| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 332 - 7 a 13 de agosto de 2006
Leia nesta edição
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40 anos em Parati
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Biodisel no IQ
Musicalização do corpo
 

4-5



Pinotti toma posse e
assume compromisso
de ‘integrar conflitos’

CAPÍTULO 35

Novo reitor toma posse em sessão tumultuada mas restabelece princípio da autoridade. Diretores retiram ações da justiça e Unicamp começa a voltar à normalidade

EUSTÁQUIO GOMES

Na posse de Pinotti, um Plínio visivelmente aliviado: crise chega ao fim com a volta dos diretores a seus postos (Fotos: Arquivo)A TRÊS SEMANAS de sua posse como o terceiro reitor da Unicamp na linha de sucessão de Zeferino Vaz, Pinotti deu uma entrevista a O Estado de S. Paulo em que relativizou a crise da Unicamp inserindo-a num contexto de normalidade histórica. Lembrou que a primeira universidade do mundo, a de Bolonha, vivera um período de conflito logo após sua implantação em 1088, e que da crise da Universidade de Paris nascera, em 1249, a Universidade de Oxford.

— A meu ver, é importante que a crise não seja prolongada e que seja aproveitada para que se façam modificações necessárias, permitindo um novo período de crescimento. Uma crise curta pode ser sadia para a universidade, porque pode ser criativa, esta é a essência da universidade – o seu poder de criação. Uma crise longa seguramente é uma crise negativa para a universidade e pode sepultá-la de vez, se não for solucionada.1

Ciente de que era preciso, o quanto antes, começar a cauterizar as feridas da intervenção, Pinotti não perdeu tempo: chamou à mesa de negociação os descontentes, a começar pelos diretores exonerados. Sua primeira providência foi trazer Prates e Chaves à Chácara Gramado, o haras onde vivia à margem da rodovia Campinas-Mogi Mirim. Disse a eles que pretendia pacificar o quanto antes a universidade.

— Do que vocês precisam para retirar os processos? indagou.

Uma das primeiras providências do novo reitor foi dar início ao processo de institucionalizaçãoFalando em nome dos oito diretores afastados, ambos relacionaram quatro pontos que, se atendidos, abririam caminho para a paz: a reintegração imediata dos diretores, a anulação da portaria que os exonerara, o pagamento das gratificações de cargo que Plínio suspendera seis meses antes, e, por último, a garantia de que se iniciaria um processo de institucionalização da Unicamp. Pinotti concordou com tudo e até acrescentou um ponto a mais: estava disposto a reintegrar também os 14 funcionários demitidos. Foi mais além, prometendo a ambos “o espaço político que desejassem, desde que não na esfera da mais alta administração, que já estava definida”.2 Reunidos naquele mesmo dia para analisar o assunto, os diretores exonerados acharam a proposta bastante razoável e, em bloco, dias mais tarde, assinaram um acordo na Justiça para a retirada das ações judiciais. Apesar das insatisfações que ressumavam e se reavivavam esporadicamente, inclusive depois da tumultuada posse de Pinotti na noite 19 de abril, a verdade é que a Unicamp, a partir dali, começou a retomar sua normalidade. Foi em tom construtivo, por exemplo, que a Associação de Docentes deu partida ao ano letivo de 1982 – já em si um indício de normalidade – listando as condições que seu novo presidente, o cientista político Eliézer Rizzo de Oliveira, julgava necessárias para a restauração da democracia interna:

... a reformulação dos estatutos [que deveria contemplar necessariamente] a desvinculação da carreira docente do exercício de funções administrativas, a ampliação da representação discente no Conselho Diretor, a descentralização administrativa da Unicamp em direção a uma maior autonomia das unidades, a volta imediata dos funcionários demitidos, a defesa e a ampliação das eleições diretas nas unidades para a escolha dos dirigentes universitários e o estabelecimento de compromissos da Reitoria em acatar tais deliberações, a necessidade de o Conselho pronunciar-se nas campanhas salariais, colocando-se ao lado das reivindicações dos docentes e funcionários.

