| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 347 - 11 a 17 de dezembro de 2006
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Retrospectiva crítica do órgão da ONU ajuda a entender
como o capital estrangeiro influi em nossas vidas

Lições que a Cepal deixou ao Brasil

LUIZ SUGIMOTO

Fernando Henrique Rodrigues, autor da dissertação apresentada no Instituto de Economia: a Cepal, de Celso Furtado à globalização (Fotos: Antoninho Perri/Arquivo)A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) foi criada em 1948, dentro de um movimento geral da Organização das Nações Unidas para implantar, em cada continente, núcleos de apoio ao planejamento das economias após a Segunda Guerra. Com sede em Santiago do Chile, por lá passaram Celso Furtado e outros brasileiros que lá estudaram e depois viriam para o Instituto de Economia da Unicamp, como Maria da Conceição Tavares, José Serra, Luiz Gonzaga Belluzzo e João Manuel Cardoso de Mello. A vinda desses professores para Campinas, em pleno regime militar, não ocorreu sem resistência, visto que eles mantinham uma postura crítica com relação ao processo de industrialização. Suas críticas foram construídas a partir do que se convencionou chamar “pensamento cepalino”.

Pensamento cepalino influenciou
governos e instituições

“A Cepal está perto de completar 60 anos. Estudar e divulgar sua história, a partir da de sua postura em relação ao capital estrangeiro, é uma forma de mostrar aos cidadãos como o capital desregulado cria influencias negativas em nossas vidas, a exemplo dos baixos salários, do desemprego e da violência urbana”, adianta o economista Fernando Henrique Lemos Rodrigues. Sob orientação do professor Mariano Laplane, ele apresentou dissertação de mestrado abordando a evolução (ou involução) do pensamento econômico da Cepal no decorrer das décadas, conforme foram mudando seus quadros intelectuais e as conjunturas históricas e políticas nos países latino-americanos. A ênfase da pesquisa está nas lições deixadas para o Brasil.

A Cepal deslanchou liderada pelo argentino Raúl Prebisch – talvez o maior economista que a América Latina já teve – e teve influência decisiva de Celso Furtado. Ambos defendiam uma agenda de planejamento econômico, com base na industrialização como geradora de empregos e na necessidade de intervenção estatal para assegurar o desenvolvimento do setor. “Furtado deu grandes contribuições para a compreensão de que o subdesenvolvimento não é um atraso – uma infância do capitalismo desenvolvido –, mas fruto de uma série de problemas crônicos que vão se repetindo ao longo da história, tais como vulnerabilidade externa, concentração de renda e desequilíbrios regionais”, explica Fernando Henrique Rodrigues.

Nos anos 1950, segundo o autor da dissertação, Prebisch e Furtado valorizavam o planejamento e a tentativa de colocar as empresas transnacionais a serviço de projetos nacionais de desenvolvimento. “A conclusão óbvia nos trabalhos da Cepal era de que se devia delimitar o papel das transnacionais, definindo setores de atuação, estipulando metas para exportações, condicionando remessas de lucros para as nações centrais e impondo requisitos como a transferência de tecnologia para os países latino-americanos”, lembra Rodrigues.

Na década seguinte, Prebisch e Furtado já estavam fora da Cepal, mas mantiveram-se como referência para a nova geração de intelectuais, como para Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, que escreveram um trabalho clássico sobre a dependência econômica. O órgão da ONU, no entanto, começava a perder espaço dentro da política do continente, devido ao advento das ditaduras militares, que identificaram naquelas idéias de desenvolvimento, de capital e de indústria nacionais um risco reformista. “Os regimes militares se caracterizaram por facilidades e menos exigências ao capital estrangeiro, acreditando que o crescimento econômico compensaria toda a liberdade que se desse às transnacionais”, diz Rodrigues.

Raúl Prebisch coloca a primeira pedra do edifício da Cepal em Santiago do Chile, em  1961 (no alto), e a sede inaugurada em 1966Apesar do momento político contrário, a Cepal não esmoreceu seu discurso, na opinião do economista. Ele atenta que já havia certa dispersão, a falta de uma unidade intelectual, mas que persistiu dentro da entidade focos do movimento pela regulação das ações das empresas transnacionais, mesmo porque, do ponto de vista brasileiro, o contexto no final dos 60 era de grave crise nas contas externas. “Celso Furtado, que ainda influenciava bastante a agenda das instituições, alertava que as transnacionais cumpriam um papel muito claro no desenvolvimento latino-americano e principalmente brasileiro: atender aos anseios das elites em se modernizar e alcançar estilos de vida parecidos com os das nações centrais, ainda que a população pagasse a conta da concentração de renda e da vulnerabilidade externa”.

Rodrigues observa que vem desta época o mito alimentado pelos governos militares de que o crescimento dependente do capital estrangeiro iria resolver os problemas de todas as classes sociais e promover a integração do continente. “Uma senda de prosperidade que não se verificou”, lembra. O autor delimita uma fase distinta da Cepal, entre o final dos 70 e início dos 80, tendo à frente o chileno Fernando Fajnzylber, que inclui na pauta da instituição idéias renovadas sobre a industrialização e a necessidade de políticas industriais. “Basicamente, é isto que eu retrato na dissertação. Cada mudança na liderança intelectual reflete uma postura da Cepal frente às empresas transnacionais, cada vez mais liberal”, esclarece.

