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Pesquisa mostra como se comporta
juventude de cidade mineira de 15 mil habitantes

Tese desnuda sexualidade
de jovens do universo rural

MANUEL ALVES FILHO

A cientista social Vanda Aparecida da Silva: "De maneira geral, todos estão descobrindo que há o tempo  de ser jovem" (Foto: Neldo Cantanti)Ao longo dos últimos quatro anos, a cientista social Vanda Aparecida da Silva, cumpriu inúmeras vezes o trajeto que separa Campinas de Rosário das Almas, cidade rural de 15 mil habitantes localizada no Vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais. Lá, ela entrevistou adultos e jovens na faixa dos 14 aos 19 anos, com o objetivo de compreender melhor o universo destes últimos, cuja experiência de vida se dá entre os contextos rural e urbano. Ao final do trabalho, a pesquisadora concluiu que a sexualidade é o principal foco de tensão no âmbito das relações de educação formal, não-formal e familiar desses rapazes e moças. "A questão está presente em várias situações, como no namoro, na gravidez e até mesmo na convivência entre pais e filhos", explica.

Sexualidade é o principal foco de tensão

O estudo conduzido por Vanda, que também é pesquisadora do Centro de Pesquisas Rurais (Ceres), transformou-se na sua tese de doutoramento, apresentada recentemente no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, sob orientação da professora Emília Pietrafesa de Godoi e co-orientação da professora Neusa Maria Mendes de Gusmão. A partir da constatação de que as representações sexuais tinham uma importância central na vida dos jovens de Rosário das Almas, a cientista social procurou investigar como elas orientavam suas relações, produzindo inclusive transformações nos valores das famílias locais. A pesquisadora conta que teve que negociar muito com os adultos para poder realizar as entrevistas com os jovens sem maiores constrangimentos.

Isso ocorreu por causa da desconfiança dos pais. Embora não sejam tão velhos, eles são os detentores da memória e da história da cidade. Acostumados a serem procurados para falar, por exemplo, da tradição religiosa de Rosário das Almas, eles não entendiam o que a pesquisadora queria com seus filhos. "Muitos deles me perguntaram qual o motivo do meu interesse nos jovens, uma vez que eles "não têm nada na cabeça", relata Vanda. De certo modo, a autora da tese de doutorado teve de fazer uma desconstrução da imagem desses personagens. Nos estudos clássicos do mundo rural, o jovem aparece apenas como o filho do agricultor e não como sujeito da história. "O que eu fiz foi minimizar a autoridade dos pais, entre aspas, para trazer os jovens à cena", explica.

Em Rosário das Almas, prossegue a pesquisadora, a fronteira entre o rural e o urbano é bem estreita e é difícil fazer distinções. Embora conte com cerca de 40 comunidades rurais, a cidade tem uma sede, onde moram pouco menos de 20% da população local. Vários agricultores mantêm casas na área urbana, para onde se dirigem com a família no período da seca, de festas ou aos finais de semana. Além disso, no contexto em que agricultura familiar passa por crises, muitas famílias já não conseguem tirar o sustento da terra. Em Rosário das Almas ocorre ainda o agravamento da situação por causa da seca, o que obriga os jovens a deixarem o município e migrarem para outros estados em busca de trabalho temporário. A saída da casa dos pais representa uma espécie de ritual de passagem, notadamente para os rapazes.

A experiência adquirida nessas viagens, conforme Vanda, produz transformações no comportamento dos jovens e, conseqüentemente, na relação deles com seus pares e familiares. Segundo a cientista social, a diversidade juvenil é tão vasta no ambiente rural quanto no urbano. Em Rosário das Almas, por exemplo, existem grupos que podem ser identificados, entre outros fatores, pelo grau de escolaridade ou pela filiação. Nas andanças pela cidade, a pesquisadora contabilizou perto de 30 jovens fazendo o curso superior. O contato com a faculdade, afirma, ajuda a ampliar a visão de mundo de rapazes e moças. Estes normalmente demoram a assumir o casamento ou "amigamento", como chamam a união estável, ao contrário daqueles cujo nível de escolaridade é inferior.

