Na opinião do docente, isso gerou outro tipo de fracasso escolar, camuflado, em que o aluno progride na sua escolarização, mas não aprende, já que os mecanismos criados para fazê-lo progredir na verdade não produzem os resultados esperados. “Podemos afirmar hoje que o fracasso escolar ocorre em grande parte devido aos mecanismos intraescolares. E isso afeta principalmente as crianças pobres, porque as práticas pedagógicas não são adequadas para elas, que frequentemente apresentam defasagens e carências em termos de conhecimento. O reforço escolar e o conselho de classes na verdade não cumprem seus papeis com essas crianças”.

Lupa
O docente entende que esses mecanismos funcionariam se bem planejados e aplicados coletivamente pela equipe escolar. Considera que o trabalho realizado por Marisa funcionou como uma lupa dentro da escola, permitindo observar o seu dia-a-dia e determinar porque os processos oficialmente adotados não cumprem suas funções. Mas destaca: “Há escolas que conseguiram implantar de forma adequada o reforço escolar, e eu conheço varias delas, que efetivamente mudaram. Geralmente é o mesmo professor que permanece mais tempo com esses alunos e que é orientado para buscar outras estratégias pedagógicas, e diversificando o trabalho, consegue atender, em classes menores, as dificuldades mais específicas dos alunos”.

O orientador do estudo conclui que o reforço, quando bem feito, pode se constituir em um instrumento eficaz para o aprendizado do aluno. “Mas a pesquisa sugere que a  realidade das escolas não é essa e esse mecanismo acaba reforçando o fracasso”, pondera.

Na opinião do especialista, a escola pública apresenta sérios problemas de gestão, pois em geral não mantém um trabalho coletivo de coordenação pedagógica bem feita. “As pessoas atuam individualmente, raramente se reúnem, não conversam. E há vários fatores contribuindo para isso. Um dos desafios históricos que a escola tem é o de superar o individualismo”, argumenta Leite, embora admita que construir uma cultura em que a educação seja vista como um trabalho coletivo não seja fácil.

Para Marisa, já se sabia que a escola não mudaria de um dia para o outro e que os processos de exclusão estavam lá, por isso era necessário torná-los evidentes, demonstrando como ocorrem no dia-a-dia da escola. A autora da investigação afirma que a escola alterou sua forma de funcionamento, mas continuou excludente. “Ela é o produto concreto de uma sociedade que é também excludente”.

 
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