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A Globo Filmes e a pós-retomada
do cinema nacional

 

MANUEL ALVES FILHO

A entrada das Organizações Globo no segmento de cinema, em 1998, por meio da Globo Filmes, foi uma decisão mais institucional que financeira. Para além do lucro, o conglomerado tinha como objetivo fixar a sua marca no imaginário popular, apresentando-se como o grande apoiador do audiovisual brasileiro. A constatação é da tese de doutorado da jornalista Juliana Sangion, defendida recentemente no Instituto de Artes (IA) da Unicamp. O estudo, orientado pelo professor Nuno Cesar Abreu, promoveu uma abordagem diferenciada em relação à chamada sétima arte, ao analisá-la a partir dos conceitos da Economia Política da Comunicação e da Cultura.

De acordo com Juliana, o objetivo da pesquisa foi entender as razões que levaram as Organizações Globo a fazer um movimento em direção ao cinema. Na entrevista que fez com o principal executivo da Globo Filmes, Carlos Eduardo Rodrigues, a autora da tese descortinou esses motivos. A pesquisadora conta que Rodrigues lhe disse que a então diretora-geral da TV Globo, Marluce Dias, considerava que o conglomerado deveria estar presente em todos os segmentos ligados ao entretenimento, de forma a fixar a sua marca no imaginário popular. Na ocasião, ela entendeu que faltava ao grupo ingressar no cinema e ter um parque temático, a exemplo do Universal Studios. O segundo projeto foi abandonado, mas o primeiro teve seguimento.

A decisão, lembra Juliana, deu-se num período imediatamente posterior à chamada retomada do cinema brasileiro, quando as produções nacionais voltaram a ter maior espaço nas salas de exibição do país. Esta fase foi denominada pela jornalista como “pós-retomada”. “No começo, a Globo Filmes tateou o terreno. A atuação foi, por assim dizer, experimental. Foram testadas algumas fórmulas e alguns produtos televisivos, como a série Auto da Compadecida, adaptados para o cinema. Na realidade, a Globo Filmes apenas editou o material para ser exibido na telona”, afirma. A experiência inicial, conforme a pesquisadora, fez com que o conglomerado percebesse que tinha capacidade para atuar no segmento, e que este era promissor.

O grande impulso, porém, viria em 2002, com a exibição do filme Cidades de Deus, que foi dirigido por Fernando Meirelles e coproduzido pela Globo Filmes. A produção atraiu um grande público, recebeu críticas muito positivas e gerou polêmica, tanto no Brasil quanto no exterior. A partir daí, a empresa deu início a uma ação intensa para tornar-se a principal produtora do Brasil. “O que a Globo Filmes fez foi passar a atuar no mercado de três maneiras diferentes: como coprodutora, o que ocorre na maioria dos casos; como apoiadora, ou seja, responsável principalmente pela divulgação da obra; e como produtora, situação bem menos frequente, visto que neste caso o grupo não pode, por força da legislação, captar recursos externos porque é detentor de uma concessão e TV”, explica Juliana.

O modelo de atuação da Globo Filmes, segundo a autora da tese, mereceu uma série de críticas. Uma delas concentrou-se no fato de a empresa promover apenas pequenas adaptações para levar produtos da TV para o cinema e vice-versa, sem dar muita atenção às questões estética e de linguagem, próprias de cada veículo. Além disso, uma corrente também acusou a produtora de tentar burlar a lei ao associar-se a outros produtores, para dessa forma conseguir amealhar recursos externos, principalmente por meio da lei de incentivo ao audiovisual.

“Meu trabalho não se concentrou nas questões estéticas, que também são relevantes. Minha abordagem foi a partir do instrumental oferecido pela Economia Política da Comunicação e da Cultura. Nesse sentido, eu cunhei o conceito de ‘contrabando audiovisual’ para analisar o trabalho da Globo Filmes. Dito de modo simplificado, a empresa estabeleceu um novo modelo de atuação em relação ao audiovisual brasileiro. Ela faz algo ‘misturado’, um modelo em que a experiência da TV é levada para o cinema e a do cinema é transferida para a TV. Para mim, fica claríssimo o superaproveitamento do conteúdo e também dos recursos materiais e humanos do conglomerado. Um exemplo disso é do programa Mulher Invisível, que está sendo exibido atualmente pela TV Globo. Era um filme que virou série. O mesmo ocorreu recentemente com Chico Xavier. O contrário também é verdadeiro. Séries e programas como A Grande Família, Os Normais e Casseta & Planeta foram vertidos para o cinema”, elenca.