O filósofo Rubem Alves, que foi à posse de Pinotti vestindo uma túnica de senador romanoMuitas dessas exigências já estavam na pauta de Pinotti, acertada com os economistas três meses antes. No dia da posse, podia-se dizer que a pacificação já estava em curso, embora não ainda em velocidade de cruzeiro. Pinotti, à falta de um salão na universidade com pelo menos 300 lugares, deslocou a cerimônia para o principal anfiteatro da cidade, o do Centro de Convivência Cultural, com 500 poltronas. Ali poderia acomodar não só professores e autoridades, como também a legião de convidados que mandara listar – da sociedade campineira, do país e do exterior. Todos os atingidos pela intervenção estavam presentes, exceto Maurício Prates (“por desconforto moral”, segundo o próprio). Rubem Alves, para fazer jus ao ofício que lhe solicitava “comparecer em vestes talares”, surgiu com uma soberba túnica de senador romano emprestada do reverendo James Wrigth, ex-professor da universidade americana de Notre-Dame, que então residia em Campinas.3 Vendo nisso um sinal de derrisão, os estudantes explodiram em aplausos quando Rubem surgiu no salão. Assim vestido, Rubem colocava-se no mesmo patamar dos “guardas suíços” guarnecidos de lanças que os organizadores da festa, a pedido de Pinotti, mandaram postar de cada lado do palco. Com Rubem, Pinotti gracejou antes do início da sessão, provocando o riso dos circundantes:

— Devo admitir que você ofuscou a minha beca verde.

Tudo isso serviu para espairecer um pouco os ânimos, mas também assanhou os estudantes que se comprimiam nas laterais do salão. Sob a beca, Pinotti exibia uma portentosa bota de gesso, conseqüência de uma queda de motocicleta sofrida dias antes, ao atravessar um campo de futebol. Foi claudicando que desceu a escadaria interna do teatro, sob intensa vaia dos estudantes. A zoada prosseguiu quando ele iniciou a leitura de seu discurso, aumentava quando ele subia o tom, para em seguida baixar a uma espécie de cantilena que despertava o riso, mas também o constrangimento da platéia. Nesse ponto Pinotti deu um golpe de mestre e, por assim dizer, inaugurou ali seu estilo florentino de comandar, capaz de aliar a autocracia à sedução. Um cronista da cidade resumiu assim o episódio:

Aquele salão de Campinas, nessa noite abafada de abril de 1982, era bem o retrato da universidade conflagrada, dividida e imobilizada que espera o seu novo reitor – sob litígio, sempre! – como a tribo que consagra seu novo chefe para em seguida contestar-lhe a autoridade. Compreendi que não lhe passavam somente a toga, mas também um barril de pólvora. Ao iniciar as saudações de seu discurso de posse, o novo reitor viu-se impossibilitado de continuar, tal a zoeira que vinha das galerias. Tememos pelo que poderia acontecer. Elevando a voz, mas sem perder a serenidade, ele disse: “Vocês foram respeitados em seu direito de entrar e participar; exijo agora que respeitem o meu direito de falar e de ser ouvido”. A platéia incrédula viu as galerias silenciarem. O princípio da autoridade havia recuperado alguns pontos.4

A partir dali, Pinotti discursou até o fim sem ser interrompido. O público, tomado da exultação que freqüentemente acomete as multidões quando identifica a figura de uma autoridade nova, passou a aplaudir de um modo tão frenético as melhores (e as piores) passagens do discurso que terminou por inibir (literalmente, destruir) a resistência dos estudantes. Um ponto alto foi quando o novo reitor, já com a toga nos ombros, citou a teórica Mary Parker Follet, renovadora do pensamento administrativo nos Estados Unidos a partir da década de 20 do século XX:

— Conflitos não devem ser eliminados, mas integrados. Há uma força construtiva nos embargos conflituosos. Há uma dinâmica de criatividade nos conflitos: discuti-los é chegar a algo novo.

No parágrafo final dirigiu-se a Zeferino Vaz como se ele estivesse presente, o mesmo Zeferino com quem tantas vezes conflitara, mas que chegara a pressagiar que Pinotti seria reitor um dia:

— Meu caro Zeferino Vaz, abrigado em sua capa e protegido por seu espírito, prometo dar o melhor de mim para dirigir a universidade que o senhor construiu, dirigiu e respeitou.
Foi aplaudido de pé.


1 “Como Pinotti pretende dirigir a Unicamp — uma escola em crise”. O Estado de S. Paulo, 2 de fevereiro de 1982.

2 Com efeito, na gestão Pinotti (1982-1986) Maurício Prates foi coordenador do Núcleo de Automação Industrial, criado especialmente para ele e seu grupo; Eduardo Chaves foi seu assessor especial para convênios e contratos; e Rubem Alves atuou como assessor de relações internacionais.

