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Os Estudos Avançados: uma retomada
dos valores universais do conhecimento

No dia 23 de março deste ano, a Unicamp sediou o primeiro simpósio internacional sobre estudos avançados em solo brasileiro, com a participação dos diretores dos institutos de Princeton, Stanford, Jerusalém, além do IEA/USP e do Centro de Estudos Avançados (CEAv/Unicamp), com os comentários do diretor científico da Fapesp, professor Brito Cruz, e do professor Marcelo Knobel, pró-reitor de Graduação da Unicamp. Essa pioneira iniciativa em território brasileiro segue-se ao encontro de setembro de 2010, em Freiburg, Alemanha, no qual estiveram presentes, também pela primeira vez, os institutos de estudos avançados sediados em universidades de todos os continentes, quando o CEAv-Unicamp e o IEA/USP representaram a América Latina (Jornal da Unicamp 15/03/2011, p. 2). Mas, porque o interesse, crescente e expandido, nos Estudos Avançados? Algumas respostas foram dadas nesses eventos, algumas delas bem diretas e relevantes: as melhores universidades do mundo possuem tais institutos e o que há de melhor na ciência mundial provém, em boa medida, dessas instituições. Por isso mesmo, países como a China e a Coreia têm investido nessas iniciativas, já com resultados importantes. A famosa prova do pudim dos ingleses (“a prova do pudim está em comê-lo”) mostra, portanto, que os estudos avançados são um grande êxito.

Isto, contudo, não responde às causas, àquilo que explica esse resultado. O que explica esse sucesso tão retumbante? Para isso, conviria retornar, como propôs o físico Peter Goddard, diretor do IEA de Princeton, aos primórdios da busca pelo conhecimento, entre os gregos, com sua especulação desembaraçada e descompromissada (aquilo que eles chamavam de skholé, de onde provém a nossa “escola”). Esse princípio foi também aquele que esteve presente, sob novas formas, no surgimento dessa instituição tão fundamental para a organização do conhecimento, a universidade medieval, com seu objetivo de permitir tudo almejar estudar (daí o nome que está conosco até hoje, universitas studiorum, o conjunto dos estudos). Essa ambição foi retomada, sob novas formas, a partir da ciência experimental, racional e especializada na fundação da moderna universidade, a partir do modelo germânico de Wilhelm Von Humboldt, para quem tudo se devia tentar saber e fazer (alles wissen, alles tun).

Com o passar das décadas, desde o início do século XIX, a ciência passou por um processo de crescente especialização e burocratização. Por um lado, cada vez se sabe mais sobre menos, e sem essa super segmentação, muito do avanço da ciência moderna seria impossível. Como se diz apenas em parte de chacota, numa defesa de tese de doutoramento, o único verdadeiro interlocutor que domina as minúcias do minúsculo objeto de estudo é o...candidato! De outra parte, como estudou o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), a universidade e a ciência não podem prescindir de uma estrutura administrativa e de poder. As cátedras e departamentos são formas desse poder burocrático que, como toda forma de gestão, zela pela ordem, pela manutenção do status quo, pela corporação de ofício, tudo complicado por ambientes fechados que propiciam a proliferação de sentimentos humanos nem sempre propícios ao afeto e à colaboração.

O surgimento do primeiro IEA em Princeton, em 1930, procurou marcar uma ruptura com algumas das aporias e dificuldades da super especialização, burocratização e sentimentos menores e daí o seu imenso sucesso, já nos seus primórdios, com a estada, logo de início do físico Albert Einstein (1879-1955) e de outros grandes gênios como o historiador da arte Erwin Panofski (1892-1968), ambos foragidos da sociedade e ciência alemãs sob o jugo nazista. Algumas das características de Princeton mantiveram-se como pedras angulares dos estudos avançados desde então, em primeiro lugar, como lembrou o professor Brito Cruz, diretor científico da Fapesp, reitor (2002-2005) e professor da Unicamp (IFGW), no simpósio internacional na Unicamp: a pesquisa desinteressada, sem cobrança administrativa e científica. A ciência tornou-se, nas últimas décadas, cada vez mais preocupada com a contagem da produção acadêmica, com o número de artigos, citações e demais dados quantificáveis, o que tem sua justificativa, mas constitui um claro limitador à reflexão descompromissada que tanto pode resultar num livro de peso, numa equação genial, como numa mudança de ideia ou mesmo num fracasso. Muitos dos grandes gênios que prosperaram nos IEAs atestam como a liberdade para mudar de rumos ou mesmo fracassar num intento foi fundamental para êxitos posteriores que não surgiriam em outra situação. A busca da excelência, portanto, nem sempre passa por uma medição que se possa quantificar. Avanços significativos na ciência não seriam possíveis em um ambiente outro, que não aquele propiciado pela busca desinteressada pelo conhecimento.