Nos 13 anos de atuação, de acordo com levantamento realizado por Juliana, a Globo Filmes produziu, coproduziu ou apoiou 146 obras, que alcançaram juntas um público de 117, 4 milhões de espectadores. Dos 20 filmes com maiores públicos realizados entre 2000 e 2010, 18 tiveram a participação da Globo Filmes. “Ou seja, atualmente não existe cinema comercial com apelo popular no Brasil sem a presença da produtora das Organizações Globo”. A jornalista observa, porém, que a questão financeira parece não ter sido a principal motivação para que a corporação entrasse na emergente “indústria cinematográfica” nacional. “Ela não estava pensando no lucro imediato e direto. Entretanto, quando a Globo transforma um filme em série de TV utilizando apenas os recursos de edição, ela está maximizando os ganhos, porque abre novas espaços para a venda de publicidade, por exemplo”.

Outra crítica que se faz comumente à atuação da Globo Filmes no cinema é o fato de ela padronizar demasiadamente o conteúdo. Juliana conta que Carlos Eduardo Rodrigues admite a influência que a produtora exerce sobre as obras que coproduz ou apoia, mas vê essa intervenção como positiva. De acordo com o relato dele, a empresa conta com dois diretores que atuam como consultores artísticos, Guel Arraes e Daniel Filho. Uma das missões deles é mexer nos roteiros, de modo a torná-los mais “viáveis”, mais “atraentes” aos olhos do público. Ademais, a Globo Filmes encontrou um filão no qual tem investido com maior frequência, qual seja, os das comédias.

Na entrevista que concedeu à autora da tese, o diretor da Globo Filmes antecipou que a produtora deverá continuar apostando no gênero, bem como deverá investir em uma nova frente, qual seja, os filmes para o público adolescente. “Ele me disse que tem sido difícil encontrar bons diretores que consigam dar conta de produções teens, mas adiantou que esse gênero deverá merecer atenção no médio prazo”, informa a Juliana. Conforme a jornalista, a percepção do público em geral é de que o cinema brasileiro melhorou muito nos últimos anos, período que coincide com a entrada em operação da Globo Filmes.

Poucas pessoas sabem dizer, porém, quais foram as reais melhoras ocorridas no segmento. “Normalmente, essa percepção está relacionada à quantidade de filmes exibida anualmente. Se é verdade que o número de produções cresceu, também é verdade que outras tantas não conseguem ser lançadas. Ou seja, não é a Globo que resolverá esse problema. É importante que ela exista, mas é fundamental que outras produtoras também atuem no mercado”, analisa. Em relação às políticas públicas na área do audiovisual, a autora da tese pensa que elas estão esgotadas. “Os 80 ou 90 filmes lançados por ano constituem um número ínfimo em relação a tudo o que é produzido no Brasil. É preciso encontrar um novo caminho, inclusive reforçando as relações entre cinema e televisão, mas em bases diferentes das adotadas pelas Organizações Globo”, acredita.

Sobre a atuação governamental, continua Juliana, o executivo da Globo Filmes tem uma posição bastante reveladora. “Em seu discurso, Carlos Eduardo Rodrigues deslegitima a participação do Estado como ente fundamental no fomento ao audiovisual e legitima e posiciona as Organizações Globo como a salvadora do setor. No entender dele, por fazer uma das principais TVs do mundo, a Globo é que tem competência, conhecimento e estrutura suficientes para fazer também um bom cinema”, relata.

Formada em jornalismo, Juliana iniciou a carreira trabalhando em televisão. O interesse acerca do audiovisual existiu desde sempre, o que a levou a ingressar no programa de mestrado do IA. No momento da qualificação, entretanto, a banca examinadora recomendou que o trabalho fosse ampliado, aprofundado e apresentado diretamente como tese de doutorado, sem que o tema fosse alterado. Atualmente, a jornalista trabalha na Comissão Permanente para os Vestibulares (Comvest) da Unicamp e é professora da disciplina de Televisão do curso de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas).



 
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