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Indicadores apontam quadro persistente de desigualdade
racial em termos de ocupações e rendimentos

Pesquisa revela situação
dos negros no mercado
de trabalho nos últimos 25 anos

LUIZ SUGIMOTO

A valorização da diversidade nos ambientes de trabalho, até mesmo com a adoção de cotas para negros, é um tema tão polêmico quanto a reserva de vagas nas universidades. No entanto, é legítimo que ele seja pelo menos discutido, na opinião do economista Vinicius Gaspar Garcia, do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp. Em dissertação de mestrado apresentada na semana passada junto ao Instituto de Economia – Questões de raça e gênero na desigualdade social brasileira recente –, Garcia procura caracterizar a estrutura sócio-ocupacional da população negra nos últimos 25 anos, com números que indicam a manutenção de um quadro de acentuadas desigualdades raciais em termos de ocupações, rendimentos e padrão de vida familiar.

Crescimento da economia foi muito baixo

“Meu estudo tem caráter mais descritivo do que analítico, mas chego a sugerir que a diminuição das desigualdades dependeria, primeiro, da retomada do crescimento econômico para gerar possibilidades de trabalho, renda e ascensão social para todos, e também de políticas específicas para evitar a discriminação no mercado de trabalho. Trata-se das chamadas ações afirmativas, no sentido de ‘reparação histórica’ para um segmento da população que foi largado à própria sorte depois de três séculos de escravidão. Preteridos em favor dos imigrantes quando se criava o trabalho livre e assalariado, no decorrer do século 20 os negros foram confinados às ocupações mal remuneradas, a pretexto, por exemplo, da necessidade de ‘boa aparência’” , lembra o pesquisador.

Vinicius Garcia integra há cinco anos a equipe de pesquisas do professor Waldir José de Quadros, seu orientador no mestrado, e de quem emprestou uma metodologia que permite captar a crise social a partir das mudanças na estrutura ocupacional. Identificando grupos ocupacionais (como empregadores, classe média autônoma e assalariada, trabalhadores autônomos, assalariados, domésticos, não-remunerados) e distribuindo a população por faixas de rendimento (alta, média e baixa classe média, massa trabalhadora, pobres e indigentes), Waldir Quadros já mostrou ao Jornal da Unicamp como a falta de acessibilidade aos melhores postos de trabalho torna difícil a ascensão social dos negros (edição 257) e como a classe média em geral está empobrecendo (edição 274).

Os extremos – A pesquisa de Vinicius Garcia abrange 25 anos de baixíssimo crescimento na economia, em que o PIB não superou a média de 2,5% anuais, com inevitáveis implicações no mercado de trabalho e no enfrentamento das carências sociais pelo Estado. “As disparidades entre brancos e negros ficam mais evidentes nos extremos da estrutura sócio-ocupacional, com uma pequena participação dos negros na alta e média classe média, e a sua super-representação nas camadas de pobreza e de indigência. Nas camadas intermediárias há certa diluição das diferenças”, constata.

Vinicius Garcia apresenta números, seguindo a divisão por camadas sociais e faixas de rendimento estabelecida na metodologia do professor Quadros. Na tabela individual, para o conjunto de ocupados, considerando valores de janeiro de 2004, classifica-se como de alta classe média ocupada quem ganha acima de R$ 2.500; de média classe média, entre R$ 1.250 e R$ 2.500; de baixa classe média, entre R$ 500 e R$ 1.250; da massa trabalhadora, entre R$ 250 e R$ 500; e “marginalizados”, os que ganham menos de R$ 250. Na tabela por rendimento total familiar, os valores dobram e são incluídas as faixas de pobreza (entre R$ 250 e R$ 500) e de indigência (abaixo de R$ 250).

Em 2003, a população brasileira era de 173,9 milhões, com 91,3 milhões de brancos e 82,6 milhões de negros (aqueles que se declaram pretos e pardos). Segundo Garcia, 6,2% da população branca estava em famílias da alta classe média, enquanto o percentual de negros que sustentavam o mesmo padrão de vida era de apenas 1,1% – ou apenas 872 mil pessoas no universo de 82 milhões. No outro extremo, na linha de pobreza e abaixo dela, estavam 18,2% da população branca e 52,4% da população negra – ou 43 milhões de pretos e pardos subsistindo com renda familiar inferior a R$ 500. “O percentual de negros era de 3,3% (2,6 milhões) na média classe média e de 16,2% (13,3 milhões) na baixa classe média. As três camadas de classe média somadas têm 45% de brancos e 25% de negros”, acrescenta o mestrando.

