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Os físicos e a Bíblia
Uma conversa sobre a origem do universo com o emérito Cesar
Lattes, que considera Einstein um plagiador, e Marcos Danhoni,
outro físico divergente que também ataca a dogmatização da ciência

TATIANA FÁVARO

– No princípio, Deus criou os céus e a terra.
– Os céus e a terra, está bem? E depois criou as águas. Continue lendo...
– A terra era informe e vazia. As trevas cobriam o abismo e o espírito
de Deus movia-se sobre a superfície das águas.
– Tinha o céu, a terra e as águas. Então, o que Ele disse?
– Deus disse: ‘Faça-se a luz’.
– Ele estava no escuro...
– E a luz foi feita. Deus viu que a luz era boa e separou a luz das
trevas. Deus chamou ‘dia’ a luz e às trevas, ‘noite’. Assim surgiu a
tarde e em seguida a manhã. Foi o primeiro dia.
– Está bom? Então você queria saber sobre a origem do Universo? Está
aqui a origem do Universo. Você conhece, já ouviu falar desse livro?

oi assim que começou o diálogo entre a repórter e o físico Cesar Lattes, professor emérito da Unicamp, na manhã de 19 de julho. O peso do livro do Gênesis foi maior que o dos livros todos reunidos na Bíblia pousada sobre o sofá, lida pela jornalista a pedido do cientista. Dia agradável, ensolarado, na casa simples e acolhedora do distrito de Barão Geraldo, em Campinas, onde se abriga a família de um maiores cientistas do mundo.

Em 1947 o professor descobriu o méson-pi, depois de expor chapas fotográficas muito sensíveis, conhecidas como emulsões nucleares, à altitude de 5,6 mil metros do Monte Chacaltaya, na Bolívia, onde a detecção dessas partículas seria presumivelmente mais favorável. “Mas mais emocionante foi detectar os mésons produzidos artificialmente, com Eugene Gardner, em Berkeley”, relembra o mestre.
Aposentado desde 1986, Lattes diz aceitar a Bíblia como a origem da matéria. “Sou judeu, católico apostólico romano, stalinista, cristão, ortodoxo, animista e maometano”, brinca, ao ser questionado sobre religião. Os óculos acima da testa, as pausas na fala e o cigarro sempre à mão – aos 77 anos fuma um maço e meio por dia, sempre com o cuidado de tirar o filtro –, dão ao cientista, que virou verbete da Enciclopédia Britânica, um ar compenetrado.

Bobagem, como diria ele. Lattes, apesar de ótimo observador, é uma criança. Brincalhão, irreverente, mostra as fotografias pregadas nas paredes de sua biblioteca maravilhado, como se também as visse primeira vez. “O patrão aqui sou eu. O manda-chuva é aquele com o cigarrinho na boca”, diz, apontando para a fotografia do pai, Giuseppe, num pequeno quadro pendurado. “O patrono maior é esse aqui embaixo”, acrescenta, indicando outra fotografia, a do físico dinamarquês Niels Bohr, prêmio Nobel em 1922 por apresentar a teoria sobre a estrutura atômica e espectros atômicos. “Ele (Bohr) foi um filósofo natural. E lá em cima está o maior do século, sabe quem é?”, pergunta. “Ernst Rutherford”, ensina, sobre o físico inglês que em 1911 revelava, por meio de sua experiência, a existência de um núcleo atômico. “Dois monstros. O Rutherford, mais pé no chão. O Bohr, um pouco visionário: fim da vida dele foi tentando convencer os norte-americanos a não fazerem a bomba atômica”.

Curitibano, Cesar Lattes foi um dos criadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e tornou-se professor da Unicamp em 1967. Não vai mais à Universidade. “Às vezes ela vem a mim”, afirma, desacreditado quanto aos moldes da educação atual. “Digo hoje para os estudantes de Física: assistam às aulas teóricas, mas façam a parte de laboratório e, se possível, construam sua aparelhagem”. E para os físicos: “Ah, se eles são físicos mesmo, não tenho nada a dizer, eles sabem o que estão fazendo. Agora, para os que estão na pós-graduação, digo: não façam, porque ciência se aprende fazendo; não deixem que modelem sua cabeça”.

Lattes é apenas bacharel. “Acho que, como bacharel, fiz bastante coisa”. À sua frente, contudo, o professor Marcos Cesar Danhoni Neves, mestre em Física e doutor em Educação pela Unicamp, lamentga: “Não é mais possível deixar de se submeter a uma pós-graduação, porque infelizmente toda a estrutura está montada para te ver doutor”. Danhoni, apesar de escolado, defende o pensamento intuitivo e prega a popularização da ciência por meio da literatura, temas de seu livro Memórias do Invisível – Uma Reflexão Sobre a História no Ensino da Física e a Ética na Ciência.
Danhoni esteve em Campinas para participar do 13º Congresso de Leitura do Brasil (Cole) e da 4ª Feira de Leitura, realizados na Unicamp. Aproveitou a passagem para enriquecer a conversa da manhã do dia 19. Abaixo, trechos do bate-papo do Jornal da Unicamp com Cesar Lattes e Marcos Danhoni Neves:

Jornal da Unicamp – O que o senhor acredita ser aceitável para explicar a origem do Universo.