A pediatra Iris Litt, de Stanford, chamou atenção para outros aspectos não menos relevantes para o êxito dos estudos avançados: a convivência amigável e colaborativa. O grande físico e filósofo Thomas Kuhn, pesquisador visitante de Stanford, produziu sua monumental obra sobre a estrutura das revoluções científicas (1962) graças à sociabilidade do Instituto, resultado, também, de um chef de cuisine! Quem pensaria em um cozinheiro como parte da panóplia que leva à produção de ciência? Aspectos prosaicos que, no entanto, revelam segredos profundos: nada como a troca de ideias propiciada pelo convívio amigável, para a inspiração necessária à criatividade.

Princeton, Stanford, com suas grandes e ricas fundações, com seus fundos de doadores generosos (endowments), constituem alguns parâmetros, mas o físico Eliezer Rabinovici mostrou-nos, no simpósio, outro aspecto. O professor israelense contou que os pioneiros eram pouco instruídos, mas colocaram a educação no topo das prioridades, em geral, e, em particular, estipularam que o IEA de Jerusalém (1975) deveria ser aquela bússola para os que buscassem na ciência inspiração para si e para a humanidade. Essa mensagem profunda mostra a relevância dos estudos avançados como mecanismo de inclusão social e de promoção da igualdade, por meio da ciência e da reflexão livre e desinteressada.

O professor Fernando Costa, reitor da Unicamp e criador do CEAv, na abertura do simpósio, ressaltou o empenho para que a Unicamp possa contar com os benefícios dos estudos avançados, tanto para a Universidade, como para a sociedade brasileira, em geral. Não há universidade de primeira linha (world class) que não tenha nos estudos avançados um dos seus pilares. A experiência da Universidade de São Paulo – pioneira e líder na América Latina – demonstra como os estudos avançados podem exercer um papel capital na promoção tanto da ciência de ponta, como da inserção social. O professor César Ades, atual diretor do IEA-USP, demonstrou como avanços significativos para a Universidade advieram, no último quarto de século, da atuação inovadora dos estudos avançados.

O CEAv, em apenas um ano de existência, apresenta já resultados promissores. O centro conta com dois grupos de estudos em funcionamento, um sobre Ensino Superior, coordenado pelo professor Renato Pedrosa (IMEC), e outro sobre Esporte, liderado pelo professor Paulo César Montagner (FEF). O primeiro, além de ter trazido Liz Reisberg (Boston College) e John Douglass (Berkeley), publica a revista trimestral Ensino Superior Unicamp, disponível em papel e online.

Um inédito curso de especialização em Ensino Superior está em gestação para 2012. No Esporte, foram realizados eventos e vieram visitantes, cujos papers estão publicados na revista do CEAv, Estudos Avançados Unicamp online. Em maio, haverá a visita do professor Eric Dunning, referência máxima da sociologia do esporte, da violência na prática esportiva e do holocausto. Em junho, teremos Kimberly Schimmel, para tratar do efeito social dos grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. A partir de 2011, dois novos grupos de estudos passam a atuar, um sobre as relações Brasil/China, coordenado pelo prfessor Carlos Pacheco (IE) e outro sobre os desafios das humanidades, sob a batuta do professor Alcir Pécora (IEL).

O professor Marcelo Knobel, pró-reitor de graduação da Unicamp, em seus comentários às apresentações, durante o seminário internacional, enfatizou a importância de estarmos todos atentos às dicas, sugestões e advertências daqueles que já trilharam um caminho mais longo. As experiências internacionais e brasileiras indicam o quanto é importante esse aprendizado. A excelência acadêmica é um parâmetro, assim como a inclusão social e o caminho para que se possa atingir esses objetivos: a pesquisa desinteressada e prazerosa. O professor Fernando Costa deu início aos planos para a construção da sede do CEAv, um edifício de três andares e mil metros quadrados, já com licitação em andamento. Os estudos avançados na Unicamp marcam um empenho decisivo da Universidade, tanto acadêmico, como social, cujos benefícios serão sentidos, agora, mas, ainda mais, no médio e longo prazo.

Pedro Paulo A. Funari é coordenador do Centro de Estudos Avançados da Unicamp (CEAv)

 



 
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