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Um espaço de experimentação narrativa

Lúcia Granja

Largo de São Francisco de Paula, em foto de 1895: cotidiano e cena política da então capital do país eram temas das crônicas machadianas (Fotos: Marc Ferrez/COleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles/Reprodução)

Cem anos depois de sua morte, Machado de Assis, o maior escritor brasileiro, com caminho aberto para o reconhecimento internacional, resta, em parte, desconhecido do público-leitor do país em que nasceu, viveu e de onde jamais saiu. As crônicas jornalísticas que ele escreveu entre 1861 e 1895 (com mais duas aparições esparsas em 1897) só agora começam a ser publicadas de maneira organizada e completa, com estabelecimento de texto, notas explicativas e introdução crítica, pela Editora da Unicamp (à moda do que John Gledson, cuja reedição de Bons Dias! abre a coleção, começou a fazer no início dos anos 1990).

Assim sendo, não espanta que essa parte significativa da produção do escritor – na qual ele podia falar quase livremente do que quisesse e como quisesse, além de ter no folhetim-variedades, a crônica, à sua disposição, um espaço natural de experimentação narrativa dentro do jornal – ainda esteja um tanto inacessível e ignorada do jovem estudante em formação, do público interessado pela Literatura Brasileira e, talvez cause certo desconforto dizê-lo, até mesmo dos leitores especializados.

É preciso notar que uma das razões para que estejamos em face a esse desconhecimento parcial, é curioso afirmá-lo, seja resultado de uma opção do próprio escritor. Na fase final de sua vida, Machado de Assis, ao que tudo indica, não se teria mostrado completamente convencido da importância histórica e literária de suas crônicas. Ou, pelo contrário, convencido de todo esse valor, julgou por bem não reuni-las por alguma razão ignorada.

No entanto, por azar ou sorte do então falecido fundador da Academia Brasileira de Letras, seu grande amigo e “pupilo intelectual” Mário de Alencar não acreditava realmente que os textos machadianos tivessem sido escritos “ao correr da pena” para serem lidos “ao correr dos olhos”, como José de Alencar (pai de Mário, como se sabe) definira elegantemente a crônica de variedades em seus próprios folhetins de 1854.

Dessa forma, Mário de Alencar teve uma forte intuição, talvez advinda das inúmeras conversas que tivera nos finais de tarde com o escritor e mentor (Alguns escritos. RJ: Editora Garnier), de que as crônicas precisariam de maior atenção e, em 1910, preparou uma edição delas, escolhendo-as entre as de A Semana, e justificando essa pequena transgressão da vontade de Machado:

(...)
A idéia de coligi-las nasceu do desejo de servir à memória do escritor, acrescentando-lhe às obras editadas em volume esta outra que tão bem caracteriza certas feições do seu engenho literário, e que seria de lamentar ficasse esquecida ou ignorada. Ao próprio autor lembrei e pedi que as reunisse em livro, e posto me objetasse às vezes com dúvida sobre o valor desses escritos, salvo um ou outro além dos já publicados nas
Páginas Recolhidas, não me pareceu que ficasse alheio ao pensamento de fazer a coleção. A demora em dá-la viria da falta de tempo para reler e escolher as crônicas, em número aproximado de duzentos e cinqüenta (...).
(Mário de Alencar. Advertência, reproduzida pela edição da Jackson de A Semana (1937) e seguintes)

No “Prefácio” às Páginas Recolhidas (1899), a que se refere Mário de Alencar, o próprio Machado de Assis explicara pelo seu modo a variedade desse livro em que publicara alguns (menos de uma dezena) desses textos:

(...)
Sai também um pequeno discurso, lido quando se lançou a primeira pedra da estátua de Alencar. Enfim, alguns retalhos de cinco anos de crônica na
Gazeta de Notícias que me pareceram não destoar do livro, seja porque o objeto não passasse inteiramente, seja porque o aspecto que achei ainda agora me fale ao espírito (...).

