"Nunca estivemos tão próximos"

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Carta à Comunidade

A Unicamp em 2020, o ano da pandemia: um breve balanço

 

 

Muitas vezes é preciso ter o distanciamento de anos ou décadas para confirmar se uma experiência ou um determinado período foi algo de fato “histórico”, marcante e decisivo o suficiente para definir uma época e ser lembrado mesmo com o deslocamento do tempo.

Este não é, certamente, o caso do ano de 2020, em que tivemos a clareza de viver um momento histórico de grandes transformações. Mais difícil é ter certeza sobre quais imagens serão as mais lembradas deste período para cada um de nós. A dura batalha nos hospitais, marcas nos rostos dos profissionais da saúde de tanto usar máscaras, as valas abertas às centenas nos cemitérios, as crianças vestidas como soldados de um esquadrão antibomba para retornar à escolinha e as situações caseiras insólitas, como ensaboar pacotes de batata-palha como um ato heroico de proteção da saúde da família. Qual dessas cenas simbolizará 2020?

Na Unicamp, acrescento a elas um instantâneo que me impactou na primeira ida ao campus logo depois de suspendermos as atividades presenciais não-essenciais: um inédito vazio, não visto antes nem aos fins de semana ou feriados. O silêncio era assustador. Esta não é a Unicamp, pensei no primeiro segundo, para repensar em seguida: esta é, sim, a Unicamp – tão Unicamp como sempre foi, pois mesmo separados por dezenas, centenas e em alguns casos milhares de quilômetros, nunca estivemos tão próximos, com o senso de comunidade tão claro, em 54 anos de existência. 

Na manhã de 12 de março de 2020, a Unicamp se tornou a primeira universidade brasileira a anunciar a suspensão das aulas e outras atividades presenciais não essenciais como medida de proteção contra o novo coronavírus. As críticas chegaram de forma instantânea, de diversos lados. “Alarmistas”, “precipitados” e outras palavras foram usadas diante do nosso anúncio. Mas em poucos dias instituições do Brasil inteiro adotaram o mesmo caminho e o governo do Estado de São Paulo determinou a quarentena. 

A agilidade da Unicamp se deveu ao fato de que o monitoramento da pandemia provocada pelo novo coronavírus começou mais de três meses antes de a OMS (Organização Mundial de Saúde) declarar oficialmente, no dia 11 de março de 2020, que a doença havia se espalhado pelo mundo. 

Os profissionais responsáveis pela gestão de risco e segurança do Hospital de Clínicas da Unicamp ligaram o sinal amarelo de alerta em novembro de 2019. O acompanhamento sistemático da doença aconteceu desde o início de sua disseminação na China e, com o passar das semanas, dos aumentos de casos em outros continentes, principalmente na Europa. 

Muito antes de os primeiros casos de Covid-19 chegarem ao hospital, o que ocorreria em março, o plano de contingenciamento do HC da Unicamp para a enfrentar a Covid-19 estava pronto. O primeiro passo dado pelos profissionais do hospital e da Faculdade de Ciências Médicas foi organizar o fluxo de atendimento aos futuros pacientes desde a porta de entrada do hospital. Em paralelo, foram criados os protocolos preventivos para garantir a saúde de todos os colaboradores da instituição, referência para uma região que compreende mais de 6,5 milhões de habitantes. O HC se tornou, também, referência em nível estadual no atendimento dos casos graves da Covid-19.

Em paralelo à estruturação das unidades hospitalares para o enfrentamento da pandemia, a área de saúde da Unicamp elaborou uma estratégia eficaz voltada para a obtenção de equipamentos de proteção individual para todos os funcionários. Para que os insumos hospitalares, tanto das doações, quanto das compras, fossem usados da melhor forma possível, a universidade criou um comitê que direcionou e gerenciou todo o fluxo de equipamentos individuais de acordo com a necessidade de cada unidade ou departamento.  

Ao mesmo tempo em que corríamos para tomar as ações necessárias na saúde, explodia a demanda por dinheiro para custear o ensino e a pesquisa nesse novo cenário. 

Depois de um grande esforço para diminuir o rombo orçamentário gerado nos anos anteriores, a Unicamp se via diante de uma iminente queda livre de receitas (como, por lei, elas representam um percentual do ICMS arrecadado pelo estado, a queda seria na mesma proporção do imposto que deixaria de ser recolhido). Qualquer descuido com o dinheiro nessas horas poderia resultar em situações impensáveis – seria inadmissível que um enfermeiro não pudesse trabalhar por falta de máscara, por exemplo.

