| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 332 - 7 a 13 de agosto de 2006
Leia nesta edição
Capa
Artigo: Diagnóstico das patentes
Cartas
40 anos em Parati
Talento
Almeida Prado
Mandarim 35
Faltam tomadas
Fraturas por estresse
Pão de forma
Vinagre brasileiro
Chuvas e relevo
Painel da semana
Teses
Livro
Destaques do portal
Kyatera
Biodisel no IQ
Musicalização do corpo
 

11

Freqüência na disciplina de Química Experimental
se mantém mesmo durante a Copa do Mundo

Experimento com biodiesel
no IQ é
atração para alunos
de outros cursos


O entusiasmo despertado por um experimento com biodiesel no Instituto de Química, junto a alunos de outros cursos como Física e engenharias Química, Civil e Agrícola, contagiou tanto o professor Ulf Schuchardt como seu jovem orientado Roberto Rinaldi. Naturalizado brasileiro, Schuchardt veio da Alemanha há 30 anos, convidado pelo fundador da Unicamp Zeferino Vaz, e mesmo aposentado segue no IQ como professor colaborador voluntário. Rinaldo recebe bolsa de doutorado com o compromisso adicional de atuar como instrutor graduado na disciplina de Química Geral Experimental, oferecida a estudantes de outras áreas.

O interesse demonstrado pelos alunos na produção de biodiesel, em experimento realizado na última semana do semestre e que encerrou a disciplina, tem uma explicação: geralmente, experimentos em laboratório exploram conceitos desenvolvidos em aulas teóricas, sendo pouco atrativos quando não estão inseridos na realidade dos alunos. Em relação ao biodiesel, assunto de destaque na mídia, todos se mostraram interativos e animados, mesmo em clima de Copa do Mundo – e em dia de jogo da seleção brasileira no caso de certas turmas. O experimento suscitou elogios, como do estudante de Engenharia da Computação que elegeu o tema como “o melhor do curso”, ou de outro, da Civil, que chegou a afirmar que “deveria ter feito Química”.

Idéia é levar graduandos a atacar problemas práticos

“Os alunos no Brasil são extremamente bons no nível teórico, mas não sabem atacar problemas práticos”, foi o que ouviu Roberto Rinaldi, em bom português, de um alemão aqui radicado e que preside uma famosa indústria da área química. Ele recrutava pós-doutorandos para o desenvolvimento de produtos, mas na Alemanha. Rinaldi fazia estágio na TU-Berlin e RWTH-Aachen, em dezembro, quando assistiu a uma palestra do executivo. “Ele falou muito bem do nosso país. No final, decidi abordá-lo para expressar minha estranheza por estar buscando químicos lá fora, se também formamos bons profissionais aqui. A resposta me abalou”, admite o brasileiro, que desde a graduação se orgulha de estar na Unicamp, uma das principais universidades brasileiras.

Na volta, Roberto Rinaldi sugeriu ao professor Ulf Schuchardt que fizessem mudanças paulatinas nos cursos por eles ministrados. “Se conseguirmos demonstrar a possibilidade de desenvolver nos alunos a capacidade de atacar problemas práticos, buscando soluções para necessidades brasileiras, deixaremos uma grande contribuição”, afirma. Sobre essa formação desvinculada da prática, Rinaldi considera que muitas vezes as ementas dos cursos são “insanas” quanto ao conteúdo: “Lá fora os alunos recebem muito menos carga teórica. O processo de aprendizado não se dá com o professor jogando sobre o aluno um amontoado de informações, um livro inteiro por semestre. Uma coisa é formá-lo, outra é formatá-lo. Ele precisa estar preparado para atacar problemas, credenciando-se para agir em qualquer situação, com os recursos de que dispõe”.

Na opinião de Ulf Schuchardt, os professores muitas vezes sufocam o aluno com informações. “Ele não tempo de parar para pensar, quando a universidade deveria incentivá-lo a isso. As informações estão disponíveis nas bibliotecas e na Internet. Os alunos devem fazer estágios nos laboratórios de pesquisa, onde se deparam com os problemas e são obrigados a resolvê-los para alcançar um resultado. Infelizmente, nossa graduação não faz isso de maneira satisfatória”, critica. Segundo Rinaldi, é o questionamento que leva a pessoa a desenvolver suas potencialidades: “Um bom professor não é aquele que responde a tudo, mas aquele faz as perguntas certas e leva o aluno perguntar-se a si mesmo”.

Descobertas – Uma pergunta que Rinaldi se faz é por que as grandes descobertas só acontecem em centros como Oxford, Cambridge, MIT ou Max Planck. “Já estive em alguns desses lugares e considero o Instituto de Química da Unicamp igualmente bem aparelhado. Lá as coisas acontecem porque eles estão preocupados em resolver os seus problemas, enquanto nós geralmente procuramos em resolver os problemas de fora; queremos nos impor cientificamente ao mundo fazendo a mesma ciência dos centros de ponta. No meu entendimento esse não é o caminho”.

