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A idéia de um Instituto de Matemática numa cidade do
interior, vista como descabida, enfrentou forte resistência

A pioneira criação do
instituto onde se fala a
linguagem universal da ciência

LUIZ SUGIMOTO

O professor Rubens Murillo Marques, hoje na Fundação Carlos Chagas: autor da idéia, foi o escolhido para coordenar a implantação do Instituto de Matemática (Fotos: Acervo Histórico do Arquivo Central (Siarq)/Antoninho Perri)No Brasil de 40 anos atrás, cogitar a criação de um instituto de matemática e estatística parecia idéia descabida, quanto mais em uma cidade do interior. Não havia clima nem perspectiva para a carreira de matemática e a estatística nem existia como carreira. Ainda assim, quando Rubens Murillo Marques, em meados dos 60, propôs a criação desse instituto na Unicamp, não percebeu em Zeferino Vaz qualquer reação de espanto; ao contrário, ouviu mais uma das máximas do reitor: “A matemática é a linguagem universal da ciência!”. Zeferino era mesmo um entusiasta, que fazia uso da matemática e de estatísticas na veterinária, e que tratou imediatamente de viabilizar o ousado projeto.

A estatística nem carreira era e ainda vieram com um curso de computação

Murillo Marques, bacharel em física que praticamente não freqüentou esta área, escolheu o Departamento de Estatística da Faculdade de Higiene e Saúde Pública para iniciar sua trajetória como professor, tornando-se provavelmente (ele não está certo) o mais jovem livre-docente da USP, aos 27 anos de idade. Foi por sua especialização que Zeferino o convidou para a cadeira de estatística da Faculdade de Medicina de Campinas. Autor da idéia, Marques foi naturalmente escolhido para cuidar da implantação do Instituto de Matemática, missão que elegeu como um sonho, a ponto de abandonar atividades que ainda mantinha na USP.

O Conselho Estadual de Educação autorizou a instalação e funcionamento da Matemática em 19 de dezembro de 1966, na mesma resolução que contemplou os Institutos de Biologia, Física e Química – a estruturação inicial da Unicamp se deu a partir dos chamados institutos centrais. A proposta que então germinava era de montagem de um ciclo básico, em que todos os alunos cursariam dois anos em comum, e somente depois, conhecendo um pouco mais as diversas áreas, decidiriam que especialidade seguir.

O professor Imre Simon: um dos pioneiros que compactuaram do ideal O Instituto de Matemática começou a funcionar em 1968, oferecendo o primeiro curso de estatística do Estado de São Paulo. Três alunos cumpriram o ciclo básico pela Faculdade de Ciências e optaram pela estatística: Eugênia Maria Reginato, Heloisa Bonvino e Vera Lúcia Richter Ferreira Camargo, formados em 1973.

Montar a unidade foi tarefa árdua. Além de enfrentar o descrédito, Murillo Marques teve de convencer matemáticos de São Paulo a compactuarem com seu ideal, trazendo pioneiros como Ângelo Barone Netto, Mauro de Oliveira César, Imre Simon e Pedro Luís de Oliveira Costa Neto. A infra-estrutura era tão modesta que os professores, embora fossem meia dúzia, viam-se impossibilitado ao mesmo tempo na sala de que dispunham. As primeiras aulas no canavial onde se plantava o campus ocorreram no atual prédio da Diretoria Geral de Administração. Depois, a Matemática funcionaria onde está o Instituto de Física.

João Frederico da Costa Azevedo Meyer, ou simplesmente Joni, que cursou o básico no antigo prédio do Colégio Bento Quirino, orgulha-se das aulas que teve com as melhores cabeças da época: cálculo com Murillo Marques, exercícios com Eduardo Sebastiani, geometria analítica com Paulo Boulos, química com Petragnani e Giuseppe Cilento, estatística com Paulo Bravo. Sim: na Matemática também se ensinava humanas, sociologia e sociologia industrial. No terceiro ano, às segundas-feiras, Joni contava com a carona do professor Mauro de Oliveira César, pois somente dois ônibus serviam o campus – um de manhã e outro no final da tarde, desde que não chovesse. A “turma” de formandos de 1970 tem Joni e Ivan Resina. Joni é o atual diretor do Imecc.

O professor Newton da Costa, que agora vive em Florianópolis: impressionado com o crescimento do ImeccComputação – Quem julgou que já testemunhara o limite da ousadia, teve novo sobressalto com a implantação do curso de ciência da computação, ainda em 68. Entre a apresentação da idéia e elaboração do projeto por Murillo Marques, até a aprovação do Conselho de Educação por conta da articulação de Zeferino Vaz, transcorreu o prazo de apenas uma semana. Marques e o professor Tomasz Komaltowski já contaram o que foi o alvoroço, na edição 266 do Jornal da Unicamp, quando dos 35 anos do Instituto de Computação. Departamento até tornar-se unidade independente em 1996, o IC não pode ter sua história dissociada, por exemplo, do primeiro computador adquirido pela Unicamp, o IBM-1130, objeto de cobiça e de entrevero com o diretor da Engenharia e general de brigada José Fonseca Valverde, que se apossou do equipamento por julgá-lo de segurança nacional.

Os mandos e desmandos do general Valverde, que se julgava um representante do governo militar dentro da Universidade, vêm sendo lembrados de maneira muito mais rica e divertida nos capítulos de O Mandarim – Uma história da infância da Unicamp, que o JU publica semanalmente. Ao invés dos entreveros com o general, Murillo Marques preserva mais na memória a sua atuação como presidente da Câmara Curricular, órgão por ele proposto para revolucionar a estrutura didática. Ali surgiram os primeiros cursos semestrais no Brasil, com um sistema de créditos e a possibilidade de realizar a matrícula por computador. Marques agradece ao professor Cláudio Lucchesi por virar noites para rodar tanta informação em máquina com a memória de um laptop.

O belo interior do prédio do Imecc, hoje, com suas centenas de alunos:  faceta do Brasil que progrideVoto de minerva – Mudar a política didática da Universidade, porém, foi outra batalha árdua. Menos por resistência e mais por omissão. Murillo Marques promoveu uma primeira reunião para apresentar seu plano de reestruturação aos diretores, com o compromisso de que se reencontrassem em um mês, para discussão e votação. Dois ou três representantes se abstiveram de votar, o que gerou um empate. Considerando inadmissível que um diretor de unidade não tivesse opinião sobre tema tão relevante, Marques deu seu voto de minerva contra o próprio projeto, entregando a Zeferino o pedido de demissão. Zeferino assumiu as rédeas, convocou novamente a Câmara, discutiu com os diretores e depois chamou Marques de volta à presidência: o projeto havia sido aprovado por unanimidade.

O plano passou a vingar na matrícula de 1968. Aquele vestibular, a propósito, também foi envolto em suspense. Para organizar o exame, Murillo Marques ofereceu os serviços sem ônus da Fundação Carlos Chagas, organização que ele criou e que até hoje responde por outros vestibulares e concursos públicos e de empresas. As provas, que seriam distribuídas aos candidatos no domingo, já estavam impressas e guardadas na sede do Banco do Brasil em Campinas, quando um juiz de Ourinhos, no sábado, expediu notificação suspendendo a aplicação do vestibular pela Fundação.

Seguiu-se um corre-corre alimentado pelos telefonemas trocados por Marques, o professor Isaías Raw, então presidente da Fundação Carlos Chagas, e Pérsio Rebouças, procurador da Universidade. O secretário estadual de Educação, Ulhôa Cintra, foi chamado a interceder e reservou um trem de passageiros para transportar os vestibulandos até um local de exames cedido pela USP. Felizmente, perto da meia noite, o procurador Rebouças localizou numa festa o presidente do Tribunal de Justiça, que cassou a liminar face à incoerência da justificativa. A pedido de suspensão partira do general Valverde, que invocava para a Engenharia o privilégio de organizar o primeiro vestibular da Unicamp.

Zeferino, tendo à esquerda o prefeito Francisco Amaral e à direita o reitor da PUC de Campinas Benedito Barreto Fonseca.Ambigüidades – Dizia-se que Zeferino Vaz aturava Valverde apenas porque lhe convinha, naqueles anos de chumbo. Era ambígua, de fato, a relação que o fundador da Unicamp mantinha com o regime militar. Esta ambigüidade é mostrada em O Mandarim, como por exemplo, no capítulo sobre o périplo de Zeferino para libertar Murillo Marques da prisão – acusado de hospedar um casal envolvido na luta armada. (Mesmo antes de julgado e absolvido, o professor se demitiu da direção do Imecc para proteger a imagem da unidade, mas manteve-se na Estatística e na presidência da Comissão Curricular). Outro capítulo conta como Zeferino, ao se convencer de que Valverde queria desestabilizá-lo, arquitetou meticulosamente a defenestração do general. O reitor veterinário tinha outra máxima: “Se me derem uma rasteira, que seja mesmo para me derrubar. Se eu puser as quatro patas no chão, sai de trás”.

O professor Newton da Costa, diretor associado do Instituto de Matemática em 1968 e 69, mantinha distância do imbróglio político, pois na época não se falava nem com as paredes, muito menos com generais de brigada. Mas ele reconhece um mérito do regime que detestava: foram os militares que instituíram sistematicamente a pós-graduação no Brasil.

Motivos pessoais levaram Newton da Costa a sair da Unicamp para a USP, mas depois ele voltou como professor convidado pelo Departamento de Filosofia, atuando no Centro de Lógica e Epistemologia. A cada dois ou três anos, quando deixa Florianópolis para vir visitar os amigos, sempre se impressiona diante da imponência do prédio do Imecc e das centenas de alunos, muitos realizando pesquisas de ponta, em comparação aos vinte que ouviam suas aulas e cujo destino (praticamente único) era o de se tornarem professores de matemática. E hoje o professor de matemática se pergunta: que estranho país é este, com tantos aspectos desastrosos, mas que em outros o progresso é evidente?

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