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Tese revela disseminação de biomodelos
em cirurgias de reconstrução craniofacial

Modelos anatômicos são obtidos
por meio da técnica de prototipagem rápida

LUIZ SUGIMOTO

A engenheira química Maria de Fátima de Gouveia, cuja tese foi defendida na FEM, ao lado de biomodelos: "O surgimento da PR pode ser considerado um marco em termos de manufatura". (Foto: Antoninho Perri)Estudo envolvendo 982 pacientes que necessitavam de cirurgias de reconstrução craniofacial aponta para uma disseminação do uso de modelos anatômicos obtidos por processos de prototipagem rápida (PR). "Esta técnica tem se revelado uma ferramenta excepcional para planejamento cirúrgico, confecção de próteses personalizadas e execução da cirurgia, levando a melhores resultados funcionais e estéticos, bem como à diminuição de riscos para os pacientes e de custos do processo", afirma a engenheira química Maria de Fátima de Gouveia, que defendeu tese de doutorado na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp. O estudo foi orientado pela professora Cecília Amélia de Carvalho Zavaglia.

A autora da pesquisa explica que os modelos médicos - ou biomodelos - são confeccionados por processos de prototipagem rápida a partir de imagens de tomografia computadorizada, podendo ser réplicas anatômicas tridimensionais tanto da parte óssea quanto de tecidos moles, como pele e sistema vascular. "O surgimento da PR pode ser considerado um marco em termos de manufatura, por causa da economia de tempo e da possibilidade de fabricar peças com geometrias complexas, impossíveis de serem obtidas por outros processos".

O estudo de Fátima Gouveia foi desenvolvido no Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), no âmbito do Projeto Promed - Prototipagem Rápida na Medicina, criado em 2001. "A primeira máquina de PR do CTI entrou em operação em 1999, com o objetivo principal de divulgar esta tecnologia no Brasil e produzir protótipos para a indústria em geral, tendo atendido desde então cerca de 500 pequenas e médias empresas. Mas na época já realizamos ensaios com modelos anatômicos".

Os contatos iniciais com os cirurgiões, visando selecionar casos de reconstruções complexas que pudessem ser auxiliados por biomodelos, se deram em 2000 e, até o final da pesquisa, foram envolvidos cerca de 270 profissionais. "Cada cirurgião possui sua própria técnica e alguns, já habituados a realizar as cirurgias apenas com o auxílio de imagens tomográficas bidimensionais, foram mais resistentes à mudança de abordagem. Mas a maioria ficou impressionada com os biomodelos, antevendo uma revolução inclusive quanto ao diagnóstico - por vezes, o modelo tridimensional revela detalhes não percebidos na imagem 2D".

Desde o primeiro paciente atendido em 2000, houve um aumento contínuo de casos até alcançar 270 somente em 2008. Neste período, o CTI confeccionou biomodelos para 982 pacientes, sendo que 98% deles apresentavam lesões craniofaciais. "Os resultados indicaram que 86% dos casos referem-se a reconstruções em um ou mais terços da face (superior, médio e inferior). Isto era esperado, pois a face abriga estruturas complexas, responsáveis por funções essenciais como visão, respiração, mastigação e fala, havendo ainda a questão estética, que representa um fator determinante na integração social e na autoestima do paciente".

Demanda
Ao todo, o CTI atendeu 146 instituições do país - 79 hospitais, 41 clínicas particulares e 26 instituições de ensino. A maior demanda esteve associada à reabilitação bucomaxilar (32%), que em geral pode ser traduzida como planejamento de implante dentário. Não por acaso, 71% desses pacientes tinham entre 40 e 70 anos, faixa etária em que perdas dentárias são mais comuns. "Além da importância funcional dos dentes, falhas na dentição geram vários outros problemas, inclusive exclusão social. A implantodontia ainda é vista como privilégio de poucos, mas o governo já trabalha para incluí-la nos serviços públicos de assistência odontológica".

O segundo maior grupo, com 18% dos casos, reuniu as neoplasias e displasias, com predominância das neoplasias de mandíbula. "Mesmo quando benignas, há neoplasias que precisam ser removidas devido ao seu crescimento exagerado. Atendemos o caso de uma paciente de 68 anos que exigiu a remoção total da mandíbula. Adaptamos o modelo virtual da mandíbula de outro paciente, a fim de projetar no CAD uma, que foi confeccionada em polimetilmetacrilato com reforço interno de fibra de carbono. A confecção da prótese e a cirurgia foram realizadas com sucesso".

No terceiro grupo, representando 13% dos casos, estavam os pacientes com fraturas por trauma, relacionadas a acidentes de trânsito, trabalho e domésticos, e vítimas de violência. Outros grupos se seguiram: desarmonias faciais (9%), como assimetria facial e má oclusão; patologias de ATM (5%); causas congênitas (5%), como a fissura palatina; falhas ósseas cranianas (5%) provocadas principalmente por acidentes de trânsito; falhas ósseas faciais (4%); e outras causas (2%) como osteomielite e aneurisma cerebral.

Segundo a autora, registrou-se na amostra um equilíbrio entre homens (511) e mulheres (471), mas a associação das causas das cirurgias com gênero e faixa etária possibilitou constatações interessantes. "Em relação à reabilitação bucomaxilar, o grupo feminino é uma vez e meia maior que o masculino. Há indícios de que o homem teria mais receio de ir ao dentista e de que as mulheres se preocupariam mais com a aparência. Já as fraturas por trauma e as falhas ósseas cranianas atingem 2,5 vezes mais os homens, sobretudo jovens, certamente por um maior envolvimento em acidentes e situações de violência".

