Veja como é feito o trabalho no Cedae

TATIANA FÁVARO

Depois de abandonar a promotoria em Areias, colaborar com jornais como O Estado de S. Paulo, fundar a revista Paraíba (1917) e as editoras Monteiro Lobato & Cia. (1918) e Companhia Editora Nacional (1925), e de atuar como adido comercial em Nova York (1927), o escritor iniciou o trabalho da Companhia de Petróleo do Brasil (1931). Para a maioria desses períodos existem registros devidamente conservados em seu arquivo pessoal.

“Há fotos surpreendentes, como as que mostram terrenos no Mato Grosso durante a campanha do petróleo. A vastidão lembra o Texas. O apuro das aquarelas, o jeito de documentar fatos, a ilustração em cartas, as fotografias que tirou dos familiares... É tudo muito bonito”, comenta Flávia Carneiro Leão, supervisora do Cedae.
Para garantir a doação de fato por parte dos familiares, a equipe da Unicamp vem trabalhando no processamento detalhado do material. “Quando você encontra um acervo, nem tudo é de interesse. A gente inicia o trabalho relatando se os documentos são originais ou cópias, se as fotografias são originais ou reproduções, se têm negativos ou não, quantos são os documentos; se há alguma datação, se possuem algum tipo de identificação, se estão acompanhadas de algum outro documento relevante.

No momento de incorporação de um acervo, isso é necessário porque a avaliação vai ser basea-da nessa descrição, assim com o controle sobre os documentos. Já no caso de Lobato, nós não fizemos qualquer seleção da documentação encontrada, trouxemos tudo o que a família se propôs a doar. Ficaram poucas coisas com eles, mas que serão doadas posteriormente”, conta Flávia.

Este cuidado e seriedade no trabalho do Cedae foram um dos motivos que levaram os familiares a doar o acervo lobatiano para a Universidade. Flávia explica que este trabalho é praticamente artesanal. Quando chega o acervo, a primeira medida é a comparação de todo o material com a lista do mapeamento feita no local de origem. “Até que se inicie o processo de catalogação, nada pode sair do lugar. Isso porque o fato de as coisas estarem, por exemplo, numa mesma caixa ou gaveta, pode implicar informações sobre aqueles documentos, que neste primeiro contato pouco conhecemos”.

Segundo Flávia, este é um momento delicado. “Temos de ter extremo cuidado para que não se perca qualquer informação. Se você a perde, fica somente o objeto. E a gente não trabalha com o objeto, mas com a história”. Depois da conferência, começa a limpeza do material, para desinfecção. Toda a documentação em papel vai para dentro de sacos plásticos com CO2 e fica em “quarentena”. “Se eliminamos o oxigênio, tudo o que é ser vivo não sobrevive e, com isso, matamos os bichos que possam estar nos livros”, explica a supervisora.

O passo seguinte é a limpeza mecânica. “Às vezes encontramos ovinhos que não morrem com o gás e permanecem em lombadas de livros”. O chamado pente fino tem o objetivo de impedir que outros seres vivos apareçam. É um trabalho página a página, livro a livro. “É artesanal, demanda tempo, mas necessário, pois esses bichos têm uma capacidade de hibernação enorme, podem durar meses. E, num belo dia, você resolve abrir as pastas e eles comeram os papéis”.

Ansiedade – Todo esse processo é classificado pelo Cedae como pré-requisito mínimo. “Dá uma ansiedade tremenda, nas pessoas que não tiveram contato com os arquivos durante o mapeamento, em conhecê-lo. Querem folhear, ver o que tem, curtir o material, mas todos devemos obedecer as regras”, diz Flávia.

Terminada a etapa de limpeza, vêm as de conservação e de acondicionamento. Enumera-se a quantidade de documentos, indicando aqueles que precisam ser encadernados, reparados e reestruturados – é quando se separa a documentação rasgada, manchada, com problemas mais sé-rios de conservação. “Fazemos a conservação preventiva, trabalhamos pouco com restauros. Removemos colas, durex, fitas, clipes metálicos que estejam junto com o material e fazemos pequenas intervenções”, explica a supervisora.

“Então, montamos cada envelope, cada pastinha, tudo ma-nualmente. A organização vai acontecendo paralelamente, quando começamos a pesquisar sobre o titular do acervo, sua biografia, a estabelecer uma cronologia, a situar a documentação dentro de sua vida. Depois desta fase, iniciamos a descrição de cada um dos documentos para que os pesquisadores possam ter acesso ao acervo”.

O acesso à documentação do Cedae é público e livre, desde que a pessoa siga algumas normas internas. Nada pode ser retirado da sede, havendo ainda outras condições: os documentos não devem ser xerocopiados, como medida de conservação ou por restrição de direitos autorais. “O objetivo maior da preservação de um acervo é torná-lo acessível ao público”, finaliza a supervisora do Centro.

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Outras aquisições

O Cedae foi fundado no início da década de 80, a partir da doação do acervo do professor Alexandre Eulálio, que foi professor do departamento de Teoria Literária na Unicamp. Sua documentação é diversificada, contendo, entre outros temas, documentos sobre a monarquia no Brasil, principalmente sobre a família imperial. “Ele pretendia escrever um trabalho sobre a monarquia brasileira, mas morreu antes disso, deixando um conjunto de documentos muito importante. Esse material está reunido, organizado e disponível”, explica a supervisora Flávia Carneiro Leão.

Também na década de 80, o Cedae adquiriu a primeira parte do acervo de Oswald de Andrade e, na década de 90, uma segunda parte, comprada da família. No Centro ainda estão guardados projetos e pesquisas desenvolvidos por professores do IEL, além de acervos das principais associações lingüísticas como: Associação de Lingüística e Filosofia da América Latina, Associação Brasileira de Lingüística,

Associação Nacional de Pesquisa em Letras e Lingüística e do Grupo de Estudos Lingüísticos do Estado de São Paulo.
Entre os acervos ligados à literatura, podem ser encontrados no Cedae os arquivos sobre Menotti Del Picchia, Hilda Hilst e Bernardo Elis (regionalista contemporâneo de Guimarães Rosa), entre outros. “Ao longo dos anos, o Cedae foi crescendo com as doações e novas aquisições. Hoje temos uma grande variedade de documentos: manuscritos, áudios, microfilmes, vídeos, obras de arte, fotografias...”, enumera Flávia.

O Cedae realiza, em média, quatro exposições por ano. Pela Internet também é possível conhecer um pouco das realizações da equipe. O site do Centro está sendo reformulado e, para acessá-lo o internauta deve digitar www.unicamp.br/iel/cedae