| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição Temática 402 - 14 de julho a 2 de agosto de 2008
Leia nesta edição
Capa
Opinião
A receita do equilíbrio
Palha e bagaço
Uma meta a cumprir
Produtividade com baixo impacto
Terapia em construção
Adensar para manter o verde
Cientista não é biopirata
Muito além do ativismo
O futuro humano
Uma equação que não fecha
A corda e a caçamba
A chave do tamanho
Percepção pública da ciência
Amplo painel
Novas leituras do consumo
O espaço do indeterminado
O estranho íntimo
 


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O espaço indeterminado

ÁLVARO KASSAB

O professor Renato Ortiz, do IFCH: “1968 pode ser visto como uma metáfora”  (Foto: Antoninho Perri)"O que 1968 nos ensina é que a ordem social, qualquer que seja ela, nunca é imutável. Nas suas frestas insinuam-se as inconsistências – dizia-se antes, as contradições. Neste sentido, 68 pode ser visto como uma metáfora. Ela é uma janela para o futuro, um espaço no qual se aninharia o indeterminado”. A opinião é do sociólogo Renato Ortiz, que participa no dia 18 da mesa-redonda “1968: 40 anos depois”. Nesta entrevista, o professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp analisa a dimensão simbólica e histórica dos acontecimentos do período e seus reflexos no mundo contemporâneo.

Jornal da Unicamp – Quais são, na sua opinião, as dimensões simbólica e histórica dos episódios de 1968. Eles sintetizaram, de alguma forma, o século XX?

Renato Ortiz – Creio que é necessário dizer, antes de mais nada, de que 68 estamos falando. A data é emblemática quando se refere ao Maio francês, mas sua extensão a outros contextos deve ser feita com uma certa prudência. O Brasil de 68 não é a França de 68. O espírito libertário que soprava partilhava alguns elementos comuns, mas ele era também distinto. Na França a revolta foi uma surpresa, uma espécie de “falha” geológica da sociedade capitalista, como se subitamente o seu solo desmoronasse. O 68 francês não foi programado, tampouco era um movimento programático. Ele tinha como alvo crítico qualquer tipo de programa ou ideologia, da Igreja ao Partido Comunista, da família ao liberalismo.

No Brasil, lutava-se contra a ditadura e o ideal socialista era uma utopia palpável, encarnada em partidos políticos que, em princípio, o implantariam. Na França lutava-se contra a noção de partido; no Brasil almejava-se a criação de novos partidos, desde que, claro, fossem revolucionários. Talvez fosse possível dizer que os movimentos, brasileiro e latino-americano, sintetizavam, de alguma forma, as aspirações políticas que floresceram ao longo do século XX. Maio de 68 marca provavelmente o início de uma outra época.

Cenas das manifestações em Paris em maio de 1968: para Renato Ortiz, “a política invade o espaço simbólico da cultura para materializar-se no cotidiano” (Foto: Reprodução)JU – Quais das utopias do período ainda sobrevivem?

Renato Ortiz – Vou desdobrar a pergunta em duas dimensões: 1) quais as utopias que sobrevivem e 2) é possível uma utopia no mundo contemporâneo? A resposta varia em função do que estamos considerando. Os movimentos latino-americanos, cujos ideais eram o socialismo ou o comunismo, fazem parte de todo um processo que se inicia com a modernidade do século XIX. Ao longo do século XX ele se consolida e se expande – revolução russa, cubana, advento dos sociais-democratas na Europa etc. Este ideário da esquerda entrou em crise, embora não tenha desaparecido. Crise significa: não possui a mesma legitimidade que antes desfrutava. Não se deve esquecer que o século XX foi calcado num conjunto de experiências que muitas vezes se realizaram de maneira perversa – penso no stalinismo. Dizer, porém, que este ideário, mesmo em crise, permanece significa considerá-lo no interior de um outro contexto. Daí a indagação: “qual seria uma proposta socialista para o século XXI?”. Somos incapazes de dar uma resposta convincente para tal questão.

Neste sentido, uma nova utopia necessitaria de uma outra formulação, conseguindo projetar “à frente” a esperança coletiva. Porém, se fizermos a pergunta da segunda maneira, eu diria que Maio de 68, por ser uma “brecha” na ordem da sociedade, uma “falha” no status quo, nos ensina que o futuro, apesar de todas as tendências objetivas que o definem, encerra um elemento aleatório. Neste nicho encerra-se o espírito utópico.