Cesar Lattes – A realidade objetiva, a realidade no duro, é a resultante da superposição de todas as vontades: animais, vegetais, minerais e objetos manufaturados. Tudo tem alma. Até esse fósforo que acabei de acender. Vamos falar de Universo: cada ser é um Universo. Dizem que existem infinitos Universos. Eu não consigo conceber o conceito de infinito. Então, da origem de qual deles vamos falar? Das galáxias? Olha, eu acredito nesse livro aqui (bate na capa da Bíblia). Professo acreditar no que o cientista fala – porque é assim que ganho dinheiro como professor –, mas eu não acredito, acredito na Bíblia. As galáxias, dizem eles, está na moda, e o Big Bang, o traque enorme há 18 bilhões de anos, originou o Universo. Mas apareceu onde? No espaço e no tempo. Deus criou a matéria. Então, a origem do Universo, de acordo com os bobocas dos astrônomos, foi há 18 bilhões de anos. Só que o Sol existe apenas há 5 bilhões de anos... Eles dizem também que o Universo está em expansão. É o que dizem.

JU – E o senhor, o que diz?

Lattes – (Bate cinco, seis vezes sobre a Bíblia)

JU – Se a teoria do Big Bang ainda é aceita, não em sua essência, mas em algumas nuances, podemos questionar de onde veio a matéria antes da grande explosão...

Lattes– Deus criou. E eu não brigo com astrônomos por isso, porque eu não os levo a sério.

JU – Se formos falar nas teorias atuais...

Lattes – Quais? Temos a budista, a da Santa Igreja Católica e as que ensinam nas universidades ocidentais...

JU – Qual a avaliação que o senhor faz da discussão de teorias recentes sobre a origem do universo nas universidades?

Lattes – Charlatanice! Porque falam de coisas sobre as quais não se pode fazer experiência. O conhecimento vem da observação. E, mediante a observação, a gente faz medidas em geral para chegar às leis. O que se pratica nas universidades é muito limitado. Para se abrir a observação é preciso trabalhar.

JU – Quais as principais diferenças entre a Física de hoje e a praticada há 50 anos?

Lattes – Muito mais charlatanesca, porque o pessoal fica falando bobagens... Big Bang, materialização da energia... Energia não se materializa, energia é energia. Eu estou escrevendo um tratado, cujo título é “Tempo, Espaço, Matéria e Velocidade Limite”, ou “Energia, Momento, Massa e Velocidade Limite”. Você não pode materializar energia. Estudar a expansão do Universo é difícil. A gente pode tentar observar o Universo. Mas o estudo só é válido se houver observação. Só teoria é conversa. Tem expansão contínua, pré-expansão... Posso falar uma palavra chula? Teoria é masturbação. As mulheres não conseguem mais domar os homens e eles vão para os laboratórios e ficam se masturbando.
(Chega o professor Marcos Danhoni)

JU - Apesar de ser um físico da nova geração, a avaliação do professor Marcos também é crítica em relação ao que se ensina nas universidades...
Danhoni – Primeiro, apesar de eu ser físico, formado, graduado...

Lattes– Pós-graduado...

Danhoni – Pós-graduado na Unicamp, também tenho uma pós-graduação em Educação. Ou seja, tenho um pé nas ciências ditas exatas, que de exatas não têm nada, e um pé nas ciências humanas, o que já é considerado para a academia uma coisa complicada, apesar de se falar em interdisciplinaridade.

Lattes – Espera, espera! Você é órfão?

Danhoni – Não.

Lattes – Então, pós-graduação em Educação, não. Quem educou você foram seus pais. O que a pós ensina é bobagem. (Risos)

Danhoni – É. Digo que sou um contestador, educador, divulgador da ciência. Porque quando se diz “você é físico”, parece que a gente tem de comungar da grande “igreja acadêmica”. Muitas teorias querem indexar o real à realidade objetiva e dizer que isso é a fotografia do real. É quando muitos deixam de fazer ciência para fazer sacerdócio. E nisso eu me aproximo do que o professor Lattes diz, que esse ensino visto hoje é muito dogmático. É uma educação que não estimula a criatividade, o pensamento divergente e não sabe trabalhar com esse tipo de atitude. Você é condicionado – e não educado – a ser um solucionador de problemas.

Continua ...

 

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