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Investigações desenvolvidas na FCM abrem
perspectivas para o tratamento da artrose, hérnia e lesões


Pesquisadores transformam
células-tronco
de cordão
em células que formam cartilagem

EDIMILSON MONTALTI

Especial para o JU

A pesquisadora Cristiane Sampaio de Mara: processo de padronização da metodologia foi complexo (Foto: Antoninho Perri)Pesquisa desenvolvida no Laboratório de Biologia Molecular em Cartilagem da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp conseguiu diferenciar, a partir de células-tronco do sangue do cordão umbilical, as células responsáveis pela formação da cartilagem. A pesquisa, coordenada pelo médico reumatologista e professor do Departamento de Clínica Médica da FCM Ibsen Bellini Coimbra, abre novas perspectivas para o tratamento da artrose, hérnia de disco e lesões em atletas.

A artrose ou osteoartrite é uma insuficiência nas articulações dos joelhos, quadris, mãos, coluna e ombros. Ela atinge, geralmente, a população de terceira idade. Cerca de 85% dos pacientes têm mais de 60 anos. É uma doença crônica que exige diversas abordagens terapêuticas, desde estudos de biomecânica até cirurgias com colocação de próteses.

Em 2002, com a criação do Laboratório de Biologia Molecular em Cartilagem, pesquisadores começaram a estudar os condrócitos, células que compõem a cartilagem. Para isso, os cientistas começaram a analisar a influência das diferentes citocinas presentes no sangue de pacientes com artrose para entender como esses fatores atuavam nas células. As citocinas são proteínas que modulam a função de outras células – ou da própria célula que as geraram. Esta foi a primeira linha de pesquisa do Laboratório.

O professor e médico reumatologista Ibsen Bellini Coimbra, coordenador das pesquisas: resultados preliminares indicam que células viram condrócitos (Foto: Antoninho Perri)“A artrose é uma doença sem nenhum tratamento específico que modifique sua evolução. Por isso, diversas pesquisas no Brasil e no Exterior buscam entender o funcionamento das células para desenvolver novos tratamentos”, observa Ibsen.

Os pesquisadores começaram então a estudar as células mesenquimais presentes no sangue do cordão umbilical e no periósteo, uma membrana que envolve os ossos. As células mesenquimais são derivação de células-tronco que podem se transformar em músculos, ossos, gordura e até cartilagem.

“As células mesenquimais sofrem o primeiro estágio de diferenciação celular. Elas podem se diferenciar em condrócitos, por exemplo, que são as células responsáveis por gerar a cartilagem das articulações”, explicou o docente da FCM. As células mesenquimais existem, também, em abundância no sangue do cordão umbilical de recém-nascidos.

Em 2005, o CPNq lançou o edital de biotecnologia para pesquisas com células-tronco de cordão umbilical. A pesquisadora e doutoranda Cristiane Sampaio de Mara se interessou em estudar a diferenciação das células mesenquimais de cordão umbilical em condrócitos. “O edital teve vários concorrentes. Foram aprovados 42 projetos de todo o país. A pesquisa da Cristiane foi uma delas. Em 2005, decidimos criar uma segunda linha de pesquisa no Laboratório, que consiste exatamente em transformar as células-tronco de cordão umbilical em condrócitos”, esclareceu o orientador do trabalho.

Padronização – O processo para a utilização das células-tronco de cordão umbilical é bastante complexo. Para a padronização da metodologia, foram utilizados, de acordo com Cristiane, mais de 30 cordões retirados do centro obstétrico do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Unicamp e do Hospital e Maternidade de Campinas. A pesquisadora esperava a paciente dar à luz, colhia o sangue do cordão umbilical no centro obstétrico e o transportava numa bolsa própria. No Laboratório, iniciava o processo de separação das células mononucleadas, das células vermelhas, e a seguir selecionava as células mesenquimais.