 (Foto: Reprodução)

JU – Quais são, na sua opinião, as mudanças comportamentais tributárias de 68?

Renato Ortiz – É difícil responder a este tipo de pergunta sem cairmos num certo reducionismo. Não se pode atribuir as mudanças comportamentais apenas a um movimento político específico. Elas decorrem de um conjunto de transformações, sociais, culturais, econômicas e até mesmo demográficas – por exemplo, o tamanho da unidade familiar. Eu diria, entretanto, que o 68 francês avança um elemento novo, que posteriormente ficará mais explícito com o caminhar dos anos. Eu me refiro à idéia de que a política encontra-se, também, fora das instituições consagradas – partido, governo, sindicato – e se estende para as práticas comportamentais. Ela invade o espaço simbólico da cultura para materializar-se no cotidiano.

JU – Os operários tiveram um papel importante nas manifestações de 68. Contudo, viu-se depois, muitas das conquistas caíram no limbo. A flexibilização, o desemprego e o discurso (predominante) das estruturas enxutas acabaram prevalecendo, esvaziando sobremaneira o papel dos sindicatos, sobretudo a partir dos anos 90. O que ocorreu?

Renato Ortiz – Eu faria novamente a distinção entre o 68 francês e o brasileiro. No caso francês, os atores principais da revolta – os estudantes – tinham a ilusão de eliminar os sindicatos da luta política e romanticamente pensavam estabelecer uma relação “sem intermediários” entre os ideais da revolta e o “povo”. Não se deve esquecer: lutava-se também contra as lideranças comunistas e sindicais. Elas teriam se “aburguesado”. No Brasil, o movimento sindical, após o golpe de 64, foi desmantelado pelo governo autoritário. Em 68 os estudantes pretendiam estar juntos com o que restava do movimento sindical na sua luta contra a intransigência ditatorial. A questão da flexibilização do trabalho é de outra natureza. Ela diz respeito às transformações estruturais do mundo do trabalho, e dificilmente poderiam ser imediatamente associadas ao quadro político da época.

JU – Há quem defenda a tese de que o capitalismo não apenas mimetizou muitas das bandeiras anticapitalistas do movimento como soube usá-las para causar uma espécie de “entorpecimento” de uma sociedade que teria caminhado a passos largos para o individualismo – e, não raro, para o conservadorismo. O senhor concorda com essa tese?

Renato Ortiz – Eu desconfio das teses que situam as transformações históricas, para falar como os marxistas, apenas na “superestrutura” da sociedade. Maio de 68, principalmente o francês, tinha um forte elemento existencialista, ou seja, individual. O Ser da revolta era um Eu que não queria resignar-se à ordem institucional estabelecida – da família ao partido. Mas ele diferia do existencialismo tipo sartriano. A revolta era individual, porém, somente poderia se manifestar como algo coletivo. Foi esta junção entre indivíduo e sociedade, pessoal e coletivo, que tornou a explosão fascinante, e de uma certa forma inédita.

O individualismo da sociedade de consumo tem traços em comum com a revolta anterior. Não se pode negar isso. Um deles diz respeito ao uso da dimensão simbólica na esfera da política. Mas não nos esqueçamos: 68 paralisou todo um país, mobilizou intelectuais, artistas, operários, o governo e as forças policiais, o que é distinto de uma festa rave na qual após a descarga frenética das emoções individuais, todos retornam ao lar.

JU – Uma das bandeiras de 1968 era o discurso contra a sociedade de consumo – em última instância contra a “mercadorização”. Porém, o mercado – e conseqüentemente o consumo – avançou sobre todos os quadrantes do planeta. O que deu errado?

Renato Ortiz – Se pensarmos que Maio de 68 tinha uma proposta política, certamente diríamos: algo deu errado. Mas creio que 68 não continha nada desta natureza. Tratava-se, como diziam os franceses, de um “acontecimento”, algo que nos desvendava, não a forma como deveríamos atuar, mas muito mais a idéia de que o “sonho” era possível.


JU – Em que medida, na sua opinião, a globalização pulverizou – ou banalizou – as conquistas pós-68?

