| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 383 - 10 a 16 de dezembro de 2007
Leia nesta edição
Capa
Homenagem: Raul do Valle
Cartas
Empreendedorismo
Desenvolvimento na infância
Doença endêmica
Lançamento: Roberto Goto
Lançamento: Eliézer Rizzo
Lançamento: Armando Boito
Patrimônio
Ensino musical
Banana-passa
Fragilidade do idoso
Painel da semana
Teses
Livro da semana
Destaques do Portal
Sementes de canola
Álvaro de Bautista
 


5

Professor da Faculdade de Educação reúne
ensaios e idéias soltas em dois livros

Desaforismos de Roberto Goto

LUIZ SUGIMOTO

Roberto Goto, autor de Sob o signo de Brás Cubas e Dialéticas: “Não quero ser acusado de ter sido avaro ao ponto de não dar a público o que escrevi” (Foto:Antônio Scarpinetti)Idéias que precipitam na mente como um chuvisco. É assim que Roberto Goto, professor da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, se refere aos aforismos que compõem Sob o signo de Brás Cubas, um dos livros que está lançando. No primeiro capítulo do pequeno volume, outras definições de aforismo: Um fruto seco da mente; um pensamento cristalizado. Ou então: A ponta que denuncia o iceberg, a letra que faz adivinhar o discurso.

Autor não se poupa das próprias ironias

O outro livro lançado por Goto, intitulado Dialéticas, reúne pequenos ensaios que refletem sobre a prática dialógica. São exercícios de reflexão provocados, em parte, pela observação de um acirramento da ação de patrulhas ideológicas. “Em época de eleição, por exemplo, é comum o outro olhá-lo com asco simplesmente porque você votou num candidato que ele não considera politicamente correto”, ilustra o autor.

Sobre os aforismos, o docente do Departamento de Filosofia e História observa que o livro é composto também pelo que chama de desaforismos. Para defini-los, recorre a outro trecho de sua autoria: Não se trata de aforismo desaforado. É uma espécie de não-aforismo: algo que não se cristaliza nem precipita na mente, que não pretende ser pretensioso nem representar a suma ou súmula de algum saber. Ele pouco ou nada sabe: é algo mais interrogativo que afirmativo, como um verdadeiro aforismo do verdadeiro socrático.

Sob o signo de Brás Cubas reúne idéias anotadas a partir de 1995, algumas quando Roberto Goto lutava contra a insônia, já tarde da noite. “Assim como o poema, o aforismo acontece, não depende de uma busca deliberada, embora seja a precipitação de algo que é fruto de uma meditação, atual ou anterior. Daí a metáfora do chuvisco, que só ocorre se há ou houve o acúmulo de umidade e nebulosidade”.

O autor reconhece também que os aforismos e desaforismos, no seu caso, decorrem de certa preguiça, na medida em que deixa (ou abandona) na forma de uma sentença idéias que precisariam ser explicitadas e desenvolvidas numa dissertação. Em sua maior parte, contudo, as sentenças são de entendimento direto, contra algumas poucas enigmáticas. “Talvez tenham mais a ver com meu veio jornalístico do que com o trabalho filosófico”.

Goto, que tem mestrado e doutorado em Teoria Literária pelo Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) e um segundo doutorado, em Educação, pela FE, custeou sua graduação em Filosofia, na PUC de Campinas, trabalhando no Correio Popular. Praticando literatura desde a adolescência, teve no jornalismo a oportunidade de confrontar a escrita com as circunstâncias.

“O repórter saía da redação sem uma pauta determinada, o que equivalia a um pesquisador que começa a pesquisar sem uma hipótese definida, apenas observando. A situação hoje parece risível, mas aprendia-se a descobrir por conta própria o que acontecia na cidade e o que poderia ser reportado”, recorda.

Na opinião do ex-repórter, não é possível diferenciar o aforismo da máxima e do dito popular em termos de profundidade e superficialidade. Nem se importa, caso alguns dos que escreveu forem considerados superficiais, pois eles dependem da interpretação. “Considerando as sutilezas de sentido da frase Não tem tu, vai tu mesmo, ela mostra ser, com toda a sua ambigüidade, um pensamento bastante fino, complexo. Já em O que não me mata me fortalece, famoso aforismo de Nietzsche, a leitura imediata nos automatiza e nos imobiliza num provérbio de sentido muito semelhante, O que não mata, engorda”.

Machado – Nisso tudo, onde entra o personagem-narrador de Machado de Assis? Durante vinte anos, Roberto Goto viveu as situações adversas do magistério, no ambiente de desânimo que ainda predomina em escolas da educação básica. O recurso a Brás Cubas no título, segundo ele, deve-se a certo tom pessimista da sua obra, que atribui não só à experiência no magistério, mas ao seu próprio modo de ser. “Brás Cubas seria o ventríloquo que emprestaria sua voz ao que é dito no livrinho”.

