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Jornal da Unicamp - 17 a 23 de junho de 2002
Agora semanal


Economia

Guerra com testemunhas

Tese revela bastidores da batalha dos incentivos
fiscais nos Estados e municípios

Isabel Gardenal


A concessão de incentivos fiscais sempre foi utilizada pelos governos - nas esferas municipal, estadual e federal - para alavancar a industrialização. Os seus mecanismos abrangem desde o fornecimento de crédito e infra-estrutura até reduções, isenções e diferimentos tributários. Estes incentivos são praticados pelo menos desde a década de 60, mas a partir de 90 se generalizaram, provocando o acirramento da guerra fiscal no país, com disputa generalizada por novos investimentos. O governo federal perdeu as rédeas das negociações, assumidas pelos Estados até hoje.

As operações de isenção e diferimento do principal imposto estadual (ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) têm sido os instrumentos adotados na guerra fiscal. Este fato gerou um questionamento técnico aparentemente lógico: se haveria conseqüências negativas dessa prática sobre os já debilitados orçamentos estaduais. E formou-se um senso-comum acerca dos péssimos reflexos sobre a economia local.

Apesar do predomínio dessa opinião, na dissertação "Guerra fiscal e finanças federativas no Brasil: o caso do setor automotivo", apresentada ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp, a pesquisadora Maria Abadia Alves, escorada em trabalhos como o de seu orientador, professor Sérgio Prado, demonstrou que a guerra fiscal pode não levar à degradação da situação fiscal dos Estados que a praticam, embora invariavelmente produza efeitos perversos para o País.

Para maior sustentação de sua premissa, a autora estabeleceu como finalidade do estudo a avaliação do impacto da guerra fiscal nas finanças públicas, sem considerar os ganhos trazidos pelas empresas, como empregos e a modernização dos parques industriais.

Hipóteses simplificadoras - A pesquisadora desenvolveu um estudo de caso no qual foi analisada a implantação das montadoras de automóveis General Motors, Mercedes-Benz e Renault, situadas no sul e no sudeste do Brasil, por meio de estimativas de custo fiscal para a instalação da planta automobilística das três.

Todas as montadoras receberam incentivos básicos como terreno, auxílio para infra-estrutura e crédito para compra de equipamentos, categorias ligadas aos benefícios orçamentários. Graças ao adiamento da cobrança do ICMS, benefício tributário, o Estado acabou por proporcionar capital de giro às montadoras, o que normalmente favorece seus negócios, enquanto as empresas já instaladas enfrentam pesadas cargas tributárias e altas taxas de juros.

Para chegar às estimativas no caso das três empresas automotivas, utilizaram-se algumas simplificações. Não foram consideradas a inflação no período do contrato e a variação cambial (dólar constante). Além do mais, a produção dos automóveis foi a mesma prevista no contrato.

Segundo a pesquisadora, essas projeções simplificam ao máximo os cálculos porque são contratos que deverão expirar entre dez e 20 anos. Por ser difícil de prever o que acontecerá com a economia até lá, decidiu-se também fixar em zero tanto a inflação quanto a correção monetária.

Dimensão dos incentivos - A economista chegou ao achado de que os subsídios oferecidos ficarão em torno dos investimentos iniciais efetuados pelas empresas.

No caso da fábrica Mercedes-Benz, de Juiz de Fora (MG), os incentivos dados a ela por 22 anos somam R$ 690,7 milhões e acarretarão investimentos da ordem de R$ 695 milhões. Os R$ 759,6 milhões de subsídios orçamentários e fiscais concedidos à General Motors, em Gravataí (RS), para carência de 29 anos, serão superiores ao capital investido na sua construção, que foi de R$ 600 milhões. O total de subsídios da Renault, de São José dos Pinhais (PR), de R$ 353,7 milhões, por dez anos, ficará abaixo do capital inicial investido – de R$ 1 bilhão.

A somatória dos três casos resultou um volume total de subsídios de R$ 1,8 bilhão, e o fato de considerar inflação zero e ausência de variação cambial pode indicar que este valor foi subestimado, devendo ser ainda maior.

A fórmula sugerida por Maria Abadia é simples. “Há pouco tempo, os métodos consistiam em apenas somar valores. Passamos então a deduzir as parcelas que a empresa devolveria, atualizando-as”, explica. “A imprensa mesmo superestimava os dados, somando, por exemplo, o crédito obtido do governo e o valor do ICMS a ser postergado, mais o valor do terreno e mais o da infra-estrutura, deixando de considerar que a empresa pagaria o empréstimo e o ICMS diferido (em condições vantajosas), a posteriori.”

O cálculo do subsídio do terreno foi realizado a partir do valor de mercado do terreno e esta importância foi desembolsada pelo Estado. No caso da General Motors, o Estado comprou um terreno de R$ 12 milhões e o vendeu para a empresa por R$ 1 milhão. O subsídio foi de R$ 11 milhões. Quer dizer, o Estado pagou R$ 12 milhões, recebeu apenas R$ 1 milhão pela compra e arcou com o prejuízo.

Por outro lado, a infra-estrutura foi calculada com base na estimativa de técnicos. Mas, quando verificados os créditos e a isenção do ICMS, o negócio mudou de figura: seria importante considerar o desembolso da empresa no futuro.

A autora da dissertação escolheu trazer para o valor presente, na data de assinatura dos contratos entre montadoras e respectivos Estados, os valores desses empréstimos e dos pagamentos que a empresa faria.

Muito dinheiro, pouco emprego

s benefícios orçamentários exigem desembolso imediato pelo governo. Já, os tributários, não necessariamente, pois o Estado abre mão de uma arrecadação que não existia antes da instalação do novo investimento. Assim, não obstante alguns incentivos implicassem desembolso de recurso por parte do Estado, este é pequeno comparativamente à isenção do ICMS. Em outras palavras, é um bom negócio para o Estado, já que ele gasta pouco perto do que isenta do imposto.

Com o fim do período de subsidiamento, a empresa passa a pagar o ICMS normalmente, elevando o patamar da arrecadação estadual. É desta forma que, na implantação das empresas, o Estado não conta com a receita do ICMS. Em médio e longo prazos, ela virá a ser suprida e poderá tornar exeqüível, para o governo, a concessão dos subsídios.

Para o país como um todo, as conclusões não são tão favoráveis. Hipoteticamente, se esses três investimentos da indústria automotiva ocorressem no país, independentemente dos incentivos fiscais (o que é um bastante plausível, na medida que as decisões de investimento são guiadas por fatores extrafiscais), o volume total de subsídios se constituiria um desperdício de recursos para a Federação.

Os Estados analisados abriram mão de R$ 1,8 bilhão a fim de assegurar um investimento que viria de qualquer maneira para o Brasil. Os governos estaduais ofereceram este elevado montante para três grandes empresas oligopólicas, que podem conseguir crédito facilitado no mercado internacional, ao passo que muitas empresas nacionais, principalmente as de pequeno porte, enfrentam grandes dificuldades de financiamento e geram um número muito maior de empregos do que a indústria automobilística.

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