Renato Ortiz – A globalização da economia e a mundialização da cultura configuram uma nova situação na qual se organiza a ordem mundial. Isso tem implicações políticas que vão muito além do tema de 68. A existência de uma modernidade-mundo, na qual operam instituições transnacionais, a emergência de uma esfera planetária do consumo, redimensionam a forma de se fazer e pensar a política – que já não mais se limita ao Estado-nação. Não se trata apenas das “conquistas de 68”, é todo um quadro político que se redefine.

JU – As bandeiras hoje são outras, a começar da própria sobrevivência da espécie, em todas as suas dimensões – na ambiental, nas hordas de imigrantes, no sem número de excluídos, no advento de novas tecnologias (e suas conseqüências) etc. O senhor acredita no advento de um novo 68?

Renato Ortiz – As bandeiras são certamente outras. Há inclusive o surgimento de utopias novas como a Ecologia – embora não me seduzam tanto, malgrado sua importância inconteste – e até mesmo o ressurgimento de esperanças de natureza religiosas. Muito se falou sobre o “fim das utopias”. Eu sempre fui cético em relação a certas posturas intelectuais: “fim” da história, das ideologias, da cultura de massa, da arte, do trabalho. Esse tipo de afirmação tem muito de retórico e pouco de realidade. O que 68 nos ensina é que a ordem social, qualquer que seja ela, nunca é imutável. Nas suas frestas insinuam-se as inconsistências – dizia-se antes, as contradições. Neste sentido, 68 pode ser visto como uma metáfora. Ela é uma janela para o futuro, um espaço no qual se aninharia o indeterminado.

O diálogo é a violência

Estudantes da USP deixam o prédio da Maria Antônia, em São Paulo; abaixo, tanque em rua do Rio no dia do golpe:  jornais mostram a polícia como a força necessária para a manutenção da ordem (Foto: Siarq)Na opinião da socióloga Maria Ribeiro do Valle, o 1968 brasileiro guarda peculiaridades que o descolam da conjuntura internacional, embora não estivesse totalmente desvinculado de movimentos registrados em outros países, sobretudo na América Latina. A especialista debruçou-se sobre o período. Suas investigações resultaram no livro 1968: o diálogo é a violência – Movimento Estudantil e Ditadura Militar no Brasil, a ser lançado pela Editora da Unicamp dia 18 durante a Feira do Livro da SBPC. Na obra, a docente do Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp (Araraquara) detém-se nos fatos que causaram o endurecimento do regime militar no país – e a reação subseqüente. A morte do estudante Edson Luís, a Sexta-Feira Sangrenta, a Passeata dos Cem Mil, a Guerra da Maria Antônia e o 30º Congresso da UNE, realizado em Ibiúna, são alguns dos episódios reconstituídos pela professora no livro. Na entrevista que segue, Maria Ribeiro do Valle, que participa de mesa-redonda sobre o tema no dia 18 na SBPC, analisa a conjuntura da época.

 (Foto: Agência Estado)Jornal da Unicamp – Quais os fatos que diferenciam e aproximam o 1968 brasileiro da vaga internacional?

Maria Ribeiro do Valle – Acredito que seja preciso desconectar o Brasil da conjuntura internacional para dar a devida importância ao que ocorreu no país. A grande imprensa passou a “comemorar” 1968 a partir do maio francês. Acho essa visão um tanto eurocêntrica, mesmo porque nosso 68 começou em janeiro, com a passeata no restaurante Calabouço, que, em março, seria invadido pela polícia. A invasão resultou no assassinato do estudante Edson Luís, o primeiro da ditadura militar. Cerca de 50 mil pessoas compareceram ao enterro.

Para efeito de comparação, basta dizer que foi o mesmo número de pessoas que participou do enterro de Getúlio Vargas, em 1953. Enfim, era muita gente na rua – e estamos falando numa época de ditadura. O episódio teve uma repercussão muito grande, mobilizando grande parte da sociedade brasileira. Ademais, a morte de Edson Luís é simbólica, já que se torna um marco do movimento estudantil na passagem da luta contra a ditadura na medida em que os estudantes passam a defender a violência revolucionária para tentar transformar o regime.

