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Proposta é aprimorar diagnóstico, tratamento e pesquisa de males como anemina falciforme e talassemia

Unicamp representa o Brasil em grupo de apoio à OMS contra doenças da hemoglobina

(Fotos: Antoninho Perri)A Unicamp está representando o Brasil num grupo de trabalho internacional que apoiará a Organização Mundial de Saúde (OMS) na formulação de um guia de conduta para ampliar e aprimorar as formas de diagnóstico, tratamento e pesquisa sobre doenças da hemoglobina. As chamadas hemoglobinopatias são doenças genéticas decorrentes de anormalidades na estrutura ou na produção da hemoglobina, molécula presente nos glóbulos vermelhos e responsável pelo transporte do oxigênio para os tecidos. As expressões mais conhecidas desse defeito congênito são a anemia falciforme e a talassemia, patologias crônicas que requerem acompanhamento constante e podem levar à morte.

Grupo deve recomendar o ‘teste do pezinho’ para todos os países

“O diagnóstico precoce é uma das medidas mais importantes, mas em vários países esse cuidado ainda não é observado”, afirma o médico hematologiasta, pesquisador e coordenador geral da Unicamp Fernando Costa. Ele foi o representante brasileiro escolhido pela OMS para participar de um encontro que reuniu especialistas de vários países em Genebra, na Suíça, de 17 a 19 de maio. Costa levou para a reunião a experiência acumulada no Hemocentro da Unicamp, referência nacional e latino-americana no diagnóstico, tratamento e pesquisa de doenças do sangue.

Coordenado pelo Dr. Sir David Weatherall, respeitado professor da Universidade de Oxford, o grupo passou dois dias discutindo alternativas que resultarão num programa de prevenção e tratamento das hemoglobinopatias para os próximos cinco anos. De volta a seus países, os participantes continuam trabalhando numa primeira versão do documento, que será submetido em breve ao plenário da OMS. Além do Brasil, o grupo contou com representantes da Holanda, Chile, Malásia, Estados Unidos, Tailândia, Índia e Oman.

“A situação é muito heterogênea quando se analisa todos os países do mundo, mas uma das possibilidades é que o teste de rastreamento neonatal (conhecido como teste do pezinho) passaria a ser recomendado a todos os países”, adianta Fernando Costa. Realizado antes de o bebê receber alta, o procedimento proporciona a detecção precoce de hemoglobinopatias, como a anemia falciforme. No Brasil, o teste é feito em 12 dos 27 estados, segundo o Ministério da Saúde. Em alguns países, principalmente na Ásia e na África, a medida ainda não foi implantada.

Outra proposta, segundo Costa, é recomendar que cada país passe a contar com um centro de referência preparado para exames mais avançados. Estes centros, de acordo com o pesquisador, deverão estar em condições de realizar análises de precisão, como eletroforese de hemoglobina (técnica laboratorial que detecta os tipos de hemoglobina e a sua quantidade) e exames de DNA. No Brasil e na América Latina, o Hemocentro da Unicamp é a instituição com maior experiência nessa área. “Temos condições de fazer o diagnóstico completo”, afirma.

O hematologista e coordenador geral da Unicamp Fernando Costa: levando a experiência acumulada no Hemocentro ao grupo internacional Anemia falciforme – Um dos principais alvos da OMS é a anemia falciforme, doença hereditária que leva a uma deformação das hemácias (glóbulos vermelhos). Os glóbulos vermelhos são ricos em hemoglobina, molécula que dá a cor vermelha ao sangue e tem a função vital de transportar o oxigênio dos pulmões aos tecidos. Para poder passar facilmente por todos os vasos sangüíneos, mesmo os mais finos, as células são arredondadas e elásticas.

Na anemia falciforme, ocorre uma mutação na cadeia beta de hemoglobina. “Quando a hemácia chega aos tecidos e libera o oxigênio, a hemoglobina fica na forma desoxigenada e se polimeriza, distorcendo a hemácia, que se torna rígida e ganha o formato de foice”, explica Fernando Costa. Esta hemoglobina anormal é denominada “S”. Sem flexibilidade para passar por capilares pequenos, as hemácias vão se acumular e obstruir a circulação do sangue. Acontece então a oclusão vascular e as lesões nos tecidos. Como vasos sanguíneos estão por todo o corpo, há risco de lesões em qualquer parte, como sistema nervoso central, pulmões, fígado, rins e baço.

Geralmente, os sintomas aparecem a partir dos seis meses de vida da criança. Os mais freqüentes são crises dolorosas provocadas pela obstrução de pequenos vasos, dores que podem se tornar extremas e passar ao abdômen, tórax e articulações. Há crianças que apresentam inchaço bastante doloroso nas mãos e nos pés, e aquelas muito suscetíveis a infecções bacterianas, como pneumonias e meningites.
Na adolescência, úlceras próximas aos tornozelos são comuns, registrando-se, também, casos de atraso no desenvolvimento físico e sexual. As obstruções vasculares no baço, que funciona como um “filtro” do sangue, trazem risco de vida: o órgão vai gradativamente perdendo sua função, o que aumenta muito a possibilidade de infecções nesses pacientes. “Infecções graves representam uma das principais causas de morte nos primeiros anos de vida”, acrescenta o professor.

A anemia falciforme é uma doença característica de descendentes de africanos. No Brasil, segundo as estimativas disponíveis, a maior incidência ocorre na Bahia, com a média de um caso para cada 650 nascidos vivos. Em segundo lugar vem o Rio de Janeiro, com a proporção de 1 para 1,2 mil, seguido de Pernambuco, com 1 para 1,3 mil. Santa Catarina e Paraná registram o menor índice: 1 caso em cada 13 mil nascidos vivos. Em São Paulo, a proporção é de 1 para 4 mil. Estima-se que a cada ano ocorram no País cerca de 3,2 mil novos casos de pacientes com doença falciforme.

Talassemia – O outro alvo da OMS é a talassemia, doença caracterizada pela redução ou ausência da síntese de um dos tipos de cadeias (alfa e beta) de globina que formam as hemoglobinas. Também conhecida como “anemia do Mediterrâneo” ou microcitemia, é uma anemia hereditária causada pelo desequilíbrio de síntese das globinas que afeta a medula óssea, o tecido que produz as células do sangue. No Brasil, são estimados atualmente 485 pacientes homozigotos para a doença, segundo dados da Associação Brasileira de Talassemia (Abrasta). A incidência maior ocorre na região Sudeste, com 75% dos casos.

O tipo de talassemia mais conhecida no Brasil é a beta-talassemia. Dependendo da gravidade dessa deficiência, existem diferentes estados da doença, mas comumente se identificam dois grupos: talassemia menor (ou traço talassêmico) e talassemia maior. Alguns pacientes ficam entre esses dois extremos, sendo considerados portadores da talassemia intermediária.

No caso da talassemia menor os pacientes geralmente são assintomáticos. Na talassemia maior o quadro é mais grave devido à redução acentuada – e em alguns casos o bloqueio completo – na produção da cadeia beta. Os sintomas da talassemia costumam surgir a partir do primeiro ano de vida. A criança apresenta palidez, irritabilidade e cansaço. Pode haver inchaço do abdomem devido ao aumento do baço. Sem o tratamento adequado pode haver retardo no desenvolvimento somático e sexual e deformidades do esqueleto, evidenciadas nos ossos do rosto e crânio.

Hemocentro ganha destaque com seu trabalho de pesquisa

Criado em 1985, dentro das diretrizes do Pro-Sangue (Programa Nacional de Sangue e Hemoderivados), o Hemocentro da Unicamp coordena o sistema de obtenção, coleta, processamento, fracionamento, distribuição e utilização de sangue, componentes e derivados para a região de Campinas. Mas é no trabalho de pesquisa que a unidade vem se destacando. Três estudos recentes – todos orientados por Fernando Costa – ganharam repercussão nacional e internacional.

Num deles, a pesquisadora Andréia Averci Canalli abriu perspectivas promissoras de tratamento da vaso-oclusão, um dos graves sintomas da anemia falciforme. Em testes in vitro com o nitroprussiato de sódio – uma droga emissora de óxido nítrico, que possui propriedades vasodilatadoras –, o experimento mostrou resultados positivos na redução de níveis de adesão de neutrófilos (um dos glóbulos do sangue) aos componentes dos vasos sanguíneos, fenômeno responsável pela obstrução. Co-orientado pela doutora Nicola Conran, o estudo foi considerado o melhor trabalho do Congresso Brasileiro de Hematologia e Hemoterapia em novembro de 2005 no Rio de Janeiro, entre 1.025 inscritos.

Em outro trabalho científico, pesquisadores constataram que a presença de um poliformismo no gene da enzima identificada como G-463A MPO, nos glóbulos brancos, pode ser um indicativo de pacientes mais suscetíveis a infecções. A associação de maior freqüência de infecções graves com esta anormalidade na enzima mieloproxidase é uma descrição inédita na literatura, e permitiria um tratamento especial já a partir do diagnóstico, prevenindo contra complicações. O trabalho, que serviu como dissertação de mestrado de Raimundo Nonato Pereira Costa, foi publicado no ano passado em uma das mais importantes revistas européias de Hematologia, a Haematologica – The Hematology Journal. Nicola Conran, Dulcinéia Albuquerque, Paulo Soares e Sara Saad assinam o artigo como co-autores.

O estudo desenvolvido pela pesquisadora Nicola Conran Zorzetto também ganhou repercussão internacional ao ser publicado em 2005 no British Journal of Haematology. O trabalho abre perspectivas para novas formas de tratamento da anemia falciforme. Nicola identificou a existência de um mecanismo nos glóbulos vermelhos de pacientes falciformes que pode ser responsável pelo aumento da hemoglobina fetal, substância capaz de impedir a deformação das hemácias, fenômeno fundamental na fisiopatologia da doença.



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