O desafio do combate à malária em uma região endêmica

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Cenário em Atalaia do Norte, no Amazonas: uma das regiões endêmicas do país (Foto: Acervo pessoal)

A região amazônica concentra 99% dos casos de malária no Brasil, doença que pode ser fatal. O diagnóstico, quando realizado rapidamente, evita complicações e óbitos, mas a erradicação da doença ainda é um grande desafio. Atalaia do Norte, no Amazonas, é uma das regiões endêmicas do país. Lá, uma equipe multidisciplinar realiza periodicamente o trabalho de prevenção e combate à malária, somando esforços para a redução dos casos.

A malária é transmitida pelo protozoário plasmodium, por meio da picada da fêmea do mosquito contaminada. A infecção pode levar a sintomas como febre, vômito e/ou dor de cabeça. Sem tratamento adequado, o quadro pode evoluir para complicações graves e óbito.

Nas aldeias indígenas do Vale do Javari, Terra Indígena que tem a maior parte do território em Atalaia do Norte, ocorrem surtos devido às condições ambientais e sociais que favorecem a multiplicação do mosquito. “Neste ano, a área mais problemática é a do rio Itaquaí, por isso estamos realizando uma entrada agora, para tentar amenizar a situação e controlar o surto”, diagnostica o gerente de endemias do município, Jeovani Moraes.

A “entrada”, como é chamado o deslocamento para o combate à malária no território, é feita a cada quatro meses, tempo que dura o inseticida borrifado nas paredes das residências que combate o mosquito. Cada deslocamento dura entre 25 e 40 dias e tem um custo alto - cerca de R$40 mil - arcados em grande parte pelo município.

O gerente de endemias do município, Jeovani Moraes: surtos ocorrem devido às condições ambientais e sociais que favorecem a multiplicação do mosquito
O gerente de endemias do município, Jeovani Moraes: surtos ocorrem devido às condições ambientais e sociais que favorecem a multiplicação do mosquito (Foto: Antonio Scarpinetti)

As dificuldades orçamentárias da cidade, que tem apenas 7% da população ocupada, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), suscitam parcerias com governo estadual e federal. “O estado do Amazonas entra com a contrapartida de pagamento dos funcionários, EPIs, medicamentos e praguicidas”, conta o gerente. Há também parceria com o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei), vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS).

No momento, uma equipe de nove profissionais está percorrendo oito aldeias da calha do rio Itaquaí. A primeira delas fica a uma distância de sete dias de barco. “A equipe está realizando trabalho de controle vetorial, borrifação domiciliar, termonebulização, fumacê, inquérito, busca ativa e trabalho educacional em saúde, passando informações sobre prevenção. O desafio principal é a logística para chegar às aldeias”, diz Jeovani.

Na viagem, os profissionais levam equipamentos para borrifar o inseticida, além de medicamentos e um laboratório volante, que permite a rápida testagem. Para o trabalho, as equipes se dividem em duplas. Cada uma fica responsável pelo trabalho em duas aldeias. O “canoão”, meio de embarcação utilizado, vai deixando as duplas nas aldeias, cada uma com uma embarcação menor para o deslocamento entre aldeias. Após a última dupla finalizar as atividades, o “canoão” vai retornando e buscando os profissionais. 

A importância do diagnóstico e das equipes locais

O diagnóstico é realizado em minutos, possibilitando o tratamento imediato. Mas nem sempre foi assim. Na década de 1990, não havia o teste rápido, tampouco equipe de vigilância em Atalaia do Norte. Profissionais de Benjamin Constant, cidade vizinha, se deslocavam até o território. 

Como não havia laboratório volante, entre a coleta do sangue e o diagnóstico se passavam semanas. “Os profissionais vinham, retornavam para Benjamin para poder dar diagnóstico e depois voltavam com o medicamento. Nesse meio tempo, algumas pessoas morriam. Em meados da década de 1990 o prefeito da época buscou o Estado para implementar a nossa gerência e capacitar profissionais na área”, aponta o gerente de endemias.

A partir de então, o município ganhou uma equipe própria, que atua na Terra Indígena e na cidade. Em 2020, Atalaia do Norte (AM) recebeu prêmio da Organização das Nações Unidas (ONU) “Campeões contra a Malária nas Américas”. A premiação reconheceu os esforços e o envolvimento da comunidade que resultaram na diminuição de casos.

O sanitarista Arthur Grangeiro chegou a Atalaia do Norte em fevereiro: a erradicação da malária é difícil pela complexidade da região de floresta e de fronteira  
O sanitarista Arthur Grangeiro chegou a Atalaia do Norte em fevereiro: a erradicação da malária é difícil pela complexidade da região de floresta e de fronteira  (Foto: Antonio Scarpinetti)

Somando esforços

O combate à malária é uma tarefa que exige integração de diversas áreas e ações coordenadas. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) é uma das instituições que dá suporte ao trabalho em regiões onde ocorrem surtos.

