| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Enquete | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 215 - 2 a 8 de junho de 2003
.. Leia nessa edição
::Capa
::Pouco investimento em P&D
::Controle de doença de granja
::Lei de Inovação
::Assentamentos na cadeia
produtiva
::Imigração italiana pós-guerra
::Rótulos que omitem informações

::Ambiente de trabalho

::Nanociêcia
::Unicamp na imprensa
::Painel da semana
::Oportunidades
::Teses da semana
::Newton da Costa
::Legião microbiana
 

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Levantamento inédito revela que núcleos
impulsionam a economia de cidades onde estão instalados


Unicamp dimensiona papel de
assentamentos na cadeia produtiva

MANUEL ALVES FILHO

Os assentamentos rurais consolidados no Brasil ao longo das duas últimas décadas proporcionaram uma elevação significativa da qualidade de vida das famílias atendidas. Além disso, também trouxeram impactos positivos para as regiões onde estão localizados, notadamente nos segmentos econômico, social, político e agrário. A constatação faz parte de estudo inédito realizado entre 1997 e 2001 por pesquisadores da Unicamp e das universidades federais de Sergipe, Acre, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Rural do Rio de Janeiro, cujos resultados estão sendo divulgados agora. Os dados apurados pelo trabalho reforçam a tese da importância da reforma agrária como estratégia de geração de emprego e renda e melhoria do acesso à alimentação, saúde, educação e habitação para uma parcela importante da população.

Embora não seja exatamente um senso nacional, a pesquisa permite uma visão apurada dos resultados alcançados pela política agrária adotada pelo governo federal, com base em seis diferentes Estados. À Unicamp coube analisar os assentamentos em São Paulo. Assim, foram considerados os núcleos Sumaré I e II, Fazenda Bela Vista Chibarro (Araraquara), Fazenda Reunidas (Promissão), Estrela D'alva , Fazenda Santa Clara e Fazenda São Bento, os três últimos em Mirante do Paranapanema. Ao todo, eles abrigam 1.108 famílias. De acordo com a professora Sonia Maria Pereira Pessoa Bergamasco, da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, coordenadora do trabalho no âmbito paulista, o estudo adotou uma metodologia única.

Professora Sonia BergamascoOs pesquisadores tomaram o cuidado de escolher assentamentos com características e situações variadas. "Selecionamos núcleos grandes e pequenos, antigos e recentes e, sobretudo, os que apresentavam diferentes composições políticas, sociais e demográficas", explica a docente. O levantamento primário de dados foi realizado por meio da aplicação de questionários e de entrevistas diretas com os assentados (amostragem de 15%) e as lideranças destes, técnicos extensionistas, prefeitos, vereadores, comerciantes, presidentes de associações comerciais, gerentes de bancos e representantes de cooperativas.

Conforme a sondagem, a maioria absoluta dos assentados afirmou ter conquistado uma melhor qualidade de vida após a obtenção da terra. Cerca de 58% deles avaliaram, por exemplo, que houve uma elevação de seu poder de compra, contra 16% que disseram acreditar ter ocorrido o contrário. Para 26% dos trabalhadores rurais a situação permaneceu inalterada nesse aspecto. O levantamento realizado pelos pesquisadores da Unicamp constatou que a renda líquida total das famílias na época da pesquisa era de R$ 320,12, em média, por mês. O cálculo compreende os recursos obtidos com as atividades realizadas dentro e fora do lote. O rendimento médio proporcionado exclusivamente pelo lote era de R$ 273,64. Em Sumaré I e II, esse valor foi de R$ 296,15.

A percepção dos entrevistados no que se refere à alimentação, quando comparada com a situação anterior à conquista do lote, era de melhoria na maior parte dos casos (72,27%). Apenas 2,52% afirmaram que as condições pioraram no assentamento. No entender de 20% não houve mudança significativa. Entre as famílias pesquisadas, 37,62% afirmaram ter adquirido automóveis. "No geral, a avaliação por parte dos trabalhadores rurais foi de que a vida melhorou em todos os sentidos depois que foram assentados, inclusive em relação à saúde [69%], educação [78%], habitação [82%] e segurança [75%]", relata a professora Sonia.

Impactos externos - Os assentamentos não trouxeram vantagens apenas para as famílias dos ex-sem-terra. De acordo com a pesquisa, os núcleos rurais também proporcionaram ganhos para os municípios e até mesmo para as regiões onde estão situados. Os impactos positivos, afirma a professora Sonia, variam conforme a integração desses núcleos com a economia e a sociedade locais. Sumaré I e II, por exemplo, não chegaram a dar uma contribuição importante à economia ou à demografia da cidade de mesmo nome, uma vez que esta é industrializada e conta com uma população superior a 200 mil habitantes.

"Em Sumaré, a contribuição se deu na esfera política", explica a docente da Feagri. De acordo com ela, as famílias assentadas no município vizinho à Campinas têm uma forte atuação em sindicatos, movimentos sociais e organizações não-governamentais. Um exemplo da importância dessa participação foi a nomeação de um dos assentados para integrar a atual Administração Municipal. Ulisses Nunes, uma das lideranças dos trabalhadores rurais, responde pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento de Sumaré, que é governada por um prefeito do PPS.

Já em Promissão, o assentamento da Fazenda Reunidas alavancou a economia local, revitalizou a área urbana e ainda provocou um avanço demográfico. Sozinho, o núcleo passou a responder por aproximadamente 10% da população do município, de 30 mil habitantes. "Todos os entrevistados destacaram a importância do assentamento para a região. Graças à produção das famílias, um volume maior de dinheiro passou a circular, o que incentivou a abertura de novos pontos comerciais. De acordo com estimativas do prefeito de Promissão, a arrecadação do ICMS cresceu cinco vezes por causa do assentamento", relata a professora Sonia.

