| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Enquete | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 215 - 2 a 8 de junho de 2003
.. Leia nessa edição
::Capa
::Pouco investimento em P&D
::Controle de doença de granja
::Lei de Inovação
::Assentamentos na cadeia
produtiva
::Imigração italiana pós-guerra
::Rótulos que omitem informações

::Ambiente de trabalho

::Nanociêcia
::Unicamp na imprensa
::Painel da semana
::Oportunidades
::Teses da semana
::Newton da Costa
::Legião microbiana
 

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GIOVANNA E GIUSEPPE FACCHINETTI

Giovanna no dia do embarque para o Brasil com seus filhos: Rosalba (3 anos), Maria Elisa (1 ano e meio), Felice (4 anos) , 1953Giovanna: Nasci em 20 de dezembro de 1924, mas minha mãe me registrou em janeiro.

Giuseppe: Só para não ficar um ano mais velha, registrou em 3 de janeiro de 1925.

Giovanna: Vallo della Lucania não era uma cidade muito grande, mas movimentada, tinha muito lugar para trabalhar na agricultura. Meu pai tinha uma extensão de cultura e vendia também.

Giuseppe: Era uma chácara, plantava de tudo. Vendia na cidade. A cidade ficava no meio e em volta existem seis pequenas vilas. O mercado e a feira de domingo aconteciam no Vallo.

Giovanna: A chácara, a vinha, como nós chamávamos, era quase encostada com um cemitério de Vallo della Lucania. Tinha outra propriedade, com plantas de oliva. Eu ia colher azeitona na propriedade. Tínhamos que colher para levar para o maquinário que fazem óleo.

Giuseppe: Meu pai era milanês. Era técnico de teleférico, como aqueles que tem em Campos do Jordão. Mecânica de carro também. Como o bonde do Rio de Janeiro, tinha diversos, para descer toras, carvão, lenha, porque naquela época não tinha gás.

Giovanna: Terrível, a guerra... Eu tinha 9 anos e foi num campo perto de casa, tinha árvores... Estavam bombardeando debaixo da cidade, até onde estava, no alto, e eu fiquei um dia dentro da valeta, e os projéteis passavam por cima de mim, era uma criança ainda...

Giuseppe: No alto mar, a marinha disparava para a terra, então foi uns três ou quatro dias de sofrimento, fome, sangue... Foram três ou quatro dias terríveis. Vinha um trem carregado de munição de guerra e os alemães explodiram ele. A sorte é que onde estava o trem parado era um lugar onde não tinha casa nenhuma.

Giovanna: Ah, os ingleses... Eu estava na estrada [rua] para ir comprar pão na venda, e então com um carro corriam atrás de mim, e de tanto pavor que tive subi em cima de um muro e pulei para o outro lado, com medo que eles me viesse pegar, porque eles faziam coisas do outro mundo. E eu, graças a Deus, me joguei do muro num horto do outro lado e me salvei daqueles também.

Giuseppe: Faziam atrocidades.

Giovanna: Ai, a comida foi o pior, nossa senhora.

Giuseppe: Oitenta gramas de pão para cada família.

Giovanna: Fazia uma fila para pegar um pouco de farinha. E depois, para tentar comer mais, quem tinha enxoval, lençol, coisas de casa, a gente trocava com quem tinha o trigo... Ai, quantas coisas passamos, nossa senhora.

Giuseppe: Mas sabe de uma coisa? A gente estava sempre alegre, com tudo que se sofria. Porque chega uma hora, nos primeiros tempos, se fica com aquele medo, depois se acostuma e vão caindo os mortos do seu lado, você já não liga, está descontrolado.

Giovanna: Acostumo nada.

Giuseppe: Eu vim para o Brasil porque deu uma doença na plantação de uva que destruiu tudo.

Giovanna: Secaram todas. Por isso, perdeu a paciência.

Giuseppe: Eu não fazia vinho nem para mim. Com aquele vinho, comprava comida, pagava os impostos, ano após ano. Foram secando as plantas de uva.

Giovanna: É, se perdeu tudo.

Giuseppe: Quando nos casamos, como foi?

Giovanna: Foi muito bonito. Ih!, tinha tanto vinho, os parentes, os conhecidos. Ele tinha feito vinho branco, bem feito. Ele mesmo fez. Ele fez de propósito, aquelas jarras de vinho. Ah, foi uma grande festa!

Giuseppe: Tinha aquele vinho branco, tipo espumante, quase como champanhe.

Giovanna: Era uma delícia!

Giuseppe: Eu tinha sacos de lona, eram cinco. Colocava a uva, pisava e saía o vinho. Eu fiz justo para o casamento. Todos eles com a taça na mão para beber aquele vinho. E todos levaram para casa aquele vinho.

Giovanna: [Já sobre a vida refeita em São Paulo] Fomos para minha casa, tinha uma garagem grande e começamos a fazer macarrão, porque em Tucuruvi não dava para lavar roupa para os outros. Fazíamos gnhocce, tagliarini, ravioli, capeletti, eu e minha irmã que morreu. Até agora vem gente perguntar se não fazemos mais. Não, não faço nem para eu mesma mais, chega!

Giuseppe: Quando se faz o macarrão, não se tem o sábado, o domingo, o feriado, porque é justo nessa época em que se vende.

Giovanna: O molho? Ah, o molho, como faço eu... Até na feira me perguntaram. Eu compro os tomates mais maduros. Depois corto e cozinho numa panela grande, bem cozidos. Passo no liquidificador e depois passo na peneira. E depois faço uma porpeta de carne (...) ou uma brachola. Nunca fez brachola?



EDOARDO COHEN
(de Roma)

Edoardo Cohen em 1973, com 6 anos de idade, uniformizado e fazendo a saudação facistaSi, vontade sim [de voltar para a Itália], mas que foi. Minha vida é aqui, eu sou cidadão de um país que não existe mais, nós emigrantes somos cidadãos de um país que não existe mais.

Isso muita gente não entendeu, principalmente o governo italiano não me entendeu. Eu escrevi muitas vezes. Vamos dizer: eu tô na Itália... a vida é enrolada, dia após dia do fim da existência e eu emigro, o que é que eu faço, abro a gaveta e coloco... E começo a rolar a fita do Brasil, do país onde estou morando. (...) porque a Itália ficou no momento que eu deixei... No momento que eu vou na Itália, muitas vezes eu vou na Itália, que eu falo, na língua mesmo, na forma idiomática, são coisas que não se usam mais. Tem gente que me olha e diz: ‘mas de onde vem esse daí?, de algum túmulo saiu, isso se falava há 50 anos atrás’.
Por isso somos cidadãos de um país que não existe mais e o governo não entende isso. O italiano, o governo, o consulado, a embaixada pensam que os italianos que estão aqui são os mesmos que estão na Itália. No, não são mais, são diferentes, são cidadãos de um país que não existe mais, porque a minha Itália não existe mais.
É claro, se eu for pra Itália, em um ano me adapto novamente. Agora, aqui, eu ainda penso na Itália de 1946, 47, é fossilizada, é cristalizada, não adianta, estou largando tudo, ninguém entende isso.
É claro [que gosto do Brasil], minha vida é aqui. Posso ver sujeira, uma imundície, são uns fdp esses governos, mas é minha terra, não adianta nada, é minha terra, desculpa falar, é minha terra, é aqui que eu vivo, é aqui que tenho meus filhos, é aqui que enterrei meus mortos, aqui que vou ser enterrado, é minha terra.


ANTONIO MIDEA
(de Macchiagodena)

Quando cheguei aqui comecei a trabalhar em várias coisas. Ajudei meu pai de servente de pedreiro, não gostei muito. Depois entrei numa fábrica, de metalúrgica, depois entrei em outra fábrica, outra fábrica, mais fábrica.

Mas eu era um inimigo da fábrica, a fábrica não era pra mim, io me sentia preso. Aí entrava e saía, sempre pra ganhar mais, nunca pra ganhar menos, sempre chefe, contra-mestre, parece que tinha um espírito que me acompanhava que queria vencer na vida.
Aí, no 54, foi a última fábrica. Saí e comecei a ser vendedor na rua, vendedor de inseticida, vendedor de sale, depois comecei a vender laticínios, salame, presunto, mortadela, queijo, etc, etc, e assim comecei minha vida, comecei com a sacola, comecei com a bicicleta, comecei com o táxi, comprei um carro, tirei a carta em 56, comprei o primeiro Fiat, e assim foi minha vida até 60 e casei.
(...) Voltei muitas vezes na Itália e cada vez que voltei pra lá eu trouxe mais novidades aqui pro Brasil. Entrei no ramo de concreto, de construir casas também. Tubos, concreto, muitas coisas pré-moldadas. Trouxe máquina de lá, sim, as nossas instalações são todas italianas. Fabrico concreto e fazemos tubo pra Sabesp, hoje o tubo é nosso, é a segunda maior fábrica do Brasil, nós fornecemos o Brasil inteiro, tudo pra Sabesp, tubos de esgoto, que é a marca Midea, meu sobrenome.


FRANCO LUPERI
(de Livorno)

Durante a guerra, a minha esposa fez a primeira comunhão com os brasileiros. Foram eles que fizeram a festa, tinha inclusive biscoitos Aymoré. Ela conheceu muitos deles lá na Itália, durante a Segunda Guerra. Foram sempre muito bem recebidos e aceitos pelas famílias e por todos em geral. Posso dizer que são povos irmãos. Diferentes, e muito, de outros aliados como os ingleses e americanos, que não deixaram absolutamente uma boa impressão e nem lembranças agradáveis. Principalmente os americanos, que chegaram ao cúmulo de jogar fora no esgoto grandes panelas de comida, na frente de crianças famintas, e olhando bem para elas, que moravam em espécies de tendopolis [favelas], pobres, desnutridas e descalças.
(...) Na Embraer ajudamos a construir o Xavante, o MAC 308, e desenvolvemos a parte que se refere a medição óptica da montagem do primeiro Bandeirante. Os meios de construção do primeiro avião eram métodos rudimentares. Não sei, até hoje, como conseguiu voar. Os conhecimentos eram válidos, o entusiasmo contagioso, mas os meios à disposição eram bastante escassos e primitivos, pois no Brasil não existiam equipamentos indispensáveis para a colocação em obra dos componentes do avião; foram importados da Itália.
Eu fiz toda a tradução do procedimento do italiano para o português. E, na ocasião, tive que fazer todo um estudo da montagem da primeira parte do Bandeirante. A parte industrial do avião é minha, não o projeto. Como se devia fazer, os meios de utilização das máquinas, das ferramentas e a descrição passo a passo da montagem. Tanto é que, no Bandeirante, a parte de minha responsabilidade, da frente até a cabina de pilotagem, era a única montada em pé. Foi um belo desenvolvimento do qual tenho orgulho. Eu gostei de ter realizado aquilo.

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