Era preciso ser criativo e recorrer a fontes mais originais. E assim foi feito: dentro de alguns dias, para nosso alívio, as respostas positivas começaram a chegar: verbas depositadas em juízo (frutos de acordos e indenizações) passaram a ser destinados ao caixa da Unicamp para compras nos hospitais, doações fundamentadas na Resolução 313/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). E até o fim de outubro, as doações judiciais já passavam de R$ 11,6 milhões. 

No mesmo mês, outros R$ 2,5 milhões haviam sido oferecidos por pessoas jurídicas e R$ 1,6 milhões por pessoas físicas, um caso de mobilização em torno da universidade fundamental para o cumprimento de nossa missão, que nos encheu de orgulho e renovou a energia para seguir em frente. As causas da Unicamp mobilizaram também artistas na busca por contribuição financeira. Finalmente, a campanha cresceu e ganhou o nome de “abrace o futuro”. 

A lista de pessoas e entidades fundamentais para enfrentar esse período é extensa e seria impossível citar todos. Começa com professores, funcionários e alunos e envolve gente de toda parte, das mais diversas maneiras. A Unicamp foi fortalecida pela generosidade e pelo empenho de todos eles.

Com esse inestimável apoio externo e interno, a Unicamp pôde desempenhar, nesta grande crise social, econômica e humanitária, um papel de enorme relevância.

Nossa universidade responde por 8% da pesquisa acadêmica no Brasil, 12% da pós-graduação nacional e mantém a liderança entre as universidades brasileiras em patentes e em número de artigos per capita publicados anualmente em revistas indexadas na base de dados ISI/WoS. Está na companhia de outras universidades públicas de excelência, que juntas representam o coração da ciência e da inovação brasileira.

Esse potencial de inovação foi imediatamente colocado à disposição da causa. Foram dezenas de trabalhos dedicados à compreensão da Covid-19, de seus efeitos e a seu combate. 

Relaciono a seguir algumas dessas iniciativas, que dão uma ideia da diversidade de áreas envolvidas.

A pandemia provocou uma corrida de hospitais e sistemas de saúde de todo o mundo por ventiladores pulmonares. Os equipamentos são utilizados quando o organismo dos pacientes não consegue promover uma respiração que supra a quantidade necessária de oxigênio. Nesses casos, as máquinas fazem o trabalho que o corpo, dentro de um quadro provocado pela doença, não consegue realizar sozinho. Entretanto, seu uso inadequado pode trazer problemas, como o baixo nível de oxigênio no sangue, ou até os barotraumas, lesões causadas pela alteração de pressão nos pulmões.

O trabalho de acompanhar todas essas variáveis torna-se mais complicado em um cenário que exige atendimento a um grande número de pacientes, muitas vezes executado por médicos realocados ou voluntários, que não realizavam esses procedimentos em sua rotina diária. 

Pensando em facilitar essas ações e também em contribuir com indústrias que adaptaram suas linhas de produção para fabricar ventiladores pulmonares, pesquisadores da Unicamp desenvolveram uma modelagem matemática capaz de simular a forma com que o ar liberado por ventiladores pode se comportar nos pulmões dos pacientes. Isso seria possível por meio dos recursos da fluidodinâmica computacional, que traduz para a forma digital o comportamento de gases e líquidos. 

Os envolvidos no projeto criaram um procedimento de engenharia simples, em software aberto, para que qualquer engenheiro possa trabalhar com ele, de que resultou um contributo efetivo ao combate à pandemia.

Conforme o novo coronavírus se espalhou pelo mundo, ficou claro seu potencial de invadir o sistema nervoso, causando sintomas que vão da perda do olfato, encefalite e AVC, até ansiedade e prejuízo cognitivo, direta ou indiretamente. As vias de entrada parecem ser o nervo olfatório ou a barreira de capilares que irrigam o cérebro. 

Em outubro, um numeroso grupo de pesquisadores de diversas instituições de São Paulo e do Rio liderados por um docente da Unicamp conseguiu demonstrar que o coronavírus entra no cérebro e invade os astrócitos, proliferando neles e alterando gravemente sua função de suporte dos neurônios e das sinapses. Isso altera a estrutura cerebral e causa prejuízo funcional na forma de sintomas neurológicos e psicológicos.

