| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 349 - 26 de fevereiro a 4 de março de 2007
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Unicamp ocupa papel de liderança na
consolidação da entomologia forense no Brasil

Quando os insetos podem esclarecer
causas e circunstâncias de uma morte

O professor Arício Linhares, do Departamento de Parasitologia do Instituto de Biologia: entomologia forense tem sido largamente empregada nos países desenvolvidos (Fotos: Antônio Scarpinetti)China, século 13. Um homem é assassinado a golpes de foice perto de um campo de arroz. No dia seguinte ao crime, o investigador de polícia pede aos empregados daquela propriedade rural que depositem seus instrumentos de trabalho no chão. Em poucos minutos, moscas pousam numa foice específica, que apresenta traços de sangue. Diante da evidência, o dono da ferramenta confessa o homicídio. O episódio, documentado no livro "The washing away of wrongs", constituiu um dos primeiros casos de entomologia forense da história. Atualmente, esta atividade não somente é reconhecida pela ciência, como tem sido empregada, sobretudo nos países desenvolvidos, como um importante recurso para esclarecer eventuais causas e circunstâncias de uma morte. No Brasil, a entomologia forense começa a se consolidar, graças às pesquisas desenvolvidas por uma equipe do Departamento de Parasitologia do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, coordenada pelo professor Arício Linhares.

Atividade já atrai autoridades policiais

Moscas usadas em pesquisas: varejeiras normalmente são as primeiras a depositar ovos nos cadáveresA entomologia forense pode ser explicada como o estudo, para efeitos legais, de insetos e outros artrópodes (aranhas, escorpiões etc) que compõem a fauna que atua na decomposição de um cadáver. Por meio da análise desses pequenos animais, os especialistas conseguem estabelecer diversos aspectos relacionados à morte. Um deles diz respeito ao tempo mínimo decorrido entre o assassinato, no caso de um crime, e o encontro do corpo. "A entomologia forense é mais eficaz quando o período é superior a 48 horas, momento a partir do qual os métodos bioquímicos começam a ficar imprecisos. Os organismos necrófagos levam algum tempo para colonizar o corpo e começar a se desenvolver, mas seu desenvolvimento segue um padrão definido pela temperatura a que o corpo está exposto. ", explica o professor Linhares.

Para chegar a esse tipo de informação, prossegue o docente da Unicamp, os especialistas normalmente estudam as larvas mais velhas que resultam de ovos depositados nos cadáveres humanos pelos insetos, principalmente moscas. Dependendo do tamanho e peso dessas larvas, o entomologista forense identifica o seu estágio de desenvolvimento e, portanto, a sua idade. "A aparição dos insetos obedece a uma seqüência. As moscas varejeiras normalmente são as primeiras a depositar ovos nos cadáveres, atraídas pelo odor da decomposição. Ora, se elas fazem isso por volta do segundo dia e identificamos que as larvas mais velhas dessa espécie têm três dias de vida, por exemplo, nós podemos concluir que aquela pessoa está morta há pelo menos cinco dias".

O professor Linhares afirma que a entomologia forense pode proporcionar outras informações acerca de uma morte, como se o corpo foi movimentado de um lugar para outro. Ele esclarece que as espécies que costumam colonizar um cadáver variam de acordo com a localização geográfica. Ou seja, os necrófagos que se alimentam dos restos mortais de uma pessoa na zona urbana são diferentes daqueles que ocorrem na área rural. "Se identificamos a larva de uma espécie que só ocorre na zona urbana em um corpo encontrado na área rural, este é um forte indício de que o cadáver foi transferido de lugar", ensina. Além disso, a entomologia forense pode eventualmente indicar a causa de uma morte.

Segundo o docente da Unicamp, isso é mais comum em casos que envolvem o consumo de drogas lícitas ou ilícitas por parte da vítima. Assim, na hipótese de uma morte provocada por overdose de cocaína, essa substância certamente será encontrada no organismo dos artrópodes tomados para análise. "Cada vez mais, esses dados proporcionados pela entomologia forense têm contribuído para o esclarecimento de crimes em várias partes do mundo, notadamente nos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, quando um cadáver é localizado a polícia toma o cuidado de chamar imediatamente um perito para coletar amostras de insetos e larvas do corpo, para posterior investigação. Somente depois disso é que pode ser providenciada a remoção", destaca o professor Linhares. Em outras palavras, alguns dos recursos de investigação mostrados nas séries policiais da TV norte-americana, como a festejada "CSI", não são obras da ficção.

Simpósio vai reunir especialistas

Além de gerar importantes resultados acadêmicos – desde 1991 foram desenvolvidos 11 trabalhos científicos nas áreas de graduação e pós-graduação -, as pesquisas conduzidas pela equipe coordenada pelo professor Arício Linhares, do Departamento de Parasitologia do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, têm chamado a atenção das autoridades policiais brasileiras. O docente revela que um perito da Polícia Federal, lotado em São Paulo, demonstrou interesse em fazer o doutorado no IB, para aprender e desenvolver as técnicas empregadas na entomologia forense. "Pelo que sentimos, essa é uma tendência que deve começar a crescer no país", prevê. Um passo importante nessa direção será dado com a realização do 1º Simpósio Brasileiro de Entomologia Forense, marcado para os dias 1º e 2 de março próximos, no Ginásio Multidisciplinar da Unicamp.

Organizado pelo próprio professor Linhares, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o evento pretende reunir os principais especialistas brasileiros para discutir as dificuldades, tendências e novidades dessa ciência. Estão confirmadas as presenças de pesquisadores das seguintes instituições: Unesp, USP, UFPR, UnB, UFAM, Universidade Estadual de Guarapuava (PR) e Fiocruz. O simpósio, diz o docente da Unicamp, está voltado a um público formado por estudantes de graduação e pós-graduação, biólogos, médicos legistas, policiais e profissionais da área do Direito. Outras informações podem ser obtidas no endereço eletrônico.

Charles Baudalaire: larvas inspiradoras Fotos: Nadar/ReproduçãoPrimeiro caso foi relatado em 1855

Como apontado no início deste texto, o potencial de contribuição da entomologia forense para as investigações legais é conhecido há séculos. Ocorre, porém, que apenas recentemente ela mereceu reconhecimento como um campo da ciência. Além do caso registrado na China no século 13, muitos outros foram documentados ao longo do tempo. Até mesmo o segmento das artes reservou espaço para o tema. O poeta francês Charles Baudelaire (1821 - 1867), por exemplo, escreveu um poema intitulado "Une Charogne", no qual faz observações sobre a decomposição de cadáveres humanos, incluindo uma acurada referência ao som da massa de larvas nos corpos.

De acordo com dados fornecidos pelo professor Linhares, o relato do primeiro caso moderno de entomologia forense utilizando a estimativa de tempo de morte foi protagonizado pelo médico francês Jean Bergeret, em 1855. Vinte e quatro anos depois, o presidente da Sociedade Francesa de Medicina Forense publicou um novo caso. Já o primeiro estudo sistemático de entomologia forense foi feito em 1881 pelo alemão Reinhard. Em tempos mais recentes (1960 a 1980), a ciência tomou novo fôlego graças aos trabalhos executados pelo médico belga Marcel Leclecq e pelo biólogo finlandês Pekka Nuorteva. Desde então, a aplicação da entomologia forense em investigações legais tem sido rotineira em países como Estados Unidos, Canadá, França, Japão, Inglaterra, entre outros.

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