Por exemplo, a morte de Che Guevara, em 1967, repercute no Brasil. Este e outros episódios interferem nas diferenças entre o maoísmo, o guevarismo e outras tendências no que diz respeito àquelas defendidas pelo movimento estudantil. Mas isso ocorre a partir de um movimento que está acontecendo no país, e não o contrário. Temos que ter consciência da importância do Brasil nesse processo.

Não que não tenha havido simultaneidade no âmbito da conjuntura internacional – a guerra do Vietnã, a revolução cultural na China, o movimento negro nos Estados Unidos, entre outros exemplos, transcorreram no mesmo período. Muitas vezes esses acontecimentos repercutem em outros países. Entretanto, acho que não dá para colocar a conjuntura brasileira a reboque da internacional.

A Passeata dos Cem Mil, realizada no Rio de Janeiro: manifestação foi chamada de “Marcha da Família às avessas” (Foto: Evandro Teixeira)

'A conjuntura brasileira não ficou a reboque da internacional'

JU – Ela não foi determinante.

Maria Ribeiro do Valle – Há a especificidade brasileira, que pode ser traduzida na luta estudantil, cujas vertentes mais visíveis são as reivindicações pela reforma universitária e pelo ensino gratuito – a questão dos excedentes e o acordo MEC-Usaid se inserem nesse contexto –, e a luta política, que é contra a ditadura militar. Vem daí a importância do movimento estudantil, já que ele é um dos principais atores na luta contra a ditadura. Por isso, também coloco minha ênfase na dimensão política desse movimento.

Tivemos as greves em Osasco e Contagem, a dimensão cultural e comportamental – que também foram muito importantes – mas os estudantes eram os grandes protagonistas, até por serem de classe média e pela própria repercussão que as manifestações tiveram na mídia. Nesse contexto, as mobilizações e os assassinatos ganhavam as ruas e atingiam a população. Havia uma visibilidade pública muito grande.


JU – O fato de os estudantes serem de classe média teve algum peso nessa conjuntura?

Maria Ribeiro do Valle – A classe média e, portanto, parte dos estudantes, no momento do golpe de 64, vai apoiar os militares. Esse quadro muda anos depois. Um exemplo emblemático foi a Passeata dos Cem Mil, que ocorreu uma semana depois da Sexta-feira Sangrenta, na qual foram mortos 28 populares em passeata convocada pelos estudantes no Rio. A Passeata dos Cem Mil é inclusive chamada de Marcha da Família às avessas, numa referência explícita à Marcha da Família com Deus pela Liberdade, por meio da qual a classe média manifestava apoio aos militares.

Fica claro, em 1968, quando a repressão do regime fica mais visível, que a classe média queria participar da política. Ela apóia o golpe contra a “subversão”, mas também não queria ficar fora da vida política do país. Com isso, vários apoiadores do golpe passam para a oposição.

JU – Em seu livro, a senhora mostra como a violência emergiu do “diálogo” entre o movimento estudantil e a ditadura militar. Quais foram as conseqüências desse embate no cenário político e na sociedade?

Maria Ribeiro do Valle – Em 1966, a UNE é retomada pelos estudantes de esquerda. Já neste ano os estudantes se manifestavam, mas corriam da repressão – a tática era outra. Em 1968, porém, os estudantes passam para o enfrentamento. No episódio da morte do Edson Luís, por exemplo, eles dizem que “neste luto começa a luta”. Eles passam a adotar a violência para enfrentar as ações da polícia do regime.

JU – Passam a adotá-la como tática?

Maria Ribeiro do Valle – Exatamente. Eles passam a defender a violência dentro do registro da violência revolucionária. Por sua vez, a ditadura já tem, em janeiro de 1968, a proposta de um ato institucional que feche o regime, o que acabou resultando na decretação do AI-5, no final do ano. Tínhamos, então, da parte da chamada linha dura, uma tentativa de criar, a partir desses embates com o movimento estudantil, um bode expiatório para a decretação deste ato.

JU – Qual era o discurso que legitimava a adoção de medidas discricionárias?

Maria Ribeiro do Valle – Eles diziam que a violência era utilizada pelos estudantes e que, por conta disso, não restava outra alternativa ao governo que não fosse a repressão.

JU – Na época havia no movimento estudantil uma miríade de tendências. Elas conviviam sem conflitos? Em que medida o discurso do governo de que havia divergências no interior do movimento interferiu nas ações?