O sanitarista Arthur Grangeiro chegou a Atalaia do Norte em fevereiro com esse fim, por meio do Projeto de Apoiadores Municipais para Prevenção, Controle e Eliminação da Malária do Ministério da Saúde/Fiocruz. Ele comenta que, apesar de ainda endêmica, a região registra uma diminuição significativa dos casos de malária nos últimos 10 anos em virtude da estruturação das equipes de combate à doença. “Atualmente temos na cidade uma média de 1.500 casos ao ano, mas nos anos 1990 e início dos anos 2000 eram cerca de 5 mil”.

A erradicação da malária, elucida, é difícil pela complexidade da região de floresta e de fronteira. Além das condições ambientais que favorecem à multiplicação do mosquito, existem fluxos humanos que facilitam a disseminação, incluindo o de grupos ilegais que são difíceis de serem acessados, como os do narcotráfico, pesca e caça. Também existem ocupações de risco para a malária, como a dos açaizeiros. Estes grupos, que periodicamente estão na floresta, recebem uma atenção ainda maior.

Atuar em uma região de múltiplas culturas traz ainda mais desafios. Por isso, Arthur chama atenção para a importância de levar a campo conhecimentos da antropologia, a fim de compreender os hábitos culturais das diferentes etnias. “Existem características culturais diferentes para cada etnia, por isso é importante a antropologia, para saber dos hábitos e saber como atuar. Muitas vezes há rejeição ao medicamento e não se termina o tratamento. Isso é perigoso porque a malária pode voltar e recrudescer”. 

Apesar de endêmica, a região registra uma diminuição significativa dos casos de malária nos últimos 10 anos em virtude da estuturação das equipes de combate à doença 
Apesar de endêmica, a região registra uma diminuição significativa dos casos de malária nos últimos 10 anos em virtude da estuturação das equipes de combate à doença (Foto: Antonio Scarpinetti)

Outra complexidade destacada pelo sanitarista é causada pela fronteira com o Peru. “Apesar de ter a divisão administrativa, a malária não obedece limites”, explica. Devido ao tratamento e diagnóstico gratuito pelo SUS, é comum que os peruanos procurem as equipes brasileiras.

“A gente não pode entrar no país para realizar o controle vetorial, mas como nós temos o SUS, eles podem procurar os nossos postos de diagnóstico", diz ele, que destaca a importância de valorizar a fortalecer o sistema público de saúde brasileiro. "O SUS chega nos limites do Brasil, onde muitos outros serviços não chegam. Aqui há uma rede em que conseguimos fazer o diagnóstico oportuno da malária. Toda a nossa estrutura é SUS da impressora ao pessoal qualificado".

Desafio da erradicação da malária

Professor do Instituto de Química da Unicamp, Luiz Carlos Dias dedica-se ao desenvolvimento de novos fármacos para doenças negligenciadas, dentre elas a malária. Assim são chamadas as doenças que atingem pessoas vulneráveis em países de baixa renda e que por isso não despertam o interesse da indústria farmacêutica em desenvolver drogas. 

Atualmente, o professor integra um trabalho, em parceria com a Medicines for Malaria Venture (MMV), para um tratamento à malária voltado a crianças e gestantes. “Nosso trabalho visa desenvolver um novo candidato clínico para tratar a malária nesse público. Em 2020, morreram 409 mil pessoas no mundo em decorrência da malária e 67% delas foram crianças abaixo de cinco anos. Significa que quatro crianças morrem de malária a cada 5 minutos no mundo”, afirma. 

Pescador no Porto de Atalaia do Norte: doenças negligenciadas, dentre elas a malária, são chamadas aquelas que atingem pessoas vulneráveis em países de baixa renda e por isso não despertam o interesse da indústria farmacêutica
Pescador no Porto de Atalaia do Norte: doenças negligenciadas, dentre elas a malária, são chamadas aquelas que atingem pessoas vulneráveis em países de baixa renda e por isso não despertam o interesse da indústria farmacêutica (Foto: Antonio Scarpinetti)

Em análise para o Jornal da Unicamp, o pesquisador também comentou o desenvolvimento de uma vacina contra a malária. Ela está sendo aplicada em países africanos, onde se concentram 94% dos casos de malária do mundo. No caso do Brasil, ela não será aplicada, já que tem eficácia contra o Plasmodium falciparum e 90% dos casos de malária no Brasil são causados pelo Plasmodium vivax.

“No dia 6 de outubro [2021], a OMS anunciou a aprovação da vacina mosquirix, primeiro imunizante para combater a malária. É uma conquista memorável e histórica para a humanidade, protagonizada pela Ciência”, escreveu o professor. A vacina precisa ser aplicada em quatro doses, nos primeiros meses de vida das crianças. 

No entanto, ele pondera que só o imunizante não basta para a meta de erradicar a doença. “Para atingir esse objetivo, é preciso investir em testes de diagnóstico, desenvolver novas vacinas mais robustas, novos medicamentos mais eficazes, fortalecer os sistemas de vigilância e tratamento e esclarecer as populações afetadas”.

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Profissionais levam equipamentos para borrifar o inseticida, além de medicamentos e um laboratório volante, que permite a rápida testagem

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