Os “retalhos de crônicas” ainda falavam ao espírito do escritor porque reconhecia nelas o investimento em seu “aspecto” e porque seus objetos não haviam “passado”. Machado reconhecia, então, que havia um investimento na forma narrativa desses seus textos, e que o problema de reuni-los em edição estava ligado ao “objeto que passava”, ou seja, ao pé que, necessariamente, a crônica assenta na efemeridade. O que talvez ele não tenha considerado é que a criação (literária) da agudeza crítica, da qual a ironia é a grande forma, quer o assunto passasse ou não, transportava imediatamente esses textos ao rol dos legitimamente legíveis, em qualquer parte, em qualquer tempo, por qualquer público. Nessa imensidão de possibilidades, cada leitura extrairia – e extrairá –, da enorme variedade da crônica, o seu cadinho. Vejamos um exemplo simples:

(...)
É tão bom ter uma cadeira no Senado! A gente faz o seu testamento, e ocupa o resto do tempo em precauções higiênicas, a bem de dilatar a vida e gozar por mais tempo das honrarias inerentes ao posto de príncipe do Império. Alguns não observam esses preceitos e esfalfam-se em orações políticas contra os abusos do poder; por isso vão mais depressa à sepultura, onde ninguém é senador nem tem honrarias de príncipe.
(Crônica de 11 de novembro de 1861, da série
Comentários da Semana.)

Podemos observar claramente que um dos grandes interesses do texto machadiano reside, sem dúvida, em sua composição narrativa. Nesse trecho da crônica, o narrador, operando inversões, refere-se a uma cadeira vaga no Senado e à correria pela sua sucessão. Interessa saber que a cadeira vaga pertencera a João Antonio de Miranda, que acabara de falecer. No entanto, não é preciso compreender esse detalhe da questão para se deleitar com a ironia e os jogos do texto. Em meio à discussão sobre o possível sucessor à cadeira vitalícia, o narrador faz um comentário por meio do qual, generalizando, diz que a maioria dos membros do Senado são homens públicos que ocupam seu lugar, a fim de tão somente gozar das honrarias de tal posição. Assim sendo, destaca esse “marasmo” político (expressão que usou para definir a situação política do país em uma crônica de Comentários da Semana), ao operar a inversão dentro da ironia (que já operara pelo menos um nível de inversão de sentidos): aqueles que, no Senado, “esfalfam-se em orações políticas contra os abusos do poder” vão mais rapidamente à sepultura, deixando, como conseqüência, mais uma cadeira livre no parlamento. Papéis trocados, aqueles políticos que têm atitudes corretas são (aparentemente) descritos pelo registro do ridículo; enquanto isso, os seus colegas tomam precauções para dilatar seu prazo de vida e prazeres. A imagem é nítida: no plenário ou no gabinete, alguns poucos se desgastam no cumprimento de suas obrigações, enquanto os outros nem prestam atenção a elas, nem se preocupam com isso. Os primeiros seriam, assim, homens de pouca percepção, uma vez que não seguem o exemplo dos colegas preguiçosos. Na “comédia de erros” que monta para descrever o presente, fica claro que os papéis estão invertidos. Por isso, o riso tem lugar certo e, através dele, cada homem recupera a sua devida imagem e posição. Sem dúvida, esse jogo de inversões que desperta o riso (e a consciência crítica, programa do jovem escritor) continua atual em termos de procedimento possível da crônica.

A suposta gagueira de Eleazar, pseudônimo usado por Machado, é alvo de sátira em O Besouro, em 1878Frente a esse pequeno dilema, editar em livro – na forma do impresso mais durável – as crônicas, ou não editá-las, e talvez frente ao desejo de que sua obra ficcional prevalecesse, Machado de Assis deixou o tempo trabalhar em favor do reconhecimento de suas crônicas e é muito possível que já adivinhasse que o “o historiador do futuro que quiser[sse] tirar dos debates da imprensa os elementos do seu estudo da história do império, há[veria] de vacilar sobre a expressão da memória que hoje domina a praça do Rocio” (crônica de 1º. de abril de 1862, da série Comentários da Semana) e, voltando aos jornais, voltaria necessariamente às suas crônicas, entre outros textos.