No começo da pesquisa, relatou Cristiane, não havia na literatura um marcador específico para as células mesenquimais. A maior parte dos pesquisadores usavam o critério de aderência para chegar a esse resultado. Os cientistas pegavam todas as células do sangue que haviam separado do cordão umbilical e as colocavam numa garrafa com um meio de cultura. As células que aderissem no fundo da garrafa eram consideradas células mesenquimais. Com o passar do tempo, alguns marcadores específicos dessas células foram elucidados e padronizados. A equipe, que contou com a colaboração da aluna de doutorado Adriana da Silva Santos Duarte, do Laboratório de Biologia Molecular e Celular do Hemocentro, conseguiu marcar e identificar as células mesenquimais.

Isso possibilitou que os pesquisadores do Laboratório de Biologia Molecular em Cartilagem submetessem essas células a um sistema de cultura denominado micromass. O sistema consiste em colocar uma grande quantidade de células-tronco juntas em cultura e submetê-las a um estresse para liberarem alguns elementos. Desta forma, elas se transformam em condrócitos.

“Estamos simulando in vitro um modelo no qual as células vão se diferenciando nos diversos tecidos, sendo um deles a cartilagem”, explicou Cristiane. Após o estímulo das células-tronco para sua diferenciação, a pesquisadora extrai o RNA dessas células e avalia se elas expressam os genes que são típicos dos condrócitos.

“Procuramos a seqüência de genes que produz colágeno do tipo II. Se ela está presente, as células mesenquimais se transformam em condrócitos”, explicou a pesquisadora. Cristiane está, atualmente, no estágio de testar quanto tempo leva para haver a modificação. De acordo com Ibsen, ainda há algumas interferências no processo que serão resolvidas em breve.

“Já temos resultados preliminares mostrando que nós estamos conseguindo fazer com que essas células virem condrócitos. Assim que a Cristiane conseguir tirar essa ‘sujeira’, que parece ser uma interferência de DNA genômico, uma coisa absolutamente técnica, nós vamos demonstrar que já temos essas células”, concluiu Ibsen. A apresentação da pesquisa está marcada para o dia 7 de maio, às 9 da manhã, no auditório da FCM, durante a 2ª Semana da Pesquisa da FCM.

Futuro – Ibsen é muito cauteloso quanto às previsões sobre o uso imediato das células-tronco. O próximo passo da pesquisa será o estudo clínico para a sua aplicação no reparo da artrose. A idéia é induzir a doença em camundongos e tratar da lesão com a implantação das células-tronco de seres humanos nesse tipo de vetor biológico.

“Se não houver rejeição, daqui a algum tempo poderemos usar células-tronco assim como se faz um transplante renal. Nós transplantaremos as células-tronco de uma pessoa para outra”, esclareceu Ibsen.

Na opinião do médico, os atletas serão os mais beneficiados com a nova terapia, num primeiro momento. Por exemplo, no caso de lesão da cartilagem dos joelhos que afetam os jogadores de futebol, o cirurgião poderá colocar um “curativo” feito com os condrócitos. “Talvez isso seja possível daqui a uns cinco anos. Mas isso é futurologia”, concluiu Ibsen.

Comitê avalia pesquisas

O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp recebe, mensalmente, 90 projetos de pesquisa envolvendo seres humanos. O CEP avalia desde o recrutamento de voluntários até pesquisas – e seus resultados – em todas as áreas do conhecimento.

Criado em 1996 pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), o CEP é composto por um colegiado interdisciplinar e independente de profissionais que representam a sociedade. Sua principal função é garantir os direitos e a dignidade dos voluntários das pesquisas, conforme resoluções do CNS. É garantido, por exemplo, o recrutamento de indivíduos de todas as etnias e a liberdade de participação em qualquer procedimento de uma pesquisa, seja uma entrevista ou o uso de um novo medicamento.

Além de pesquisas desenvolvidas no campus, o CEP analisa projetos de instituições do Rio de Janeiro, Goiânia e de pesquisadores de outros Estados, encaminhados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Em entrevista ao Jornal da Unicamp, a coordenadora do CEP, a geneticista Carmen Silvia Bertuzzo, fala sobre as questões éticas que envolvem as pesquisas com células-tronco.

