| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 399 - 16 a 22 de junho de 2008
Leia nesta edição
Capa
Corte, costura e memória
Xenofobia pintada de amarelo
Arte oriente
Dekasseguis
Ideogramas
Parceria bem-sucedida
Haicai
Japão ilustrado
 


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Uma parceria bem-sucedida. E longeva

PAULO CESAR NASCIMENTO

O Centro de Diagnóstico de Doenças do Aparelho Digestivo (Gastrocentro) da Unicamp tornou-se referência internacional na área de diagnóstico, no repasse de tecnologia e na transferência de conhecimentos graças a um substancioso apoio recebido de uma instituição nipônica. O acordo com a Japan International Cooperation Agency (Jica), com quem o Gastrocentro mantém estreita ligação desde 1990, é emblemático dos resultados proporcionados pelas relações mantidas pela Universidade com pesquisadores ou instituições científicas japonesas. A parceria com a Jica proporcionou inúmeros benefícios ao Gastrocentro, como capacitação médica e equipamentos, o que contribuiu significativamente para aprimorar o diagnóstico precoce de tumores gástrico, intestinal e hepático por meio de técnicas pioneiras no Brasil, colaborando para ampliar a expectativa de vida dos pacientes atendidos pela Unicamp.

O Japão é um dos maiores centros de gastroenterologia do mundo e a implantação do centro com o apoio da Jica teve como objetivos principais o aperfeiçoamento de técnicas de diagnóstico das doenças do aparelho digestivo, o aprimoramento do ensino médico na área da gastroenterologia, e a conseqüente melhora da assistência médica à população por meio do atendimento multidisciplinar. Tanto que o Gastrocentro passou a ser integrado pelas áreas de Cirurgia, Pediatria, Radiologia, Anatomia Patológica, Imunologia, Metabologia e Obesidade. Mensalmente a unidade realiza cerca de 700 exames gratuitos de quase duas dezenas de procedimentos.

O professor e médico Ademar Yamanaka, coordenador geral do Gastrocentro: equipamentos possibilitaram grandes avanços (Fotos: Antoninho Perri)Avanços notáveis – Os equipamentos de última geração recebidos pelo centro por meio do acordo possibilitaram avanços notáveis nos campos da endoscopia digestiva diagnóstica e terapêutica, da ultra-sonografia abdominal, da radiologia digestiva e das técnicas laboratoriais, enfatiza o professor e médico Ademar Yamanaka, coordenador geral do Gastrocentro. Para as técnicas laboratoriais foram instalados dois laboratórios, um especialmente voltado ao estudo das provas funcionais do aparelho digestivo e outro para estudo parasitológico, bacteriólogico e de vírus.

Na área de pesquisa, uma das grandes preocupações do Gastrocentro foi com a padronização do diagnóstico do câncer do aparelho digestivo, com destaque para os estudos desenvolvidos a respeito do diagnóstico e da terapêutica do Helicobacter pylori, que fizeram da instituição um dos centros nacionais de referência na investigação da bactéria. Mas os projetos voltaram-se também ao diagnóstico e às propostas de terapia de pequenos tumores hepáticos. A Jica manteve ainda outro convênio, voltado para a hepatologia e Aids.

Ampliação – Além da transferência de tecnologia e doação de aparelhagem, o convênio da ordem de US$ 15 milhões proporcionou a troca de informações através de viagens de especialistas brasileiros ao Japão e vice-versa. A Jica enviou ao Brasil cerca de 100 colaboradores e aproximadamente 80 médicos e professores foram enviados ao Japão para treinamento. Tiveram ainda acesso ao ensino no Gastrocentro os médicos residentes da FCM das áreas de Gastroenterologia Clínica, Cirúrgica, Pediátria, Radiológica e de Anatomia Patológica, entre outras. Além disso, o Gastrocentro serviu de campo de estágio para inúmeros médicos de todo o país e do exterior. O Gastrocentro recebeu também médicos da Colômbia, Equador, Costa Rica, Bolívia, Peru, África e de países de língua portuguesa, como parte do Programa de Treinamento para Terceiros Países (TCTP).

Para poder atender adequadamente o crescimento da demanda, o Gastrocentro ampliará em cerca de 500 m2 a sua atual área de aproximadamente 2.600 m2, conforme projeto que aguarda aprovação. A construção da nova ala, com três pavimentos, nova recepção e elevador, permitirá o aumento do número de procedimentos e exigirá recursos da ordem de R$ 800 mil da própria Universidade.

O professor Edison Shibuya, do Departamento de Raios Cósmicos do IFGW: acordo científico rendeu pesquisas inovadoras  (Fotos: Antoninho Perri)Outros projetos – Ademar Yamanaka é também consultor para assuntos do Japão na Coordenadoria de Relações Institucionais e Internacionais (Cori) da Unicamp e presidente da Comissão do centenário da imigração na Universidade. Além do acordo com a Jica para o Gastrocentro – que ele coordenou desde o início –, projetos entre os dois países beneficiaram outras áreas e atividades da Unicamp, como o Centro de Investigação em Pediatria (Ciped), pesquisas com quartzo do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), estudos de cultura de células da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), investigação de moléstias infecciosas e a montagem de todo o parque de equipamentos do Centro de Ensino de Línguas (CEL). A lista inclui ainda um programa de intercâmbio em fase de organização com a Faculdade de Educação, inúmeros projetos individuais de pesquisadores da Unicamp com colegas japoneses e, mais recentemente, o workshop de meio ambiente e energia sustentável em parceria com as principais instituições de ensino e pesquisa do Japão, como as universidades de Tokyo, Kyoto e Gifu.