Um outro exemplo de como, provavelmente, Machado tenha apenas postergado o reconhecimento de seus textos jornalísticos vem dado abaixo:

Antes de ir adiante, deixem-me por aqui uma observação que fiz e me pareceu digna de nota. Compilador do século XX, quando folheares a coleção da Gazeta de Notícias, no ano da graça de 1894, e deres com estas linhas, não vás adiante sem saber qual foi a minha observação. Não é que lhe atribua nem uma mina de ouro, nem grande mérito; mas há de ser agradável a meus manes saber que um homem de 1944 dá atenção a uma velha crônica de meio século. E se levares a piedade ao ponto de escrever em algum livro ou revista: “Um escritor do século XIX achou um caso de cor local que não parece destituído de interesse...”, se fizeres isso, podes acrescentar como o soldado da canção francesa:
“ Du haut du ciel - ta deméure derniére -
Mon colonel - tu dois être content” .... *
(Crônica de 19 de agosto de 1894, publicada na série A semana

No limite, o que diz o texto é que um homem de 1944, folheando a Gazeta de Notícias de há meio século, não poderia passar adiante sem “saber qual foi a minha [de Machado] observação”. Mas não descarta a grata possibilidade de uma “velha” crônica, de meio século, despertar ainda interesse. Nem como “gênero”, nem mesmo no plano dos assuntos (“objeto”, segundo Machado se refere) suas crônicas deveriam descansar na eternidade. Com um pouco de liberdade, deduzimos pelos trechos das duas crônicas acima que Machado concordava com o “engenho literário” com que o amigo Mário de Alencar qualificaria as quase 250 crônicas de A Semana, e também com seu conteúdo não dispensável, de que é um pequeno exemplo tanto uma crônica sobre a cadeira vaga no Senado, como uma como a do famoso necrológio do livreiro e editor Garnier, personagem da maior importância para a história da cultura brasileira no século XIX:

Segunda-feira desta semana, o livreiro Garnier saiu pela primeira vez de casa para ir a outra parte que não a livraria. Revertere ad locum tuum – está escrito na porta do cemitério de S. João Batista. Não, murmurou ele talvez dentro do caixão mortuário, quando percebeu para onde o iam conduzindo, não é esse meu lugar; o meu lugar é na Rua do Ouvidor 71, ao pé de uma carteira de trabalho, ao fundo, à esquerda: é ali que estão os meus livros, a minha correspondência, as minhas notas, toda a minha escrituração.

Durante meio século, Garnier não fez outra cousa, senão estar ali, naquele mesmo lugar, trabalhando. Já enfermo desde alguns anos, com a morte no peito, descia todos os dias de Santa Teresa para a loja, de onde regressava antes de cair a noite. Uma tarde, ao encontrá-lo na rua, quando se recolhia, andando vagaroso, com os seus pés direitos, metido em um sobretudo, perguntei-lhe por que não descansava algum tempo. Respondeu-me com outra pergunta: Pourriez-vous résister, si vouz étiez forcé de ne plus faire ce que vous auriez fait pendant cinquante ans? Na véspera da morte, se estou bem informado, achando-se de pé, ainda planejou descer na manhã seguinte, para dar uma vista de olhos à livraria.
(Crônica de 8 de outubro de 1893, publicada na série
A Semana)

Rua do Ouvidor, centro comercial do Rio e palco de crônicas de Machado, em foto de 1890Da memória do cronista, em continuidade ao trecho acima citado, vêm outros nomes e fatos importantes ocorridos em torno do livreiro e sua atividade literária, e o tom da crônica, que é uma das pouquíssimas que Machado recolheu, é de um lirismo contagiante. Mais uma prova de que ele conhecia muito bem o investimento que fizera na construção desses folhetins em geral dominicais.

De tudo isso extraímos que, quer Machado duvidasse, quer não duvidasse, da importância de esses seus textos jornalísticos permanecerem, eles não foram reunidos e republicados durante sua vida, o que propiciou espaço ao que temia Mário de Alencar: ele sugeria ao mestre e amigo que fizesse a edição de pelo menos “A Semana”, suas crônicas mais tardias e talvez mais famosas, publicadas na Gazeta de Notícias entre 1892 e 1897, a fim de que o escritor não tivesse seus textos, depois de sua morte, publicados “de maneira indiscreta e sem outra intenção que a do interesse mercantil (...)” (Mário de Alencar, ibidem, p.8). Em conclusão, com exceção da boa intenção (mas não a mesma qualidade de realização) da editora Jackson, na década de 1930, de publicar a Obra Completa de Machado, suas crônicas completas jamais foram reunidas ou trabalhadas editorialmente a contento. Para um público que, no Brasil, principalmente a partir do século XX, teve suas escolhas de leitura situadas cada vez mais nas mãos dos editores, fez-se um quase silêncio das crônicas machadianas, situação que a coleção da Editora da Unicamp promete e pretende mudar.