Mas há (des)aforismos que remetem ao dia-a-dia no ensino médio, como as anotações sobre a cultura de massa e a imaturidade dos adolescentes. Uma delas: [Adolescentes] São como mariposas voando em torno da lâmpada acesa. As luzes, o conhecimento da realidade, os atraem, mas ao sentirem seu fulgor e calor, afastam-se rapidamente; para alguns, conhecer a realidade é algo mortal. A maioria prefere fingir que quer saber do real; no fundo, prefere a fantasia, por mais que zombe dela.

Ensaios – O mal-estar causado pela intolerância de uns diante das opiniões de outros, como no exemplo citado no início desse texto em relação às eleições, é o que está expresso em Dialéticas (ensaios). “Do ponto de vista acadêmico, são trabalhos de fôlego curto, alguns deles sobre a dialética marxista vista como prática, pelo menos a prática discursiva”.

Resumindo, a crítica do autor foca o chamado marxismo vulgar, aquele que se contenta com classificações simplistas e reducionistas, desde que desqualifiquem os adversários. “Recentemente, uma aluna de doutorado foi interrompida e interpelada num debate por outro aluno que, definindo-se como marxista, acusava Adorno e outros membros da chamada Escola de Frankfurt de não passarem de reacionários burgueses”

Considerando este tipo de prática discursiva como adversa ao diálogo, o autor observa que é praticamente impossível trabalhar o ensino da Filosofia sem o debate de idéias em algum nível. “Quando se parte da aversão à posição do outro, o diálogo não existe desde o início, cria-se o impasse. Ficamos então no pior do senso-comum, como o de que política e religião não se discutem”.

(Auto)ironias – Roberto Goto é um leitor de si mesmo, que não se poupa das próprias ironias. No final da década de 1970, escreveu um livro de ficção na forma de uma antologia de contistas, cuja repercussão foi praticamente nula. A exceção foi o capítulo A educação pela cerveja, escrito em parte como uma paródia do “Prefácio Interessantíssimo” da Paulicéia Desvairada de Mário de Andrade.

“Imaginar que tenho uns cinco leitores como faço no meu livrinho, parodiando Machado de Assis, já é uma grande pretensão. Publico livros para me livrar deles (dos livros, não dos leitores, bem entendido) e sobretudo porque, se eu não publicá-los, ninguém o fará em meu lugar. Evidentemente, não quero ser acusado pelas gerações vindouras de ter sido avaro ao ponto de não dar a público o que escrevi”.

Sob o signo de Brás Cubas e Dialéticas são o que o autor chama de edições domésticas, cada qual com duzentos exemplares, parte distribuída entre amigos e conhecidos, parte disponibilizada pela Faculdade de Educação. Entretanto, Roberto Goto pergunta se pelo menos os (des)aforismos não interessam a um público mais amplo. Para os leitores conferirem, selecionamos um de cada capítulo.

TRECHOS

Deus e o mundo
O jogo do Criador com sua criatura. Trata-se de um jogo bastante complexo, com três conjuntos de regras: o primeiro se chama Natureza; o segundo, Sociedade; o terceiro, Moralidade. O jogo não consiste em cumprir as regras, pois fatalmente algumas serão cumpridas, mas em saber quais delas predominarão sobre outras, pois inevitavelmente cumprir uma regra implica descumprir e/ou desrespeitar outra(s).

Ser Humano
O animal que a tudo se acostuma é também o espírito que a nada se conforma.

Macho (s) fêmea (s)
Animais quadrúpedes, ao praticarem o que chamamos de amor, literalmente elevam-se, apoiando-se sobre as patas posteriores. Homens, ao se apaixonarem, caem de quatro – metafórica e literalmente.

Viver
Enquanto há vida, há esperança – e também desesperança, desespero, desânimo, angústia, tédio, tristeza, alegria, amor, ódio etc., um dia após outro...

Educação e cultura
Normalmente, a teoria vem depois da prática e a ilumina por trás, projetando para a frente a sombra dos líderes. Na Pedagogia, costuma-se cometer a temeridade de colocar a teoria na frente da prática: como não há nenhum caminho feito, a luz da teoria se projeta para trás, ofuscando a vista de seus seguidores. Isso explica os tropeços e desastres, cegueiras e patologias da prática pedagógica.

Economia e política
Minha sociedade ideal. Aquela em que a autonomia individual seria plenamente assegurada porque plenamente exercida.

Pensar
Erro de alegoria. A Morte não cavalga nem ceifa vidas. Ela é apenas a poeira levantada pelos cascos do cavalo e a névoa sem cor que se forma, silenciosa, sobre os campos semeados e devastados pela Vida – esta sim mortal.

(meta) linguagem
O escritor bem que quer se libertar de seus livros, publicando-os, mas é preciso saber se seus livros querem que ele se liberte deles.

História (s) e escatologias
O fato de o Tempo confirmar a fama de alguns, estabelecer a de outros e relegar a de outros, ainda, ao esquecimento, não significa que ele seja um juiz mais sólido e justo que a própria Fama, mas que seu ar

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2007 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP