Um pedaço de papel onde se embrulhou um sanduíche foi suficiente para que Monteiro Lobato espremesse a letra e fizesse sua declaração de amor. Às escondidas e sempre alerta, pois afinal de contas estava escrevendo numa cela de solitária, em pleno Estado Novo. Caprichou na caligrafia, apesar da dificuldade para derramar tanta paixão em espaço tão pequeno. Confissões, explicações, arrependimento. E o desespero da incomunicabilidade, pena de morte para quem sempre escreveu, fotografou, pintou, discursou, editou, liderou movimentos e sonhou com o progresso.

A mistura de sentimentos oscilando naquele cubículo – vontades comuns dele e dela, a tentativa de vencer o isolamento – fez desta carta de Lobato a Maria Pureza da Natividade uma obra de arte. Produto da prisão em 1941, o pedaço de papel de embrulho integra o acervo pessoal do escritor, um vasto tesouro doado à Unicamp em novembro de 2001 e que está à disposição do público, como convite a um mergulho em boa parte da história cultural e política do Brasil.

A declaração de amor a Purezinha, feita em situação mais que adversa, é um dos tantos documentos guardados pela mulher que amou e acompanhou Lobato até o fim de sua vida – ele morreu em 4 de julho de 1948. Outras correspondências, de 1906, 1907 e 1908 (ano em que se casaram) demonstram o carinho e o cuidado com cada lembrança do namorado, então promotor da pequena
cidade de Areias. Envolvidas em papel celofane e com as bordas alinhavadas à mão – mas com a precisão de uma máquina de costura –, as mensagens foram assim, singelamente, guardadas pela moça, para se tornarem parte da herança deixada à família, agora sob os cuidados da Unicamp.