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Afinal, qual é o pente que te penteia?
Educadora questiona porque as professoras da
pré-escola também não penteiam as crianças negras

ma mulher negra aproximou-se, tímida, da educadora Petronilha Gonçalves e Silva, que acabara de falar no I Seminário sobre Gênero, Exclusão e Prática de Leitura. O testemunho da mulher, confessional e sussurrado, poderia ser acrescentado aos demais relatos de discriminação ouvidos e narrados na manhã do último dia 18 de julho por Petronilha. Mas era uma história diferente, na qual a vítima era a diferença. A professora, que fez pós-doutorado em Teoria da Educação na Universidade da África do Sul, dois anos depois do fim do apartheid, ficou emocionada com o que fora balbuciado por sua interlocutora, mãe de um menino matriculado numa escola tradicional de São Paulo.

Um menino vaiado por toda a classe a mando da professora e que se transformara em saco de pancadas dos colegas no pátio. Apertando a bolsa contra o peito, a mãe disse que o menino, um dos três negros da escola, estava ficando agressivo. “É o mínimo. Graças a Deus, é um sinal de que ele está reagindo”, argumentou Petronilha, para em seguida passar à mulher o telefone do Instituto Negro, que oferece apoio psicológico em casos de racismo. “É uma tragédia, um caso de polícia”, opinou, minutos depois do encontro. Mais uma presenciada por essa professora do Departamento de Metodologia do Ensino da Faculdade de Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Apesar de tudo, ela aposta num novo modelo de escola, implementado por representantes dos excluídos e de instituições.

Petronilha cita exemplos isolados, entre eles o curso batizado de Direitos Humanos e de Combate ao Racismo, promovido pela UFSCar. Dirigido a professores, foi assistido por 500 docentes, alcançando indiretamente seis mil alunos em cidades como Rio Claro, Americana, Limeira e São Carlos. “A gente vê que a desinformação é muito grande, que o professor ainda trabalha e julga em cima de estereótipos, mas não há duvida de que eles estão despertando”. Para Petronilha, as mudanças em curso tocam questões pertinentes à própria identidade dos professores. “Quem prega uma educação transformadora e se pretende justo não pode aceitar essas circunstâncias”.

A professora vê nos chamados parâmetros curriculares da pluralidade cultural o “grande mérito” de colocar a discussão no centro da sala de aula, embora, ressalva, não tratem das questões e das tensões raciais. “Os professores se vêem instados a debater essa pluralidade. E a questão do racismo aponta disparada”. Petronilha entende também que a uma mudança de mentalidade só virá a longo prazo, por meio de uma discussão que envolva todos os segmentos da sociedade. “Não é um assunto só de negros e professores; é um assunto de brasileiros”.

A educadora vai desfiando o rosário de aberrações. Inúmeras delas. “Não vamos nem falar em saúde, trabalho, moradia...No que diz respeito à educação, o preconceito está nas falas dos professores, na postura. Os negros estão nas escolas apenas nas primeiras séries; depois, na universidade, sua presença vai rareando, embora o número de matriculados seja maior do que o de 10 anos atrás”. A exclusão, diz, começa na pré-escola, em procedimentos prosaicos, como, por exemplo, com o fato de os professores não pentearem o cabelo de crianças negras. “Os professores deveriam perguntar às mães, se é que eles não sabem. Não há mistério, mesmo porque existem pentes especiais. A exclusão começa aí, o ambiente não acolhe”.

Petronilha cita ainda o livro didático como segregador ao omitir a presença do negro ou ao colocá-lo invariavelmente na condição de escravo e não de escravizado. “Parece que os males do nosso ensino só aparecem com os negros, quando eles estão presentes. Parece que seria da natureza dos negros serem escravos. E não há esclarecimentos sobre isso”. A educadora lembra que, na mesma época em que era fundada a Universidade de Bolonha, o continente africano tinha duas instituições de ensino superior. No século 16, a África tinha pelo menos três universidades. “Uma professora negra chorou quando soube disso”, revela.


 

“FHC quis salvar um pedaço do Brasil moderno; o resto do país que se danasse. Ficaram os de sempre, um contingente engrossado pela exclusão recente provocada pelo desemprego. São pessoas que foram socializadas pela escola e pelo emprego, mas que estão excluídas agora. É diferente daquele que jamais teve emprego, e isso é uma bomba porque você está ampliando a exclusão. Os jovens não encontram trabalho, não encontram saídas. E na hora em que FHC decide salvar o pedaço moderno do Brasil, acaba a luz...”

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“Trabalho um pouco com essa coisa das analfabetas, com essa escola que tem incorporados diferentes. Acho que tem uma novidade na escola: ela está se tornando mais democrática, porque está incluindo os portadores de necessidade especial, que estavam escondidos pelas suas famílias”.

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“Na hora em que propõe a educação inclusiva, a escola é interessante. Essas crianças das classe populares cada vez mais passam pela escola, que ao mesmo tempo em que abre suas portas, abandona. Por que? Qual a professora capaz de dar conta de tamanha diferença, diversidade e exclusão. É um paradoxo: ao mesmo tempo em que tem uma potência de diferença, os professores não conseguem fazer nada”.

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“É preciso dar condições para que os professores administrem a diferença. Ninguém sabe o que é diferença, a gente não lida com isso. O que a nossa cultura faz com o diferente? Exclui, tira da frente... Acho que temos de centrar fogo nessa escola, por que nela está todo mundo: as classes populares, os portadores de deficiência. Por isso, acho que a força da escola nesse momento pode ser interessante”.

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“Os professores não podem estar sozinhos, tem de ser um trabalho coletivo, tem de ser um projeto da escola. Não é apenas a professora e sua sala de aula. Isso é mortífero para ela e para seus alunos. Precisa ser um trabalho coletivo, que envolva pais, diretores, universidade e comunidade, seja em oficinas ou em projetos educativos”.

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“O país hoje não é uma abstração. Você tem prefeituras de esquerda em várias cidades, e isso é uma mudança. São lentas, pode ser até que não evoluam, mas acho que algo de novo se anuncia. Projetos passam a ser forjados nas escolas e isso talvez dê resultados daqui a quatro anos”.

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