3 James Wrigth, pastor evangélico que organizou o projeto Brasil Nunca Mais com o arcebispo de São Paulo, D, Paulo Evaristo Arns, entre 1979 e 1985.

4 Eustáquio Gomes, introdução ao livro Ação de Reflexão, coletânea de artigos e discursos de José Aristodemo Pinotti, Papirus, 1986.


AGRADECIMENTOS
Este livro só se tornou real graças à colaboração de umas quantas pessoas. Sou grato aos mais de setenta personagens da história viva da Unicamp que me relataram suas experiências, o que foi uma prova de confiança, quando não de amizade. Além destes, agradeço a ajuda constante e competente dos funcionários do Arquivo Central da Unicamp (Siarq), em especial de sua coordenadora Neire do Rossio Martins, de Márcia Aparecida Marques Silveira e Cristina Correia Dias Barbieri; à Dra. Patrícia Morato Romano e a Lêda Fernandes, da Secretaria Geral da Unicamp; à coordenadora do Centro de Memória da Unicamp, Olga von Simson; aos funcionários do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e em especial a seu criador, o poeta Carlos Vogt; ao professor Edison Hiroyuki Shibuya, que se deu ao trabalho de corrigir vários trechos deste livro em que comparece a figura ímpar de César Lattes; e aos colegas de imprensa que trabalham a meu lado na universidade e que em mais de uma ocasião se envolveram com este projeto: Álvaro Kassab, Antoninho Perri, Antônio José Scarpinetti, Dulcinéia Aparecida Bordignon, Clayton Levy, Edson Lara, Luiz Paulo Silva, Luiz Sugimoto, Neldo Cantanti, Oséas Magalhães e Roberto Costa. (E. G.)

 

Epílogo

Interrompe-se aqui esta narrativa sem que dela tenha resultado, bem o sei, a biografia de seu protagonista ou um retrato da instituição que ele engendrou. Para ser biografia, havia que contemplar traços mais amplos de uma vida à qual não faltaram peripécias; e para que a instituição emergisse de corpo inteiro era preciso um esforço mais que jornalístico que desse conta dos esplendores e misérias da universidade no plano da cultura, da ciência e da complexidade de suas relações humanas. Outros o farão melhor quando for o momento. Afinal a história das universidades se conta por séculos – assim diz sua tradição européia já quase milenar – e este relato cuida apenas dos primeiros quinze anos de uma escola brasileira que ainda nem completou seu meio século.

Não vivi pessoalmente o período que escolhi narrar, salvo sua página final, que justamente marca minha entrada neste mundo peculiar de matemáticos e artistas, físicos e filósofos, engenheiros e cientistas sociais, químicos e lingüistas, biólogos e teóricos da literatura, economistas e médicos, educadores e geólogos, dentistas, informatas e tecnólogos. Logo compreendi de onde vinha seu fascínio: do variado e incessante cruzamento de códigos. Em tal mundo poder-se-ia reclamar de muita coisa, menos de monotonia.

Havia, porventura, a vantagem de não ser parte interessada. Nem mesmo conheci pessoalmente Zeferino Vaz. Arlinda Rocha Camargo, a fiel servidora que o acompanhou até aos últimos instantes, assegurou-me que, se houvéssemos coincidido no tempo, era certo que nos daríamos bem. É possível. Mas tenho dúvidas se ele ia gostar desta narrativa.

Em compensação, conheci e privei com todos os reitores que o sucederam até o ano do aparecimento deste livro: Plínio Alves de Moraes (1978-1982), José Aristodemo Pinotti (1982-1986), Paulo Renato Souza (1986-1990), Carlos Vogt (1990-1994), José Martins Filho (1994-1998), Hermano Tavares (1998-2002), Carlos Henrique de Brito Cruz (2002-2005) e José Tadeu Jorge, cujo mandado, neste ano do quadragésimo aniversário, ainda vai a meio. Excetuando o período Plínio e três quartos da gestão Tavares, partilhei com os demais a experiência exultante de ver a universidade emergir da crise, crescer, adensar-se e ganhar musculatura.

Dessa parte da história, por tê-la vivido pessoalmente, tenho uma visão distinta. Fui testemunha ocular de muitos de seus fatos e a estes vejo sob uma luz mais crua, em todo caso mais verdadeira. O certo é que nunca o fascínio desse mundo peculiar me abandonou. Sempre soube que uma vida mais rica flui por baixo do registro institucional. Às vezes me perguntam se darei continuidade a esse relato. Quem sabe, um dia, como matéria de memória. (E. G.)


 

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