Raios cósmicos – A cooperação nipo-brasileira na área de raios cósmicos é considerada o caso mais longevo de uma parceria científica binacional que se tem notícia no País. O início do projeto da Colaboração Brasil-Japão de Raios Cósmicos deu-se em 1962, na USP, mas prosperou de fato na Unicamp, a partir de 1967, quando Cesar Lattes transferiu-se com seu grupo para a universidade campineira. A Unicamp passou então a ter o principal laboratório brasileiro no âmbito do programa, que permanece em atividade, já que após a aposentadoria de Lattes, em 1986, foi o professor Edison Shibuya quem assumiu a condução das pesquisas. O pesquisador do Departamento de Raios Cósmicos do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) foi aluno de Lattes quando cursava física na USP e veio para Campinas no grupo recrutado pelo professor para auxiliá-lo no projeto da Colaboração Brasil-Japão de Raios Cósmicos.

O trabalho de cooperação, recorda-se o discípulo, iniciou-se por meio de uma carta do físico teórico japonês Hideki Yukawa (ganhador do Prêmio Nobel de Física em 1949) endereçada em 1959 a Cesar Lattes, descobridor do méson pi, em 1947.

Cesar Lattes e seus colegas comemoram, em 1969, a revelação de filmes no âmbito da Cooperação Brasil-Japão: descobertas importantes (Fotos: Antoninho Perri)Na ocasião, os japoneses buscavam um local mais apropriado para realizar experiências com raios cósmicos em altas altitudes, e o Monte Chacaltaya, na Bolívia, além de ter uma altitude acima de 5 mil metros, mais alto, portanto, que o Monte Fuji, com cerca de 3.700 metros, era de fácil acesso e já havia sido utilizado pelo cientista brasileiro.

“A colaboração se propunha a estudar o fenômeno de produção múltipla de mésons, que havia sido descoberto anteriormente”, conta Shibuya.

Sua função era ajudar na preparação dos filmes fotográficos e das placas de chumbo expostos à radiação cósmica em 1968 em Chacaltaya. Os filmes foram retirados em 1969, para serem revelados no laboratório improvisado por Lattes no porão do prédio onde funciona hoje o Colégio Técnico da Unicamp (Cotuca), na rua Culto à Ciência, então o principal prédio da Unicamp.

Luta fratricida – Poucos conhecem, no entanto, os antecedentes que, de certa forma, levaram à constituição da colaboração entre as duas nações, conforme observa Shibuya. É preciso, segundo ele, voltar no tempo, mais exatamente ao final da década de 40, quando a colônia japonesa no Brasil vivenciava uma luta fratricida.

Na época, uma associação criada no seio da colônia inicialmente com o objetivo de preservar a cultura japonesa e a imagem do imperador Hiroíto passou a perseguir e a assassinar os imigrantes japoneses que sabiam da derrota do Japão para os aliados na Segunda Guerra. O número de assassinados chegou a 23 e o de pessoas feridas a uma centena. Os membros da Shindo Renmei (nome da organização) ainda falsificaram revistas e jornais internacionais para que os japoneses acreditassem que seu país de origem havia vencido a guerra.

Os que sabiam da derrota acreditavam que o único meio de pôr fim ao sangrento conflito era trazer ao país uma personalidade japonesa que fosse respeitada por sua índole e que pudesse dar um testemunho incontestável do que de fato ocorrera ao Japão na guerra. Dois integrantes da colônia, o físico da USP Shigueo Watanabe e o engenheiro Ayami Tsukamoto, propuseram então, em 1952, a vinda do professor Yukawa, ainda sob o impacto de ter sido o primeiro japonês a ganhar o Nobel. O físico, contudo, não pôde atender ao convite. Ele só conseguiria vir ao Brasil em 1958, por ocasião das comemorações do cinqüentenário da imigração japonesa.

O grupo, no entanto, se preparara de tal forma para a vinda dele, que havia arrecadado entre imigrantes na época pouco mais que um milhão de yens, o equivalente a 50 mil dólares, para o custeio da viagem e hospedagem do ilustre convidado.

“Como devolver o dinheiro daria mais trabalho do que o grupo tivera para arrecadá-lo, a colônia decidiu doar o valor para a Universidade de Kyoto, onde Yukawa trabalhava. Uma parte do recurso foi aplicada na organização do primeiro simpósio internacional de física no Japão da pós-guerra. A outra, Yukawa entregou ao professor Yoichi Fujimoto para a compra da ocular de um microscópio, com o qual iniciaram a física de raios cósmicos do grupo japonês”, conta Shibuya. “Foi com esse grupo que Lattes, e depois o nosso grupo da Unicamp, passou a se relacionar, estabelecendo o que se tornou mais tarde a Colaboração Brasil-Japão de Raios Cósmicos.”

Confiança mútua – Segundo Shibuya, Fujimoto, um físico experimental, tornou-se um interlocutor estratégico entre o teórico Yukawa e o também experimental Lattes, o que contribuiu significativamente para a fluência das pesquisas conduzidas em parceria.

“Eram pessoas com personalidades e características de trabalho distintas. Mas tinham, acima de tudo, a curiosidade científica como ponto comum, e foi isso que os aproximou e os uniu”, observa Shibuya. Além dessa empatia, ele destaca outro aspecto peculiar do trabalho conjunto: a confiança mútua.

“Exceto as cartas trocadas entre eles, em que assumiam o compromisso de desenvolver pesquisas em conjunto, não havia qualquer outro tipo de documento formalizando o acordo”, ressalta o pesquisador.

Ele lembra ainda que cada parte alocou os recursos materiais de que dispunham com mais facilidade: as placas de chumbo foram providenciadas pelo grupo brasileiro e os filmes disponibilizados a preço de custo por dois fabricantes nipônicos interessados em utilizar a radiação cósmica a grande altitude para testar a sensibilidade do produto.


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