 A geneticista Carmen Silvia Bertuzzo, coordenadora do CEP: "Ainda estamos engatinhando" (Foto: Antoninho Perri)Jornal da Unicamp– Por que as pesquisa com células-tronco geram tanta polêmica?

Carmen Silvia Bertuzzo – A pesquisa com células-tronco tem levantado dois tipos de polêmica. A primeira é a de divulgá-la como já sendo uma via terapêutica, capaz de curar doenças. Na verdade, isso ainda não acontece. Há muitas coisas obscuras que precisam ser investigadas. Infelizmente, tem sido divulgado que as células-tronco são uma grande revolução científica e a solução para vários problemas. Não estamos nesse ponto. Ainda estamos na pesquisa básica, engatinhando.

O segundo ponto polêmico é a divisão das células-tronco em dois grandes grupos: as células-tronco de adultos e as células-tronco embrionárias.

JU – Por que a divisão é controversa?

Carmen – As células-tronco de adultos não trazem grandes problemas éticos em relação ao seu uso, pois elas estão presentes, por exemplo, no sangue de cordão umbilical, que é jogado fora. Ele é riquíssimo em células-tronco. Temos, no Hemocentro da Unicamp, um Banco de Sangue de Cordão Umbilical que fornece material para algumas pesquisas que são desenvolvidas na Universidade.

Já as células-tronco embrionárias geram polêmica porque, para utilizá-las, é preciso destruir o embrião. E aí entra o aspecto religioso, que gera muita discussão.

JU – Em que medida este componente religioso exerce influência?

Carmen – Mesmo com o consentimento do casal para a utilização dos embriões congelados, a pergunta que todos fazem é: “Quando se inicia a vida?” No caso dos países católicos, acredita-se que a vida se inicia logo na fecundação. Outros grupos acreditam que a vida começa lá pela vigésima quarta semana de gestação.

JU – A ciência já tem uma resposta para isso?

Carmen – Não, não tem. Não há nada científico que comprove quando o embrião passa a ter vida. Cada grupo escolhe o parâmetro a ser usado.

JU – Existem muitas pessoas que querem ser voluntárias em pesquisas com células-tronco adultas. Como é feita essa seleção?

Carmen – Dentro do projeto, o pesquisador define os critérios de inclusão e de exclusão dos indivíduos. O pesquisador é responsável por avaliar esse paciente e ver se ele se encaixa nos critérios para poder participar da pesquisa. O CEP analisa, por exemplo, se o indivíduo está bem informado sobre a pesquisa e os riscos que corre, bem como os benefícios de sua participação.

JU – Como é feita a divulgação do recrutamento?

Carmen – Normalmente pela internet, na página da FCM, ou por meio de cartazes espalhados pelo campus.

JU – Dá para estimar em quanto tempo surgirão resultados mais concretos das pesquisas desenvolvidas nessa área?

Carmen – É difícil fazer uma estimativa nesse sentido, porque tudo depende de como as coisas andam, principalmente no que diz respeito aos investimentos. Em 1980, por exemplo, quando se começou a falar em terapia gênica, a estimativa era de cinco anos para substituir um gene defeituoso por outro. Já se passaram mais de 20 anos e ainda estamos pesquisando. No caso das células-tronco adultas, talvez nos próximos dez anos tenhamos alguma coisa estabelecida, pois o Brasil está bem situado no cenário internacional.

JU – O Supremo Tribunal Federal está para decidir se aprova ou proíbe as pesquisas com células-tronco embrionárias. A senhora acredita que elas serão aprovadas?

Carmen – De acordo com os profissionais que trabalham com reprodução humana na Unicamp, depois de três anos congelados os embriões se tornam menos viáveis. Mesmo que eles retornem ao útero materno, esses embriões têm pouca chance de se desenvolver. Por isso, acho que o Supremo irá manter a decisão do Congresso Nacional e liberar as pesquisas com células-tronco embrionárias.

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