A massa – Somente na camada de massa trabalhadora (famílias com renda de R$ 500 a R$ 1.000) é que a participação dos negros, com 48,1%, aproxima-se do índice que representam na população geral, que é de 47,5%. Na faixa de pobreza os negros são super-representados com quase 60% do total e, na de indigência, chegam a 66%. “Fica muito nítida a diferença racional, que se perpetua ao longo dos anos. Na pesquisa mostro, por exemplo, que em famílias de alta classe média, desde 1982 até 2003, os brancos ficam sempre na casa dos 85%, enquanto os negros não atingem nunca os 20%. Na massa trabalhadora há um grau menor de diferenciação, aproximadamente 45% de negros e 55% de brancos. Percebemos isto na realidade, quando vamos a um restaurante de alto nível, onde é difícil ver um negro, e depois a um restaurante mais popular, onde já existe mistura racial”, compara.

O trabalho de Vinicius Garcia também mostra diferenças regionais, que na visão do autor são parte da explicação para a desigualdade racial no país. Ele cita o Estado de São Paulo, onde a alta classe média representa 6% da população (para uma média brasileira de 3,8%) e a camada de indigência fica em 9,3% (quando a média é de 18%). É uma situação que se repete no Sul, com índices variáveis, mas sempre com uma presença maciça dos brancos, um maior número de famílias na alta classe média e uma faixa de indigência relativamente pequena.

Já no Norte e Nordeste, a presença negra é bem maior, variando entre 60% e 80% da população. Nessas regiões, a alta classe média é bastante reduzida, inferior a 2%, enquanto o nível de indigência entre os negros (famílias com renda menor do que R$ 250) alcança 21% no Pará, 25% em Tocantins, 33% na Bahia e 40% no Piauí. “É importante ressaltar que as disparidades persistem no interior dos Estados do Sul. A população da Bahia é de 80% de negros e a do Rio Grande do Sul de menos de 15%, mas os negros gaúchos sofrem da mesma forma que os negros baianos”.

Mulheres brancas superam homens negros em renda

Uma segunda vertente da dissertação sobre a estrutura sócio-ocupacional da população no Brasil, de Vinicius Garcia, é a questão de gênero. Segundo ele, este e outros trabalhos mostram uma clara hierarquia de rendimentos entre os ocupados, que coloca no topo os homens brancos, seguidos das mulheres brancas, e então os homens negros e as mulheres negras. “No conjunto de trabalhadores ocupados em 1982, as mulheres brancas recebiam 50% do que recebiam os homens brancos; os homens negros, 45%; e as mulheres negras, 24%. Em 2003 nota-se um aumento do rendimento feminino, tanto das brancas como das negras. Mesmo assim, as mulheres brancas passam a ganhar apenas 62% dos homens brancos, e as negras, 31%. Os homens negros permanecem nos 45%”, atesta o pesquisador.

Garcia observa que esses números relacionados a gênero mostram, novamente, a persistência do quadro de desigualdade racial, condenando as mulheres negras ocupadas à pior situação, com renda sempre inferior a R$ 400. “Também chama atenção a distância que as mulheres brancas vêm abrindo dos homens negros. Antes seus rendimentos eram próximos. Em 1982, elas ganhavam R$ 623 e eles, R$ 574. Em 2003, os rendimentos foram, respectivamente, de R$ 708 e R$ 511. O rendimento das mulheres brancas encontra-se perto do nível médio dos ocupados, mostrando que o preconceito contra elas diminui. Mas os homens negros continuam ganhando menos da metade dos homens brancos”, acrescenta.

Um olhar para o interior de cada faixa ocupacional, no entanto, traz um detalhe importante: que independentemente da cor ou do sexo, os rendimentos são próximos. Isto sugere, de acordo com Vinicius Garcia, que os negros têm rendimentos equivalentes aos dos brancos quando conseguem atingir um mesmo patamar. “Entre um engenheiro branco e um engenheiro negro, não existe muita diferença de renda. O problema é o acesso a essas ocupações que pagam mais. A dificuldade está em o negro se tornar um engenheiro”, observa.

Outro detalhe é que os negros, mesmo quando atingem um nível de rendimento de classe média, concentram-se nas ocupações mais simples. “Enquanto os brancos são professores, gerentes, advogados, os negros assumem ocupações nominalmente de classe média, tais como trabalhadores de escritório, secretaria ou recepção. Isso explica, também, o rendimento mais baixo quando analisamos a estrutura familiar”, conclui.

Analisando os grupos ocupacionais, Garcia aponta que os brancos estão concentrados nas atividades com nível mais elevado de renda. Em 2003, no grupo de empregadores de mão-de-obra, 75% eram brancos e apenas 25% negros. Na classe média, autônoma assalariada, a proporção era de 55% de brancos para 35% de negros. Como já foi dito, há equilíbrio na camada de trabalhadores autônomos e assalariados, mas os negros estão super-representados nos níveis abaixo: trabalhadores domésticos (57,6%), agrícolas (57,8%) e em atividades precárias não-remuneradas (56,2%).

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