Luís Sinésio da Silva: participando dos destinos de sumaréEmbora em menor proporção, o mesmo foi verificado em relação aos assentamentos em Mirante do Paranapanema. Lá, diz a coordenadora da pesquisa, verificou-se também uma revitalização do meio rural, bem como uma melhor distribuição de terras. A população rural, que era de 4.656 pessoas, pulou para 6.377 em Mirante. Em Teodoro Sampaio, município vizinho, o número de habitantes no campo não cresceu, mas deixou de cair drasticamente como vinha ocorrendo na fase anterior à chegada dos trabalhadores rurais.

Por fim, em Araraquara, predominou um outro cenário. "A presença de um assentamento envolvendo centenas de famílias no interior do principal pólo sucroalcooleiro de São Paulo, no qual são empregados milhares de trabalhadores rurais assalariados, tornou-se um importante ícone de resistência ao modelo de agricultura patronal e agroindustrial vigente na região. Além disso, a experiência mostrou que, além da cana-de-açúcar e da laranja, é possível praticar uma produção diversificada, por meio do fortalecimento da agricultura familiar", analisa a especialista da Unicamp.

A professora Sonia ressalta, porém, que todas esses avanços foram registrados a despeito da ausência de apoio financeiro e/ou tecnológico por parte dos organismos estatais. "Embora os impactos internos e externos dos assentamentos tenham favorecido o desenvolvimento socioeconômico local e regional, há um enorme potencial ainda a ser aproveitado. Para isso, é preciso que o Estado ofereça uma política mais consistente para o setor, de modo que haja uma dinamização ainda maior de toda a economia regional", avalia. O relatório completo da pesquisa, que foi financiada pela Finep e contou com o esforço de cerca de 30 docentes e pós-graduandos, estará brevemente disponível em CD-Rom. Um livro contendo seis artigos sobre o trabalho também está em fase de elaboração.

Cidadania e qualidade de vida

Quando a pesquisa coordenada pela professora Sonia Maria Pereira Pessoa Bergamasco foi iniciada, havia apenas os assentamentos I e II em Sumaré. Posteriormente, surgiu um terceiro núcleo. Ao todo, eles abrigam atualmente 65 famílias. Cada uma delas trabalha e vive em um lote com cerca de sete hectares. A goiaba e a acerola são os carros-chefe da produção, constituída ainda por milho, mandioca, hortaliças e algumas culturas de subsistência. Lá, não há sinal de miséria. "Felizmente, nossos assentamentos comprovam a viabilidade da realização da reforma agrária no Brasil", afirma Luís Sinésio da Silva, 37 anos, um dos coordenadores do Assentamento II.

Sinésio avaliza os resultados do levantamento. De acordo com ele, a qualidade de vida dos trabalhadores rurais melhorou muito depois da conquista da terra. Não há fome nem desemprego, as moradias são dignas (contam com luz elétrica, telefone e água potável) e o acesso à saúde e educação são mais fáceis hoje do que anteriormente. O poder de compra também sofreu um avanço. "Várias famílias têm um carrinho. São usados, mas são delas", conta. Isso sem falar na questão da cidadania. "Hoje, estamos perfeitamente integrados com o restante da sociedade. Não sentimos mais o preconceito do qual éramos alvo no começo. Na festa de 18 anos do Assentamento II, recebemos um grande número de pessoas da cidade", exemplifica.

A integração a que ele se refere pode ser avaliada pela participação do movimento em várias instâncias. Os ex-sem-terra têm assento em conselhos municipais e nas discussões do Orçamento Participativo. Também têm contribuído para a expansão do turismo rural em Sumaré. "Nós participamos dos destinos do município como qualquer outro cidadão", afirma Sinésio. A influência política dos trabalhadores rurais, destaque-se, é grande. Além de terem um representante na Prefeitura, eles fundaram o sindicato da categoria e uma outra entidade que congrega os agricultores familiares.

Na opinião do líder dos assentados, essa trajetória está de acordo com a proposta do movimento sem-terra. "Primeiro, resolvemos os problemas pessoais, como o desemprego, a fome e a falta de moradia. Depois, passamos a contribuir com o desenvolvimento da sociedade, principalmente com a oferta de produtos baratos e com qualidade para a população". Esse aspecto, aliás, é o que mais tem preocupado as famílias assentadas em Sumaré.

Conforme Sinésio, elas não conseguem fugir da ação do atravessador, que representam um encargo tanto para o produtor quanto para o consumidor final."Infelizmente, ainda estamos nas mãos deles. A caixa de abobrinha que eu vendo a R$ 10,00 vai chegar ao Ceasa por R$15,00. O atacadista, por sua vez, vai vender a R$ 18,00 para o supermercado. Imagina quanto a dona de casa não vai pagar pelo quilo do produto?", questiona.

O coordenador do Assentamento II faz questão de ressaltar o apoio que as famílias recebem de diversas instituições de ensino e pesquisa, entre elas a Unicamp. "Os professores e alunos vêm aqui estudar a nossa realidade, mas deixam resultados práticos. Hoje, nossos filhos já têm contato com a internet, como conseqüência dessas parcerias. Somos trabalhadores rurais, mas isso não significa que temos que ficar só no cabo da enxada", afirma.


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