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O professor João Frederico da Costa Azevedo Meyer,
diretor do IMECC, fala que o bicho-papão é o professor e não a disciplina

Em torno da matemática
e de sua reinvenção




CLAYTON LEVY



O professor João Frederico da Costa Azevedo Meyer, o Joni: "O ensino de matemática se dá através da linguagem, da história, da ciência" (Foto: Antoninho Perri)Quem ouve o entusiasmo com que o professor João Frederico da Costa Azevedo Meyer, o Joni, fala da pesquisa e do ensino em matemática não imagina que durante a adolescência, quando cursava a quarta série do antigo ginásio, em Niterói, ele chegou a “detestar” a disciplina. E a antipatia foi provocada justamente por um professor que o convencera de que ele não servia para estudar a matéria. Mesmo assim, naquele ano, Joni conseguiu tirar uma ótima nota e foi aprovado com louvor. No ano seguinte, ao ingressar no então Colegial, sua opinião sobre a disciplina mudaria radicalmente depois de conhecer a professora Cecília Neves. “Ela me mostrou que eu adorava matemática, mas não sabia”, conta. “Eu achava que detestava a matéria mas no fundo eu não gostava era do professor”, completa.

Joni, que desde 2003 ocupa a direção do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) da Unicamp, cita o seu caso para ilustrar as causas da aversão que muitos estudantes nutrem pela matemática. Para ele, o bicho-papão das escolas é muito mais o professor de matemática do que a matemática em si. Formado na primeira turma do Instituto, em 1970, ele aproveitou o Dia Nacional da Matemática, comemorado na última sexta-feira, para falar sobre a situação do ensino e da pesquisa nessa área do conhecimento no Brasil. Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Jornal da Unicamp.

JU – A matemática sempre foi considerada como o bicho-papão entre as disciplinas escolares. Continua assim?

Joni – Vou me permitir discordar um pouco da pergunta. Minha experiência mostrou que o bicho-papão das escolas é muito mais o professor de matemática do que a matemática em si. Isso porque a matemática é uma atividade inerentemente humana. A gente faz estimativas de peso, de tamanho, quantifica os fenômenos, raciocina, faz deduções, tira conclusões. Isto tudo é naturalmente matemática. Muitas vezes o aluno chega na escola sabendo intuitivamente diversas coisas no campo da matemática, mas nós como professores não sabemos transformar o que ele sabe na formalização do fenômeno.

JU – O problema, então, estaria no ensino da matemática?

Joni – Acho que o problema é mais do ensino. Mas não só no campo da matemática. O ensino de matemática se dá através da linguagem, da história e da ciência. É o ensino como um todo e não só o professor de matemática.

JU – O Brasil recentemente foi promovido ao Grupo IV da International Mathematical Union (IMU), o que colocou o país ao lado de Holanda, Suécia e Espanha no que diz respeito à qualidade da pesquisa em matemática. A que o senhor atribui esse avanço?

Joni – Há diversos fatores. Tem havido um esforço dos órgãos financiadores para fomentar pesquisa com cuidado e seriedade. Além disso, algumas universidades têm investido pesadamente para formar um ambiente de produção de ciência. A Unicamp é uma delas. Também está havendo um grande esforço de cooperação com outros países que fazem pesquisa nessa área e para o intercâmbio de professores e alunos de graduação e pós-graduação. Temos recebido no IMECC pessoas de todos estes níveis para trabalhos de cooperação. Nessa cooperação conseguimos avançar mais e chegar mais longe.

JU – A pesquisa em matemática ocorre de maneira uniforme no Brasil ou há desequilíbrios regionais?

Joni – A produção de matemática no Brasil não é distribuída homogeneamente. Nenhuma instituição produziu tantas teses de mestrado e doutorado na área de matemática quanto a Unicamp. Existe um esforço muito concentrado em algumas universidades que têm uma produtividade maior porque conseguiram garantir um ambiente de pesquisa.


JU — Os bons resultados no campo da pesquisa também estão ocorrendo no campo do ensino fundamental e médio?

Joni – A imagem positiva do Brasil no campo da pesquisa em matemática não se repete quando pensamos na colocação do Brasil em termos de ensino fundamental. Aí o país não tem ido bem. Temos aqui no IMECC duas licenciaturas em parceria com a Faculdade de Educação. Portanto estamos gastando boa parte da nossa energia na formação de professores. Nesse trabalho estamos constatando que temos uma responsabilidade muito grande com relação ao ensino, principalmente no nível fundamental. Temos o Laboratório de Ensino de Matemática que há muitos anos vem trabalhando na formação continuada de professores, sobretudo da rede pública. Também temos o Núcleo Interdisciplinar do Ensino da Matemática que vem se dedicando a projetos nessa área. Dessa maneira temos cooperado com outras entidades que estão investindo na melhoria do ensino fundamental.

JU – Em sua opinião, o que está faltando para que o ensino fundamental e médio alcance o mesmo patamar de qualidade do ensino superior no campo da matemática?

Joni – Há alguns anos visitei um amigo que é professor universitário num país europeu. Fui apresentado a um casal amigo dele, cujo marido é professor no ensino médio e a esposa professora no ensino fundamental. O salário desse meu amigo era de três mil unidades monetárias. Já o professor do ensino médio ganhava três mil e seiscentos enquanto sua esposa recebia quatro mil e quinhentos. É uma inversão da nossa pirâmide salarial. Então, se nós temos na universidade um aluno muito bom e que gosta da educação matemática, mas que pode continuar fazendo pesquisa ganhando um salário de professor universitário, como ele vai avaliar a alternativa de trabalhar no ensino fundamental? No Brasil todo as escolas estão numa situação trágica. Tirando alguns municípios, notamos um certo abandono por parte dos governos. Há uma deficiência muito grande na valorização do professor do ensino fundamental.