Ulf Schuchardt, por sua vez, lembra que ao chegar ao Brasil, no inicio de 1976, também realizava pesquisa sofisticada demais para as condições que encontrou à época, dentro de um IQ que engatinhava: “Logo percebi que seria difícil continuar naquela linha e comecei e trabalhar com bagaço de cana, que tinha preço zero, para espanto dos meus colegas que não consideravam aquilo como pesquisa. Esses trabalhos iniciados há trinta anos se tornaram muito importantes e atuais, na área hoje denominada de biorrefinarias”, exemplifica. Schuchardt afirma que a obtenção do biodiesel em laboratório de ensino é um experimento simples, exigindo vidraria básica, mas que os fenômenos observados são de uma riqueza muito grande e, mais importante, imprevisíveis para o aluno. “Ele se questiona diante de resultados diferentes do esperado, se questiona, pensa e entende o que está "acontecendo".

Os muitos caminhos para o biodiesel

O professor Ulf Schuchardt está envolvido com o biodiesel desde que o programa chamava-se Pró-Óleo, idealizado pelo Governo Federal por volta de 1978/79, após a implantação do Pró-Álcool em1975. O Pró-Óleo passou a ser discutido mais seriamente no início dos anos 80, quando Schuchardt participou de varias reuniões no Ministério de Minas e Energia para discutir sua implantação. Testes realizados na época, em motores a diesel, mostraram a viabilidade do programa. Paralelamente, o professor orientou na Unicamp tese de mestrado sobre biodiel, depositando em 82 a patente que ganhou o Premio Governador do Estado, enquanto seu aluno recebia o Prêmio Jovem Cientista do CNPq. Em 83, nova patente mereceu outro Premio Governador do Estado.

Interrompido em 1985, o programa foi retomado em 2002 com o nome atual, fazendo com que Schuchardt voltasse a trabalhar na área. Sua orientada Camila Martins Garcia apresentou este ano uma dissertação de mestrado envolvendo a obtenção de biodiesel, e segue na pesquisa em doutorado com bolsa da Capes. Já a mestrando Letícia Ledo Marcinink concluirá seu trabalho sobre catálise ácida também em 2006. “Devido ao interesse nacional, retomamos nossas atividades com biodiesel e depositamos outra patente em janeiro último”, informa o professor.

Na primeira patente Schuchardt apresentou um processo contínuo de fabricação de biodiesel, onde os reagentes são bombeados para dentro do reator, que na saída libera o produto pronto. A segunda patente está ligada à analise do biodiesel. A patente do inicio deste ano apresenta a utilização de um catalisador heterogêneo que viabiliza o processo contínuo. “Concluídos os estudos sobre o catalisador, estamos procurando parceiros para implantar o processo na indústria. Estabelecida a parceria, segue a fase de detalhamento do processo”, explica.


Segundo Ulf Schuchardt, o importante no processo de obtenção do biodiesel é que se parte do óleo ou gordura barata, pois qualquer oleaginosa leva ao mesmo produto final. Utiliza-se canola na Alemanha e soja no Estado de São Paulo, mas óleos podem ser obtidos de mamona, babaçu ou dendê, da gordura de animais como frangos, bois e porcos (muito mais barata), de óleos queimados e de frituras, e até de espuma da gordura que se acumula nas estações de tratamento de água. “Nossa proposta é a utilização de gorduras de uso menos nobre do que as alimentícias, já que todas levam à mesma qualidade do diesel”, esclarece.

O problema é que essas gorduras não podem ser utilizadas diretamente no motor a diesel, devido à alta viscosidade e porque a glicerina que as constitui origina produtos nocivos à saúde com sua queima. A solução é a transformação dos óleos e gorduras em algum composto com menor viscosidade e que queime limpo dentro do motor, sem deixar depósitos. Esta transformação envolve a substituição da glicerina por metanol ou etanol. A dificuldade no processo é a separação do biodiesel da glicerina liberada. “Camila e Letícia buscaram alternativas para aplicação do processo usando catalisadores homogêneos e heterogêneos, e que podem ser levadas a cooperativas ou a quaisquer lugares”, assegura o professor.

Óleo no quintal – Roberto Rinaldi compara a simplicidade da obtenção de biodiesel com as histórias em quadrinhos em que Donald e Pateta faziam jorrar petróleo de um buraco no quintal. “A simplicidade é a mesma. Você transforma óleos vegetais e gorduras agregando-lhes valor como combustível ou até como insumos químicos importantes. No laboratório o aluno recebe metanol, óleo vegetal adquirido em supermercado e o catalisador. Usa-se um agitador, erlenmeyer e tubos de ensaio, que são materiais corriqueiros. O experimento gera grande interesse do aluno e o mantém alerta em relação ao aproveitamento das riquezas do país”, afirma.

Ulf Schuchardt explica que a catálise clássica permite a transformação de óleos e gorduras em biodiesel à temperatura ambiente, através de uma reação simples que, bem feita, leva à separação do diesel e da glicerina que se forma paralelamente. “Os alunos utilizaram várias proporções na mistura, constatando assim a importância das quantidades de catalisador, de álcool e das condições da reação. Os experimentos que oferecemos tradicionalmente servem para ilustrar princípios que os alunos aprendem em sala, mas raramente os levam a perguntar para quê serve aquilo”, observa. O sucesso da iniciativa leva a crer que neste segundo semestre os alunos terão mais um experimento contextualizado.

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2005 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP