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De olho nas boas práticas de fritura
Pesquisadora analisou amostras de 13 estabelecimentos
que servem alimentos em Campinas

A professora Lireny Aparecida Guaraldo Gonçalves (à esquerda), orientadora da tese de número 2000 da FEA, e Cibele Osawa, autora do estudo: linha de pesquisa foi criada na década de 90 (Foto: Antoninho Perri)O senhor Koiti Osawa será a ausência sentida na cerimônia comemorativa da tese de número 2000 da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, marcada para as 15 horas deste dia 20 de agosto, no salão nobre da Unidade. Foi sua filha, Cibele Cristina, quem defendeu a tese de doutorado, em 27 de julho, depois de desenvolver os dois últimos anos de pesquisa em meio ao drama da doença do pai. In memoriam, a autora dedica o trabalho àquele que mais a incentivou a concluí-lo. “Já considero uma vitória ter defendido a tese. Além das circunstâncias, o tema é complexo e exigiu muito trabalho experimental. Recebo como um belo presente o fato de ser a tese 2000”.

A FEA foi a primeira unidade a criar um curso de pós-graduação na Unicamp e, na opinião da diretora Gláucia Pastore, a marca histórica no número de dissertações e teses consolida sua posição como difusora do conhecimento na área de alimentos na América Latina. “Notamos que a Pós-Graduação em alimentos está crescendo muito no Brasil e é com orgulho que vemos uma origem disso na FEA. Muitos professores fizeram aqui o mestrado e doutorado, voltando às suas instituições para criarem novos cursos”.

O estudo de Cibele Osawa, orientado pela professora Lireny Aparecida Guaraldo Gonçalves, faz parte de uma linha de pesquisa focada no descarte e na qualidade do óleo utilizado para frituras comercializadas no país, atendendo a necessidades da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e demais órgãos fiscalizadores. “Iniciamos esta linha de pesquisa na década de 90, analisando batatas fritas servidas em restaurantes e redes de fast-food, inclusive no Restaurante Universitário da Unicamp”, afirma Lireny Gonçalves, que chefia o Departamento de Tecnologia de Alimentos e coordena o Laboratório de Óleos e Gorduras.

Segundo a docente da FEA, resultados obtidos pela ProTeste, entidade civil independente ligada à Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, apontaram índices elevados de compostos de decomposição na batata e no óleo coletados nos estabelecimentos. “Ao tomar conhecimento dos resultados, a Anvisa cogitou elaborar uma legislação para frituras. Chamada à reunião, argumentei que a lei não seria cumprida, pois o método de quantificação destes compostos é complexo, caro e demorado, impossibilitando o auto de infração in situ”.

A pesquisadora esclareceu sobre a necessidade de validações de testes rápidos que atestem a qualidade do óleo dentro da fritadeira, no momento da visita do técnico da vigilância sanitária. Diante disso, a Anvisa optou por colocar em vigor dez “recomendações de boas práticas de fritura”, quase todas sugeridas pela Unicamp com base em legislação internacional, a exemplo do uso de fritadeiras com termostato para manter a temperatura do óleo em torno dos 180ºC; teor máximo de 2% de ácido linolênico (ácido graxo presente na maioria dos óleos vegetais); acidez não maior que 0,9% e filtrações para retirar sulfactantes do óleo, preservando sua qualidade por mais tempo.

Lireny Gonçalves explica que temperatura, umidade do alimento e oxigênio são três fatores para a formação de polares – substâncias que se originam da degradação do óleo em pontos onde se têm duplas ligações nos ácidos graxos. Estes se degradam conforme o óleo é usado, interagindo com o oxigênio da superfície para gerar produtos menores como aldeídos e cetonas. “A temperatura da fritadeira precisa ser fixada em 180 graus; acima disso, há formação intensa de polímeros e aumento de polares. Os polares são medidos com a técnica de cromatografia líquida em coluna aberta, sofisticada para uso em descarte”.

De acordo com Cibele Osawa, na fritura de alimentos por imersão ocorre uma série complexa de alterações e reações, produzindo compostos de decomposição, cujo nível varia conforme o alimento, tipo de óleo ou gordura, modelo de fritadeira e condições de operação. “Esses óleos devem ser descartados após algum tempo de uso devido aos efeitos maléficos dos produtos de degradação”.

A pesquisa
A tese de doutorado mereceu elogios da banca examinadora devido à sua amplitude, pois incluiu pesquisa de campo sobre o nível de informação dos manipuladores de alimentos; análise de frituras (empanados de frango e de carne) feitas por métodos convencionais; avaliação da eficácia de testes rápidos comerciais; e a análise de odor por julgadores treinados (olfatometria), recurso nunca antes utilizado para óleos de frituras, com a identificação de compostos voláteis importantes.

O estudo foi feito com frituras em oleína de palma e em óleo de algodão, que atendem ao limite de 2% de ácido linolênico (o que garante a estabilidade do óleo por maior tempo) e ao teor desejável de ácido oléico (acima de 50%). “O óleo de soja, o mais consumido nos domicílios, foi descartado devido à concentração elevada de ácido linolênico (5%). O óleo de algodão já esteve muito presente em nossa mesa, enquanto o de palma é usado pela indústria há vários anos”, diz a professora Lireny Gonçalves.

Cibele Osawa contatou 15 estabelecimentos que servem refeições em Campinas, sendo que 13 aceitaram participar da pesquisa, respondendo ao questionário para avaliar o conhecimento sobre frituras e qualidade do óleo e cedendo amostras para análises. Em troca, foram orientados sobre boas práticas de fritura e medidas corretivas. “Ao todo, foram avaliadas 59 amostras, tanto de frituras em laboratório como doadas pelos comerciantes para verificação da eficácia dos testes rápidos”.

Sem trans
A autora da tese informa que a oleína de palma e o óleo de algodão mostraram-se como boas opções para frituras, em função dos níveis adequados de ácido linolênico e ácido oléico, da grande estabilidade oxidativa e da quase ausência de isômeros trans, sendo possível rotular os alimentos fritos como “zero trans”. “Mas é importante ressaltar que alguns estabelecimentos parceiros ainda utilizavam óleo de soja ou gordura hidrogenada (que resulta em trans) e temperaturas acima de 180 graus”.

Embora fossem mantidas as mesmas condições experimentais (fritadeira, tipo de óleo e alimento), constatou-se falta de reprodutibilidade do processo de fritura, significando que o descarte do óleo não pôde ser baseado no número de dias em que foi utilizado. “No entanto, a oleína de palma apresentou quantidades mínimas de produtos polimerizados, tendo sido possível sua utilização por mais tempo que o óleo de algodão. Frituras de produtos cárneos empanados tiveram variações entre 4 a 17 dias para se tornarem inapropriados nestes dois óleos”.

Normalmente, acrescenta a especialista, há desinformação de quem manipula o processo de fritura, mesmo em estabelecimentos preocupados em assegurar o sabor, odor e textura dos alimentos fritos. “Para avaliar se o óleo deve ser descartado, os operadores das fritadeiras se baseiam em características sensoriais, como escurecimento, aparecimento de fumaça e odor do óleo degradado”.

Teste rápido
Com o propósito de buscar uma alternativa de fiscalização para a vigilância sanitária e de oferecer parâmetros objetivos para os estabelecimentos, Cibele Osawa avaliou três medidores de qualidade do óleo encontrados no mercado internacional: o espanhol Viscofrit, o alemão Testo 265 e o belga Fri-check. “Há possibilidades de se recorrer a esses testes rápidos, mas respeitando suas limitações”.

Ela explica que o equipamento espanhol incorre em erros no caso de gorduras porque a medição é feita em temperatura mais elevada do que para um óleo vegetal; o alemão superestima os resultados por conta da umidade do alimento; e o belga carece de mais estudos. “No caso do Testo 265, é preciso aplicar um fator de correção para chegar a resultados equivalentes aos da cromatografia de coluna aberta”.

Em relação aos compostos voláteis do óleo de fritura, a autora do estudo recorreu pela primeira vez à análise sensorial olfatométrica, sob orientação da professora da FEA Maria

Aparecida Azevedo da Silva. Quatro julgadores treinados detectaram 135 compostos, sendo que 31 foram identificados por cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massa. – dentre eles, vários não estavam reportados na literatura, demonstrando o ineditismo do trabalho.




Os tipos e o descarte

Em sua tese de doutorado, Cibele Osawa explica que existem dois tipos de frituras por imersão: contínua e descontínua. Vemos a fritura contínua nas indústrias de alimentos, como de snacks e batatas fritas, onde as fritadeiras funcionam em capacidade plena, com um único produto, tempo e temperatura controlados e reposição regular do óleo devido à absorção pelo alimento – a taxa de reposição do óleo é fator fundamental para manter a qualidade do óleo de fritura, sem necessidade do descarte. Nestas fritadeiras, o monitoramento do percentual de ácidos graxos livres no óleo é suficiente.

A fritura descontínua é a adotada por estabelecimentos que servem alimentos, isto é, em bateladas, de acordo com a demanda, com picos e quedas de produção durante o dia. Nestes estabelecimentos, as fritadeiras produzem alimentos variados e operam a temperaturas elevadas, sem controle também do tempo, devido à necessidade de atender de imediato ao consumidor; tudo isso resulta em um óleo com alto teor de alteração.

Legislação
A professora Lireny Gonçalves, por sua vez, atenta para a falta de uma legislação que contemple parâmetros de qualidade do óleo de descarte utilizado em frituras. “No exterior, há grande preocupação com seu uso na fabricação de rações para animais que, no final, servirão ao consumo humano. A literatura relata a presença inclusive de dioxinas derivadas de óleos usados abusivamente e estocados em más condições, que podem vir a ocorrer na mesa do consumidor, o que é muito preocupante”.

Por outro lado, a docente da FEA observa com alívio que o Brasil esteja direcionando parte deste óleo para o biodiesel, principalmente em nível municipal, graças à ação de associações, ONGs e empresas interessadas em seu processamento. “Grandes consumidores como as redes de fast-food não jogam mais o óleo no esgoto. Há diversas associações que monopolizam a coleta do óleo visando também à fabricação de sabão para a população de baixa renda”.

 

 


 
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