JU – O senhor acredita que ainda haverá tempo para o Brasil recuperar a defasagem no campo do ensino fundamental e médio?

Joni – Sou um otimista incorrigível. Acho que dá. Quando a gente trabalha com os alunos que chegam aqui e percebe o entusiasmo deles; quando a gente viaja pelo interior em projetos como o Teia do Saber que oferece cursos aos professores, percebemos que o entusiasmo deles passa por cima das deficiências. Vemos profissionais que vêm ao IMECC nos finais de semana se esforçando em cursos de verão. Isso me deixa muito animado.

JU – Até que ponto a Olimpíada Brasileira de Matemática contribui para a divulgação da matemática?

Joni – Acho que ajuda. Mesmo porque as pessoas que participam da Olimpíada são alunos que não serão, necessariamente, professores de matemática. É uma iniciativa importante para a motivação, mas temos de trabalhar simultaneamente com os projetos que podem resolver os problemas essenciais. Para trabalharmos com professores de matemática vamos precisar de outras políticas e outros investimentos.

JU – O senhor acha válida uma versão da Olimpíada da matemática para o ensino fundamental e médio?

Joni – É válida, mas veja que a Olimpíada da Matemática é um funil. O processo vai afunilando até o ponto de mandarmos recentemente alguns poucos alunos de graduação brasileiros para representar o país na Bulgária. É verdade que essa atividade motivou muitos alunos e professores, mas à medida que a competição avança o funil vai fechando. Acho que precisamos fazer exatamente o contrário. Ou seja, ampliar a inserção. Seria muito interessante oferecer aos professores uma formação mais sólida e trabalhar com outros projetos, como as antigas feiras de ciência, onde os professores de diversas áreas cooperam mutuamente para movimentar a escola e mostrar uma matemática que é necessária para o exercício da cidadania. Para que as pessoas possam entender o contexto em que vivem, a taxa de juros, o preço da prestação, o que significa não dar entrada, etc.

JU – Como a Unicamp se insere no panorama nacional e internacional no que diz respeito à formação de profissionais e desenvolvimento de pesquisa em matemática?

Joni – A Unicamp, através do IMECC, participa com uma grande fatia no cenário nacional. Temos aqui pesquisadores classificados no máximo nível do CNPq. Além disso, temos dois programas de doutorado, o de matemática com nota sete (Capes) e o de matemática aplicada com nota seis, e estamos investindo pesadamente na pós-graduação em estatística, que vai passar a ter um doutorado também. Com isso, estamos nos colocando no cenário nacional como sendo uma força importante. Notamos que há um reconhecimento tanto da comunidade científica quanto da sociedade em geral em relação ao trabalho que estamos desenvolvendo. E estamos fazendo isso com sete mil matrículas de graduação por semestre. Ou seja, os nossos pesquisadores que estão produzindo e ganhando prêmios no cenário nacional e internacional também estão atuando na graduação.

JU – Quais as principais linhas de pesquisa em andamento no IMECC?

Joni – Temos o grupo de análise coordenado pelo professor Djairo Guedes de Figueiredo; o grupo da otimização, com o professor Mário Martinez; o trabalho com tratamento de imagens do professor Álvaro de Pierro; o de Geofísica do Martin Tygel; e o professor Patrício Anibal Letelier, do grupo Física Matemática. Mas é evidente que os esforços do IMECC não se concentram apenas nestes pesquisadores. Além do pessoal que sustenta o esforço de pesquisas na Estatística, há outros grupos produtivos, como o de Geometria, de Álgebra, além de grupos emergentes como os que trabalham com Lógica Fuzzy, com um trabalho que no início desse ano ganhou um prêmio por maior número de citações. Além disso, há outras iniciativas no campo de pesquisa que ainda não foram premiadas. Esse ainda vai por conta do meu otimismo.

JU – Quais os principais desafios no campo da pesquisa em matemática atualmente no mundo?

Joni – Passamos por uma fase muito produtiva de uma matemática que se desenvolveu no século 19. É a matemática das coisas que são contínuas e bem comportadas. Com as ferramentas dessa matemática nós conseguimos simular muitos fenômenos que não têm essa características. Um dos desafios agora é introduzir uma incerteza na matemática, uma subjetividade assumida. As descontinuidades, as inconsistências, uma matemática que não usa uma função contínua para descrever, por exemplo, um bate-estacas ou a presença de uma nuvem sólida de poluentes no ar. É a matemática do século 21. Essas ferramentas têm de ser inventadas de um modo melhor. Há certas doenças que não puderam ser analisadas completamente por ferramentas que já serviram. Por exemplo, a hanseníase. Precisamos de uma nova matemática. Os modelos matemáticos de equações diferenciais ordinárias, que são uma área de pesquisa da matemática pura, funcionam para muitas doenças, mas à medida que vamos aprendendo mais sobre uma determinada doença, constatamos que o nosso instrumental matemático ainda não é adequado. O mesmo acontece para outras perguntas de otimização como trajetória, distribuição de rede, energia, manejo sustentável. A matemática aplicada e a Estatística não dão conta de resolver sozinhas estes fenômenos. Essas ferramentas ainda precisam ser inventadas pela matemática dita pura. A natureza apresenta certos parafusos para os quais ainda não temos a chave de boca.

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