Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 262 - de 16 a 22 de agosto de 2004
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Fórum: área da saúde
Tela angelical
 

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Dissertação de mestrado sustenta que
falta de pai faz com que usuário não crie vínculos afetivos

Ausência da figura paterna leva
ao consumo abusivo de drogas


MANUEL ALVES FILHO


O psiquiatra e psicanalista Maurício  Miguel Gadbem: "É preciso intervir no ritual, impor limites, estabelecer regras" Os usuários compulsivos de drogas não possuem desenvolvida capacidade para pensar de forma simbólica, conseqüência da ausência de alguém que exercesse adequadamente a função paterna na sua formação. Esta limitação à simbolização, que os impede de sentir o outro na falta deste, estaria na origem de um comportamento onipotente, que inclui, entre suas formas de manifestação, o consumo abusivo de substâncias psicoativas lícitas (álcool) e ilícitas (maconha, cocaína etc). A hipótese é defendida na dissertação de mestrado do psiquiatra e psicanalista Maurício Miguel Gadbem, apresentada recentemente na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. O trabalho, orientado pelo professor Marcos de Souza Queiroz, é o resultado de mais de dez anos de experiência do autor no atendimento a drogadictos na Clínica Cristália, em Itapira, interior de São Paulo.

Comportamento onipresente, uma das conseqüências

Gadbem está convencido de que sua hipótese é mais do que factível. Ao ser questionado se todos os usuários compulsivos de drogas têm trajetórias que os vinculam à ausência de alguém que exercesse o papel de figura paterna na sua formação, o pesquisador responde enfaticamente: “Na clínica, quando verificamos que o drogadicto não viveu esse tipo de privação, passamos a duvidar do diagnóstico de dependência de substâncias psicoativas”. De acordo com ele, os usuários de drogas são, em geral, filhos de pais mortos, separados, incapacitados ou igualmente dependentes de drogas. Muitos foram criados por avós ou parentes, não conheceram os pais ou são adotivos. “Normalmente, a ausência de alguém que exercesse a função paterna coincide com a ausência do próprio pai”, acrescenta.

O psiquiatra sustenta em seu estudo que o problema do usuário compulsivo não é a droga em si, mas sim a falta de identidade, que o impede de ser conseqüente, amadurecer e desenvolver vínculos afetivos e relações sociais sólidas. É como se ele usasse as substâncias psicoativas como um objeto de transição entre a infância e a idade adulta. Não por acaso, lembra Gadbem, o consumo de drogas é mais freqüente na adolescência. “Essas pessoas se negam a amadurecer. Elas vivem prisioneiras num mundo onde impera o prazer; um mundo onírico”, afirma.

Proporcionar a apreensão da realidade, destaca o autor da dissertação, é um dos atributos da função paterna. “Não apenas da realidade externa, mas principalmente da realidade interna, o que implica na capacidade de pensar e conseqüentemente constituir uma identidade pessoal. Estas, se erigidas sob vínculos fortes, que proporcionem segurança, poderiam levar o indivíduo a uma melhor adaptação às exigências familiares e sociais. Ao contrário, quando construídas sob um precário exercício da função paterna, solicitariam ao indivíduo o incremento de medidas defensivas que não possibilitam o desenvolvimento”, escreve Gadbem em seu trabalho.

Entre essas medidas defensivas, aponta o psiquiatra, está o comportamento onipotente, cujas características são: agir sem pensar e não tolerar a frustração, entre outras. “Desse modo, a identidade dos usuários compulsivos de drogas funcionaria como as muralhas de uma fortaleza, prontas a defender quem ali habita. Mostram-se altas e imponentes, mas escondem seres frágeis e inseguros, que de outro modo não poderiam sobreviver, quiçá desenvolverem-se na busca de sua independência pessoal”, explica Gadbem. O uso de drogas, prossegue o especialista, é um ato ritualístico.

A experiência da repetição, diz, protege o drogadicto do contato com o novo, com o angustiante. “É comum os usuários compulsivos dizerem que nada se compara ao prazer obtido na primeira vez que consumiram determinada droga. Ou seja, todas as outras sessões são uma tentativa de voltar à primeira dose”. O exercício adequado da função paterna, sustenta o psiquiatra, auxiliaria o indivíduo a se libertar da droga, inserindo-o num outro contexto, no qual seria possível o desenvolvimento de uma identidade pessoal. Nesse aspecto, nota Gadbem, os hospitais psiquiátricos seriam altamente terapêuticos se exercessem essa função paterna ao longo do tratamento dos drogadictos. “É preciso intervir no ritual, impor limites, estabelecer regras. O problema do usuário compulsivo, insisto, não é a droga em si, mas sim a sua dificuldade em amadurecer”.

De acordo com o pesquisador, esse aprendizado leva tempo e varia de acordo com a pessoa. O papel da família nesse processo é fundamental. O usuário compulsivo de drogas, afirma, não deve ser estigmatizado, dado que é o reflexo de uma situação familiar que precisa ser revista. “O problema das drogas é sério, mas não pode continuar sendo encarado apenas sob um ponto de vista único. Não basta olhar somente para as drogas, para os traficantes ou para a questão da descriminalização. É preciso que nos voltemos para a pessoa do drogadicto”.

A sociedade atual, narcisista, promoveu a desvalorização da figura paterna, segundo o psiquiatra. A chamada “produção independente”, rotineiramente abordada nas novelas da televisão, é um exemplo dessa situação, a seu ver. “Penso que temos que resgatar a figura do pai. Ela é fundamental para a formação dos filhos”, conclui Gadbem, membro do Instituto da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro e professor da Universidade do Vale do Rio Verde (Unincor), em Três Corações, Minas Gerais. Contatos com o psiquiatra podem ser mantidos pelo e-mail .


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