Agora, frente ao fato de que essas crônicas vão mesmo permanecer e, anotadas e estudadas, vão se multiplicar em leituras, o investimento machadiano na porção literária dessa tipologia textual, sobre o qual vimos falando há algum tempo, deve ficar de mais em mais evidente.

Ainda um outro exemplo da literariedade dessas crônicas, podemos encontrar na ficcionalização, de viés cômico, e quase sempre absurdo, de acontecimentos variados da semana, inverossímeis, inaceitáveis, inacreditáveis, etc. O trecho abaixo foi extraído de uma crônica de Notas Semanais, nas quais Machado usou sempre o pseudônimo de Eleazar, crônicas essas cuja edição, como dissemos, está no prelo. Impossível, no mínimo, não dar boas risadas:

Ia a edilidade em seus trabalhos, quando entrou na sala das sessões o fiscal da Candelária, trazendo pela mão um cavalheiro de ar complicado e nariz interrogativo. O fiscal apresentou-o com todas as formalidades usuais. O nariz da edilidade não ficou menos interrogativo que o do cavalheiro, que era nem mais nem menos um problema jurídico.

- Trata-se disto, começou o problema. Há de saber que houve um incêndio na galeria das Mil Colunas, cujo verdadeiro número não excede a vinte e quatro. Ficou ali uma grande porção de gêneros, que, depois de se corromperem a si próprios, corromperam o ar ambiente, e entraram a corromper os pulmões da vizinhança. O aroma desses restos só difere do da água de Colônia no único ponto de ser totalmente outro. O meu nobre amigo, aqui presente, compreendendo que a porção de munícipes a seu cargo mal poderia sofrer a vizinhança de tais restos, foi ter com os respectivos donos e intimou-os a removê-los dali; os donos responderam que haviam passado essa obrigação às companhias de seguros. Sem perda de tempo, dirigiu-se o meu nobre amigo às companhias de seguros, e delas ouviu que nem tinham recebido semelhante obrigação, nem sequer a conheciam de vista; que, naturalmente, a obrigação ficara com os donos dos gêneros. Voltou o meu nobre amigo aos donos, que o remeteram outra vez para elas, e elas para eles, até que, insistindo eles e elas no mesmo propósito, achou-se o meu nobre amigo diante de um problema, que sou eu, a saber: - A quem pertence a obrigação de remover os restos corruptos? It is the rub. Resolve-me ou devoro-te.

A edilidade, que tem notícia de Édipo, enfiou ao ouvir as últimas palavras do problema; mas dissimulou como pôde, fê-lo sentar, mostrou-lhe uma litografia, leu-lhe o tratado de Santo Stefano, recitou-lhe a Lua de Londres; em seguida, elogiou-lhe o padrão das calças. Esgotadas todas essas diversões, sem que o problema parecesse disposto a sair, a edilidade coligiu todas as forças, encarou-o com solenidade e disse:

— Não é fácil nem difícil o que me propõe; e todavia é uma e outra coisa. Talvez a obrigação pertença unicamente aos donos, porque são donos; mas não é fora de propósito que pertençam às companhias, que já lhes pagaram. O meio infalível de saber a qual das duas partes corre o dever de que se trata, é indagar a qual delas não incumbe. Neste ponto a negativa de ambas é assaz enérgica...

— Mas em suma, interrompeu o problema, a quem pertence a obrigação?

— Penso que ao bei de Tunis. Não vejo outra pessoa; é, na verdade, o único a quem se pode razoavelmente imputar a obrigação de remover os detritos, que estão envenenando a vizinhança da galeria das Mil Colunas. O bei, na qualidade de infiel e gentio, tem parte nos flagelos com que a Providência castiga os homens. O incêndio é um de tais flagelos; o das Mil Colunas entra nessa categoria. Nada temos, pois, com as companhias, nem com os donos; mas tão somente com o bei. Se não é a esse que incumbe a obrigação, então não precisa ir mais longe, não dê tratos à cabeça, não cogite um instante mais: a obrigação é do cardeal camerlengo, cujas orações deveriam ter afastado da galeria das Mil Colunas o aludido flagelo, e conseguintemente preservado os gêneros da podridão, e a vizinhança do tifo.