Divulgação
Fátima Gouveia afirma que seu trabalho, através da divulgação dos resultados do Projeto Promed, procura contribuir para a implantação da técnica de biomodelos obtidos por prototipagem rápida no planejamento cirúrgico. "A caracterização de uma amostra de quase mil pacientes pode auxiliar na orientação de pesquisas, políticas públicas e futuros investimentos nesta área. A tendência de crescimento nos atendimentos e o surgimento e desempenho de empresas nacionais que produzem estes biomodelos são sinais da expansão da técnica", diz a engenheira (veja texto nesta página).

A pesquisadora reitera que existe demanda tanto para o projeto como para a confecção de próteses personalizadas, mas aponta a necessidade de divulgar melhor a técnica no Brasil, como no Norte e Nordeste. Em seu levantamento, ela constatou que 60% dos 982 pacientes eram do Estado de São Paulo - o Sudeste concentrou 75% dos atendimentos. A cidade de Campinas responde pelo maior número de casos na amostragem, graças à interação com hospitais locais como o Mário Gatti e principalmente a Sobrapar (Sociedade Brasileira de Pesquisa e Assistência para Reabilitação Craniofacial).

Acessibilidade
Do total de pacientes, 75% contaram com biomodelos fornecidos gratuitamente via SUS e 25% por meio de clínicas particulares. A autora do estudo acredita que a disseminação da técnica levará a uma maior oferta do serviço dentro do próprio sistema de saúde e também pelos convênios médicos, como já acontece em alguns países da Europa. "A possibilidade de um planejamento mais detalhado, com o auxílio dos biomodelos, permite um melhor resultado cirúrgico, diminuindo o tempo, os riscos de infecção, a necessidade de novas cirurgias e, com isso, dos custos envolvidos".

Um problema relatado pelos cirurgiões a Fátima Gouveia são os preços das próteses utilizadas nas reconstruções, muitas vezes incompatíveis com a realidade dos hospitais públicos. "Citamos o caso de uma paciente com anquilose (fixação) bilateral da articulação da mandíbula, que necessitou de próteses que custaram 70 mil reais. Por isso, os cirurgiões buscam soluções alternativas para a confecção destas próteses. A prototipagem rápida já possui equipamentos que processam biomateriais, principalmente ligas biocompatíveis de titânio, produzindo próteses sob medida. Acredita-se que o uso da técnica permita, em médio prazo, a redução de custos de próteses e implantes".

Técnica foi usada em separação de siamesas

Os primeiros modelos anatômicos confeccionados por prototipagem rápida foram descritos na literatura em 1990, por Mankovich, da Universidade da Califórnia, dois anos depois do lançamento da primeira destas máquinas, pela 3D Systems - também nos EUA. Um dos pioneiros na sua utilização na área médica foi o australiano Paul D´Urso, atribuindo-se a ele a denominação "biomodelo" para as réplicas anatômicas obtidas com tais equipamentos.

O emprego da técnica para planejamento cirúrgico ganhou destaque na mídia internacional em 2002, com a cirurgia de separação das "Pequenas Marias" da Guatemala, como eram chamadas as gêmeas siamesas que nasceram unidas pelo crânio. "A bem-sucedida cirurgia foi realizada no hospital da Universidade da Califórnia, por uma equipe de mais de 50 profissionais liderada por Henry Kawamoto e Jorge Lazareff, e durou cerca de 23 horas", recorda a engenheira Fátima Gouveia.

A pesquisadora conta que, apesar de as gêmeas possuírem cérebros e artérias independentes, as veias estavam interligadas. "De acordo com a equipe, muitos detalhes que não estavam visíveis nos exames radiográficos, tomográficos e de ressonância só puderam ser verificados no estudo dos biomodelos, o que representou um aspecto determinante para o sucesso da cirurgia".

Segundo Fátima Gouveia, o professor Kawamoto trabalha em colaboração com a Sobrapar, tendo visitado o CTI recentemente. Entretanto, a pesquisa também apresenta o primeiro caso de cirurgia de separação de gêmeos conjugados realizada no Brasil, com o auxílio de biomodelos para o planejamento cirúrgico. "Esta cirurgia foi realizada no Hospital Materno Infantil de Goiânia, no ano de 2004, pelo doutor Zacharias Calil".


Evolução
O estudo aponta um crescimento acentuado na venda de equipamentos de prototipagem rápida nos últimos seis anos, com previsões que eram de 5.920 máquinas para 2008 e de 7.330 para 2009. Calcula-se que até o final de 2007 tenham sido vendidos quase 27 mil sistemas de prototipagem rápida em todo o mundo. "Os equipamentos atendem basicamente à indústria. No entanto, analisando por setores de aplicação, vemos uma utilização de 20,8% pela indústria de bens de consumo e eletrônicos, de 16,8% pela indústria automotiva e, já em terceiro lugar, de 15,2% em aplicações médicas e dentárias".

A pesquisa também revela o surgimento de pelo menos dez empresas nacionais que estão confeccionando biomodelos por prototipagem rápida atualmente. "Uma das pioneiras e maior fabricante do Brasil é a Bioparts, que já produziu mais de sete mil biomodelos. Foi criada por um cirurgião entusiasta da técnica, que realizou no CTI seus primeiros casos, em cooperação com o Hospital de Base de Brasília. A LaserTao e a BCS Tecnologia são empresas de Campinas que estão incubadas na Unicamp".

 
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