A coabitação, diz Vanda, é uma forma comum de união, principalmente entre os que estão nas comunidades rurais. O que ocorre com freqüência – quando têm pressa e pouca condição financeira – é o "amigamento" entre meninas de 14 ou 15 anos com rapazes um pouco mais velhos, mas nem tanto. A gravidez precoce, nesse caso, é extremamente comum. No lugar de ser um problema, ela é encarada com naturalidade e como uma estratégia de aliança e de status da condição adulta entre as moças. "Foi difícil encontrar uma menina que fosse mãe solteira. As que encontrei tinham um companheiro", revela a especialista. "Para as jovens com baixa escolaridade, o casamento passa a ser o projeto de vida mais comum", acrescenta. Aqui, a cientista social faz um parêntese. De acordo com ela, a construção da masculinidade e feminilidade se dá também em função dos valores culturais. Conforme a compreensão local, no caso dos rapazes, não estudar é um quesito de masculinidade. Afinal, o homem não tem necessidade de ir à escola, ele precisa apenas trabalhar.

Voltando aos focos de tensão, Vanda conta que entre os jovens de Rosário das Almas também ocorrem discriminações. Os que moram na sede tendem a considerar os pares das comunidades rurais atrasados. Os rapazes e moças da área urbana incorporam valores mais citadinos, por assim dizer, como a prática de "ficar". Entretanto, os homens manifestam valores machistas ao difamarem as moças que defendem direito igualitários. Aqui, a cientista social faz um novo destaque. Em seu estudo, ela aborda a questão da fofoca, que é usada pelos moradores de modo geral como um instrumento de coação social. A difamação, sobretudo em relação ao comportamento sexual das mulheres, é uma tentativa de preservar as normas tidas como corretas para o local.

De acordo com Vanda, há as que se submetem ao policiamento, reféns da ação da "fofoca inibidora", mas também existem as que lançam mão de um mecanismo simples para enfrentar as maledicências. "Como algumas moças sabem que serão alvo de fofocas, elas acabam enfrentando a situação e não abdicam de fazer o que querem, desencadeando uma espécie de "fofoca libertadora", com o propósito de minar os muros da moral", diz. Outro ponto analisado na pesquisa, que também mantém algum nível de relação com a questão da sexualidade, e que diz respeito à saúde reprodutiva, é a relação dos jovens com a religiosidade, com o universo mágico. Naquele município rural, assinala a autora do estudo, os moradores mantêm estreito vínculo com parteiras, benzedeiras, raizeiros, pais e mães-de-santo.

Rapazes e moças que já se iniciaram na vida sexual, segundo ela, costumam procurar por essas pessoas quando apresentam ou suspeitam de alguma doença sexualmente transmissível, que não a Aids, ou querem algum aditivo para melhorar o desempenho sexual, além da busca por outros tipos de curas. "Eles se apropriam desses saberes populares de uma forma bem pragmática", afirma a cientista social. Em razão da iniciação sexual precoce, com a conseqüência de uma gravidez indesejada, algumas moças também recorrem a essas figuras para obter chás abortivos. "O peso da religiosidade, em Rosário das Almas, transcende a visão católica e exerce uma forte influência nos valores de feminilidade e maternidade, por exemplo".

As novas experiências dos jovens, continua Vanda, estão causando transformações nas famílias, embora essas sejam mais sutis. Em decorrência da mudança de postura dos rapazes e moças, que buscam diversões noturnas e lazer, os pais têm demonstrado maior tolerância em relação ao comportamento dos filhos. Atualmente, eles têm aceitado o fato de que o jovem tem o direito de viver a juventude. Em outras palavras, além de trabalhar, ele também precisa se divertir e experimentar outros prazeres. "De maneira geral, todos estão descobrindo que há o tempo de ser jovem, mesmo que ainda haja tensões entre as gerações", esclarece a autora da pesquisa, cujo financiamento foi feito pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

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