Novos rumos – Quando se chega aos anos 80, com uma crise do padrão de crescimento acumulado ao longo daqueles 30 anos na economia brasileira, Rodrigues observa que a Cepal passa a participar de um debate sobre os malefícios do padrão de desenvolvimento anterior. “O debate era mais sobre as razões da crise, e muitos economistas recorriam ao simplismo de confrontar Estado e mercado, em detrimento do primeiro. Mas a Cepal não se volta contra o Estado: ainda tenta mostrar as potencialidades do planejamento econômico, defendendo um pensamento já desgastado politicamente, com intelectuais que pregavam idéias sem o mesmo vigor e a aceitação de antes”, compara.

Esta tendência, como ressalta Rodrigues, vai se acirrar nos anos 90, pois a resposta à crise da década anterior é uma abertura econômica mais radical em todos os países latino-americanos, com o Brasil sofrendo da mesma sina. “A Cepal, então, já não conta sequer com a influência de Raúl Prebisch, que morre em 1986, e de Furtado, que teve problemas de saúde e passou a publicar pouco”, constata. Ele constata também que, embora a Cepal não tenha entrado no discurso de que o capital estrangeiro era uma panacéia para todos os problemas econômicos da América Latina, seus pensadores – “salvo honrosas exceções” – compraram a idéia de que a postura liberal e incentivadora das ações das transnacionais seria benéfica para as economias da região.

Cuidadoso, Fernando Henrique Rodrigues evita a visão de que este modelo fortemente baseado nas empresas transnacionais é imposto de fora para dentro, como se os demais atores sociais se opusessem à sua ação indiscriminada. “Nos anos 90, vendo-se em meio a uma crise, a burguesia nacional vai aceitando e achando até favorável este modelo, trocando boa parte das atividades produtivas pelas atividades especulativas do mercado financeiro, e deixando vários dos grandes setores da economia para as empresas estrangeiras. Uma das lições que a Cepal nos deixa, é que sempre há uma simbiose entre os interesses internos e externos dentro do país. Ou seja, existem alguns interesses comuns que viabilizam esta aliança tática entre o capital estrangeiro e o capital nacional, possibilitando que as transnacionais sempre ganhem força política. Isto é uma constante no nosso processo de desenvolvimento”.

Breve histórico das transnacionais

O economista Fernando Henrique Rodrigues, repassando por alto a história das empresas transnacionais no Brasil, lembra que nos anos 1950 elas viabilizaram alguns setores estratégicos da industrialização. Nos anos 70, essas empresas passaram a oferecer bens duráveis de consumo – objetos de desejo como a geladeira, a televisão e o automóvel. Nos anos 90, as transnacionais chegaram para comprar os ativos do Estado e do capital nacional – estes viram na privatização a mágica que equilibraria nossas contas públicas e também traria fôlego no setor externo – e dominaram o setor de serviços, notadamente o bancário, o elétrico e o de telecomunicações.

Rodrigues observa que era um cenário totalmente avesso ao pregado pela Cepal na sua criação, quando defendia uma agenda coerente com os objetivos de desenvolvimento nacional, visando o emprego, a redução de desigualdades e o acesso ao progresso tecnológico. “Essa estratégia da instituição era desenhada a partir do Estado e nela as empresas transnacionais representavam um apêndice. Elas deveriam atuar em setores específicos, onde é mais difícil obter tecnologia pela simples importação e onde pudessem nos ajudar a exportar bens industriais e encorpar nossa produção de tecnologia”.

Esta agenda, no entanto, deixou de ser de planejamento e, nos anos 90, passou a vingar na Cepal o pensamento de que o problema não estava na regulação, mas na atração de mais empresas transnacionais. Isso implicou na política de incentivos fiscais, vista como receita para a geração de empregos. Na prática, segundo Fernando Henrique Rodrigues, houve pouco impacto no número de empregos, muitas perdas fiscais e o modelo trouxe poucos benefícios à maioria da população. “Em documento recente da Cepal, encontram-se vários elogios à privatização das telecomunicações, destacando um eventual salto tecnológico. No entanto, devemos perguntar quantos têm acesso a esta tecnologia e se o país se capacitou para continuar a produzi-la”, questiona.

Rodrigues acrescenta que as empresas transnacionais, hoje, estão muito presentes nos serviços que antes eram públicos e que não têm o mesmo dinamismo da indústria. Mesmo no setor industrial, essas empresas aplicaram políticas de produtividade muito fortes, enxugando empregos sem que houvesse a criação de alternativas em outros setores. Ainda na opinião do economista, a inserção externa do ponto de vista industrial também foi muito frágil e o ganho de mercados pequeno, ao mesmo tempo em que o crescimento do mercado interno mostrou-se medíocre. “As empresas transnacionais, tornando-se líderes na indústria e nos serviços, ganharam enorme peso nas negociações com o governo, não havendo políticas que toquem em seus interesses. Na própria Cepal, as transnacionais agora são vistas como principal agente dentro do processo de desenvolvimento”.

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