| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 386 - 25 de fevereiro a 2 de março de 2008
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Opinião

O desmatamento e o cadastro
de terras na floresta Amazônica

BAASTIAN P. REYDON

(Foto: Antonio Gaudério/Folha Imagem)o recente debate sobre as causas do desmatamento de mais três mil km2 da floresta Amazônica, nos cinco últimos meses de 2007, tem sido, como sempre, muito ideológico, com um caráter de caça às bruxas e sem apontar para soluções de longo prazo. Esta também tem sido a tônica dos debates e das políticas para a grave questão fundiária brasileira, nos últimos anos.

O atual desmatamento da Amazônia é fruto da continuidade da tradicional forma de expansão da fronteira agrícola brasileira com a ocupação de terras virgens (privadas ou públicas), a extração de sua madeira de lei, o desmatamento e a instalação da pecuária1. Estas atividades econômicas exercem o papel de gerar renda, legitimar a ocupação dos novos proprietários no curto prazo, quase sem necessidade de recursos2. No longo prazo, as terras ou permanecem com pecuária mais intensiva, ou se existir demanda, serão convertidas para grãos ou outra atividade econômica.

Mas o que importa é que existe a expectativa de que haverá demanda por esta terra3, para ser utilizada em algum momento do futuro, fazendo com que seus preços se elevem significativamente. E quanto mais próxima da utilização produtiva maior é a valorização destas terras, fazendo com que o desmatamento multiplique os seus preços por mais de 10 vezes dependendo da região e da área4. Há que se ter em conta que a especulação com terras é intrínseca às economias de mercado e é inversamente proporcional à capacidade do Estado de regular seus mercados, mas é impossível de ser estancada. Vamos portanto sempre conviver com o aumento dos valores das terras da Amazônia e com a pressão para o desmatamento de sua floresta.

Este processo de aquisição e desmatamento, que já é muito rentável em áreas privadas, torna-se muito mais lucrativo nas terras devolutas, nas quais ocorreram mais de 90% dos desmatamentos, e o custo adicional consiste de alguns capangas, armas e advogados. Isto é, no apossamento das terras devolutas, os ganhos oriundos da madeira, da pecuária e da valorização da terra se multiplicam, pois a terra em si não precisou ser adquirida, apenas usurpada do patrimônio público.

Portanto, para se viabilizar qualquer solução da problemática do desmatamento da Amazônia, há que se criar os instrumentos institucionais para regular o uso das terras privadas e ocupação privada ilegal das terras devolutas. Para o Banco Mundial [World Bank (2002:37)], a regulação dos mercados deveria ser o tema central da atuação das agências de desenvolvimento do mundo, propondo, que “as instituições formais dos mercados de terras incluam o registro dos imóveis, serviços de titulação e o mapeamento dos imóveis”. Na construção destas instituições são quatro as características que não podem ser deixadas de lado:

a) definição e administração límpida dos direitos de propriedade;

b) mecanismos simples para identificação e transferência dos direitos de propriedade;

c) compilação cuidadosa dos títulos de propriedade e livre acesso a estas informações;

d) mapeamento dos imóveis.

As instituições que regulam os mercados de terras através deste conjunto de regras são fundamentais para implementação adequada das demais políticas fundiárias: reforma agrária, crédito fundiário, tributação efetiva, zoneamento e até o planejamento territorial rural, urbano e ambiental.

Nesse sentido, para viabilizar o efetivo controle sobre as propriedades privadas e públicas e particularmente as da Amazônia há que se institucionalizar de forma mais clara a propriedade da terra, através de mudanças legais, criação de cadastro, entre outros, em suma, criar no Estado brasileiro uma instituição5 que efetivamente tenha controle sobre a propriedade da terra. O primeiro passo fundamental é, sem sombra de dúvidas, o mapeamento da realidade agrária brasileira, com indicações de áreas de terras devolutas, das reservas, identificação dos imóveis, cadastro das dívidas dos proprietários de terras com a Receita Federal (ITR), com os Bancos e com o Ibama. Isto requer mudanças efetivas de mentalidade e do uso da tecnologia disponível. A maior parte das informações existem em imagens de satélites, nos cadastros do Incra e em outros órgãos públicos. Os passos a serem dados para a consolidação de um efetivo cadastro são:

- organizar as informações disponíveis no Incra, IBGE, Embrapa, Inpe, Ibama e Receita Federal, entre outros;

- mapear as informações utilizando a moderna tecnologia disponível;

- criar um mecanismo simplificado local de confirmação ou retificação das informações cadastrais existentes;

- criar os mecanismos para convalidação legal das informações;

- criar mecanismos para atualização e socialização das informações.

O cadastro não resolve o problema do desmatamento da Amazônia, mas é condição necessária para enfrentar o problema. Pelo lado das terras devolutas, o cadastro ao permitir a identificação e o apossamento por parte do Estado destas terras, dificultará em muito seu apossamento privado e o desmatamento. Também possibilitará a utilização destas terras devolutas na execução da política fundiária brasileira, através de colonizações organizadas, reforma agrária e outros.

Nas terras privadas o cadastro permitirá, a partir do conhecimento da realidade e da discussão de prioridades para seu uso, o planejamento e a regulação do uso do solo, através de zoneamentos e outros instrumentos coercitivos. Se adequadamente fiscalizado, impedirá o desmatamento e certamente limitará a especulação com as terras, que é a principal causa do desmatamento.

Mas a condição suficiente para a diminuição do desmatamento é a capacidade do Estado de efetivamente regular a terra. O que passa por mudanças institucionais e culturais grandes. Há que se utilizar os mecanismos de fiscalização existentes e ter mecanismos de coerção que funcionem para o adequado uso do solo. Tudo isso para atingir os objetivos nacionais e globais de controlar o desmatamento da Amazônia.

Bastiaan P. Reydon é professor do Núcleo de Economia Agrícola e do Meio Ambiente da Unicamp e consultor do BID, FAO, MDA e Terra Institute, entre outros.

Notas

1 Reydon e Romeiro (2000) mostramos que o principal motor da pecuarização é, por um lado a existência de muita terra devoluta passível de ser apropriada, associada à possibilidade de, a baixos custos, instalar a pecuária tornando o desmatamento uma estratégia de valorização do capital imbatível.

2 Com frequência são estes mesmos ocupantes que se utilizam de mão-de-obra escrava.

3 Esta é decorrente do aumento de preços da arroba do boi gordo, da soja ou mesmo do anúncio que o país será o maior produtor de alcool do mundo. No final do ano de 2007 todos estes fatores convergiram, fazendo com que a demanda por terras crescesse mais ainda.

4 Reydon (2007) mostra isto para o estado do Acre.

5 O autor deste artigo participou junto com o Land Tenure Center e a USAID de um de projeto que implementou este tipo de sistema no Afeganistão.

Bibliografia utilizada:

- REYDON,B.P. (2007) A regulação institucional da propriedade da terra no Brasil: uma necessidade urgente. In: RAMOS,P. Dimensões do Agronegócio Brasileiro: Políticas, Instituiçõe e Perspectivas. Brasília MDA (NEAD – Estudos 15), 2007

- REYDON B.P.; CORNËLIA F.N. (Org.).(2006) Mercados de Terra no Brasil: Estrutura e Dinâmica. Brasília: MDA (NEAD- Debate 7) 2006

- REYDON, Bastiaan Philip; ROMEIRO, Ademar Ribeiro.(2000) Desenvolvimento da Agricultura Familiar e reabilitação das terras alteradas na Amazônia. Reforma Agrária e Desenvolvimento Sustentável, Brasília/DF, v. 1, p. 311-317, 2000.

- WORLD BANK (2002) Building Institutions for Markets World Development Report 2002. Oxford University Press. New York. NY. 249 p.

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