O problema declarou-se satisfeito com esse modo de ver, e levou o cavalheirismo ao ponto de oferecer-se para pagar os telegramas; a edilidade, porém, retorquiu dizendo que, pelos regulamentos em vigor, não podia entender-se diretamente com o bei nem o cardeal; e acrescentou que o melhor modo de remediar a dificuldade era arquivá-lo, a ele, problema. Este rejeitou o alvitre como ofensivo da dignidade de todos os problemas; e, convertendo-se em dilema, sacou uma pistola do bolso e apontou-a ao peito da edilidade. Nessa apertada situação, a edilidade não teve outro recurso mais do que confiá-lo ao seu advogado, que irá pleitear o caso nos tribunais. Quanto aos detritos...
(Crônica de 9 de junho de 1878, da série
Notas Semanais)

A pequena história que Machado inventa e insere na crônica faz sátira, grosso modo, à demora na solução para o problema do incêndio da Galeria Mil Colunas, que ocorrera em 12 de maio de 1878, deixando como resultado os detritos pelos quais, como se vê, nem os proprietários dessa galeria comercial se responsabilizavam, nem as companhias de seguro, nem o Município, a quem caberia, no mínimo, estabelecer o pertencimento da responsabilidade e fiscalizar o cumprimento das ações. Os recursos literários para acrescentar humor à ficção ilustrativa são:

1) a personalização do problema e da edilidade;

2) a ironia pela polifonia de vozes evidente (“O aroma desses restos só difere do da água de Colônia no único ponto de ser totalmente outro”);

3) o uso rebaixado da referência à tradição literária (“To be or not to be”, Hamlet, Ato III, cena I. No original é “there’s the rub”: “aí é que está o problema”; “Resolve-me ou devoro-te” é uma referência às palavras da Esfinge, que matava todos os que não solucionavam o enigma que ela propunha. Como se sabe, quem finalmente decifrou o enigma foi Édipo, protagonista de um dos mais famosos mitos gregos); 4) a pequena trama, que se desenvolve de forma a tornar em alegoria a não solução do problema por meio da divagação, da transferência da responsabilidade para uma outra autoridade em voga na época, o bei de Tunis (esse por razões ligadas à política européia evidentemente), em nada relacionado ao incêndio ou mesmo ao Brasil, entre outros. Como podemos ver, o material é farto e os resultados de sua análise, sempre saborosos.

Sem concluir, uma vez que o aparecimento dessas edições ainda nos levarão à frente na reflexão comparativa entre a criação da ficção machadiana, a experiência jornalística do escritor e o coincidente suporte material em que jornalismo e ficção machadianas eram veiculados, perguntamo-nos desde já qual é o sentido da presença, na crônica, da criação ficcional que dialoga com o dado real, mas recria-o e reapresenta-o como ficção, ainda que alegórica, absurda, outras vezes inverossímil, outras, ainda, desconcertante?

Machado de Assis, do cronista ao ficcionista, estaria procurando, entre outros objetivos, em recolocar, sem anacronismo de interpretação de nossa parte, “a ordem nos discursos?”.

Quem é

Lúcia Granja

Lúcia Granja é graduada em Letras pela Unicamp. Realizou na mesma universidade seu mestrado e doutorado sobre as crônicas de Machado de Assis, junto ao programa de Teoria e História Literária (IEL). Atualmente, é professora de Literatura Brasileira na Unesp (campus de São José do Rio Preto). Publicou, entre alguns artigos, o livro Machado de Assis, escritor em formação: à roda dos jornais (Campinas; São Paulo: Mercado de Letras; Fapesp, 2000). Recentemente, preparou duas edições das crônicas de Machado de Assis, publicadas pela editora da Unicamp: Comentários da Semana e Notas Semanais, essa última ainda no prelo, em parceria com Jefferson Cano e John Gledson, respectivamente. Entre outros projetos, como o da preparação da edição das crônicas da série Ao Acaso, a ser publicada pela Editora da Unicamp, é uma das responsáveis pela construção de um site sobre Machado de Assis, no qual coloca à disposição do público as imagens dos periódicos para os quais o escritor colaborou (www.machadodeassis.unesp.br).

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