Maria Ribeiro do Valle – É preciso ler o movimento estudantil enquanto movimento de massas. Por mais que ele fosse feito por estudantes das mais variadas tendências, nesses episódios os estudantes “fechavam”. Registravam-se as disputas internas, mas a partir do momento em que uma das posições saía vitoriosa, eles se uniam. Houve sim uma tentativa do governo e da própria imprensa de divulgar enfaticamente a divergência no interior do próprio movimento para combatê-lo mais facilmente.

No primeiro semestre, os principais episódios são no Rio de Janeiro. E aí, fica muito evidente, tanto com a morte do Edson Luís como na Sexta-Feira Sangrenta, que a polícia é a grande “culpada” pela violência. Em julho, as passeatas são terminantemente proibidas. A partir daí, os estudantes que defendiam a luta de massas nas ruas – que preconizava a utilização da violência – vão em busca de uma nova tática. Eles partem então para a ocupação “militar” das faculdades. A mais importante delas foi a ocupação da Filosofia da USP que desemboca na Guerra da Maria Antônia, em outubro. Com isso, os estudantes que defendiam as ações de massa já estavam derrotados. Não havia mais jeito de convocar passeatas.

A partir daí, os protagonistas passam a ser os estudantes favoráveis a uma vanguarda armada. Tanto a Guerra da Maria Antônia como o 30º Congresso da UNE, em Ibiúna, que é o último episódio do movimento estudantil de repercussão nacional em 68, estão no contexto da militarização do movimento estudantil. Tanto que o Congresso de Ibiúna era clandestino. Foi pensado sob essa ótica da luta armada.

JU – Sua obra revela, em abordagem inédita, como a imprensa, ao sabor das circunstâncias, apoiou as medidas discricionárias do regime militar. Este apoio legitimou a barbárie?

Maria Ribeiro do Valle – A imprensa, por mais que apoiasse o regime, dava muita visibilidade aos combates e à repressão policial. A imagem dos estudantes sendo agredidos ganhava as páginas dos jornais. Isso levava a população a reagir. Em julho, quando são proibidas as passeatas, há um grande apelo do governo para que a imprensa deixe de veicular os acontecimentos estudantis. Para os militares, a veiculação dos episódios contribuía para o apoio da população às manifestações. Já há, aí, um ensaio da censura que estaria por vir. Até esse momento, ficava claro que o responsável pela violência era a polícia.

No segundo semestre, esse discurso do governo por meio do qual, desde o início do ano, era atribuída a violência aos estudantes, começa a colar na prática com a atuação política dos estudantes, já que eles começam a defender a lutar armada, tanto na Maria Antônia como no 30º Congresso da UNE. A população, que já estava alarmada com a atuação dos militares, se volta também contra os estudantes. Em julho, por exemplo, a cidade do Rio de Janeiro estava sitiada. A imagem militarista que os estudantes começam a endossar e a admitir provoca o recuo da população.

No segundo semestre, com o recrudescimento da violência, começam a ser registrados assaltos a bancos e outras ações isoladas. O terrorismo de direita e de esquerda passa a atuar. A forte atuação do Comando de Caça aos Comunistas [CCC], que estava também alojado no Mackenzie, é emblemática nesse contexto.

Diante desse quadro, a imprensa, sobretudo a paulista, começa a falar dos extremismos. Ela passa a mostrar os estudantes como sendo os terroristas de esquerda. Tanto na Maria Antônia como em Ibiúna, os jornais mostram a polícia não mais como desencadeadora da violência, mas sim como a força necessária para manutenção da ordem. Com isso, começa a pedir uma resposta do Costa e Silva no sentido de acabar com esses extremismos.

JU – Nesse contexto, em que medida o papel da imprensa contribuiu para a decretação do AI-5, em dezembro de 68?

Maria Ribeiro do Valle – A imprensa muito contribuiu para divulgar o clima de terror, inserindo inclusive os estudantes no extremismo de esquerda e pedindo a ação “mediadora” de Costa e Silva frente à “intranqüilidade e insegurança de toda a nação” desencadeadas pelos terroristas de esquerda e de direita. Ela só não contava que, mais tarde, seria um dos grandes alvos do governo. Com o AI-5, a censura foi selada.

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