Experimentos conduzidos na Unicamp confirmaram também a hipótese de que o novo coronavírus (SARS-CoV-2) pode ser capaz de infectar células adiposas humanas e de se manter em seu interior. Esse dado pode ajudar a entender por que indivíduos obesos correm mais risco de desenvolver a forma grave da Covid-19.

Vale destacar também que pesquisadores do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp desenvolveram um método que permite visualizar o material genético do novo coronavírus dentro de células. 

 

 

Finalmente, a corrida pela vacina.

No dia 6 de agosto, o Hospital de Clínicas da Unicamp iniciou os testes clínicos da vacina contra o coronavírus, que são conduzidos pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac Life Science, parte do grupo Sinovac Biotech.  

Ao mesmo tempo, cientistas da USP e da Unicamp se uniram para desenvolver uma vacina por spray nasal contra a Covid-19. A vacina traz vantagens em relação ao método injetável, incluindo a atuação direta na mucosa nasal, que é uma das principais portas de entrada do novo coronavírus no organismo humano. Dessa forma, a perspectiva é que aconteça a eliminação do vírus já no canal de entrada. A vacina entrou em fase de testes pré-clínicos, em camundongos, e seguiu para a etapa de escalonamento da produção, realizada na Unicamp.

A pandemia também foi tema de estudo nas ciências humanas. Um dos projetos foi a plataforma digital #MemóriasCovid19.

Com a ideia de reunir os mais diversos olhares sobre a pandemia causada pelo novo coronavírus, a plataforma reuniu depoimentos pessoais sobre experiências do isolamento, incluindo as mais subjetivas. Com a curadoria de pesquisadores de nove instituições brasileiras, além da França e Portugal, os relatos chegam em diversos formatos, como textos, fotos, vídeos e ilustrações.

Como anotado no início deste texto, não há dúvidas de que 2020 será um ano marcante para a história, infelizmente por péssimos motivos. Essa documentação será valiosa para a compreensão de seu impacto.

Todo esse esforço, porém, não poderia desviar a Unicamp de sua principal atividade, que é a formação de pessoas. 

Quando as atividades não presenciais foram interrompidas, a partir de 13 de março, a previsão mais otimista era retomá-las no dia 29 do mesmo mês. Já no dia 16, porém, o prazo foi adiado pela primeira vez, para 12 de abril. A partir de então, estendeu-se o prazo seguidamente, conforme a evolução da pandemia.

A suspensão foi o melhor caminho, não resta dúvida. Mas nem por isso significa que tenha sido uma decisão fácil e um caminho tranquilo.

Desde o princípio, ficou claro que se trataria de uma situação de "ensino remoto emergencial", na qual os docentes adaptariam suas aulas da melhor maneira possível (ou seja, com limitações), e não da educação mediada pela tecnologia, que se apresentará como opção complementar num futuro breve, com uma nova gama de possibilidades e certamente outra didática.

Um dos maiores desafios enfrentados foi lidar com a disparidade socioeconômica entre os matriculados na Unicamp, metade proveniente de escola pública. Nem todos tinham estrutura tecnológica para assistir às aulas de forma adequada. Foi um problema que a universidade tentou minimizar ao ceder notebooks, tablets, bolsas emergenciais ou pacotes de internet para estudantes que necessitavam, mediante solicitação e critério de renda.  

E assim chegamos ao momento presente e às difíceis decisões que temos de tomar.

Se parar foi muito difícil, o planejamento do retorno tem sido muito mais complicado. É simplesmente impossível prever o futuro, e ter ideia de como a pandemia vai se comportar, de quando teremos vacinas, e como evoluirá a situação nas cidades onde temos Campi. Por outro lado, é sempre importante, nestes momentos nebulosos, manter o foco em nossa missão e valores. Nesse sentido, a impossibilidade de atividades presenciais estava começando a atrapalhar significativamente diversos grupos de pesquisa, que tiveram atividades práticas e/ou experimentais interrompidas por mais de seis meses. Além disso, esse impacto negativo começou a ficar insustentável para milhares de alunos de mestrado e doutorado, que dependem de atividades práticas, experimentos, bibliotecas, arquivos, entre outros equipamentos. Para os alunos de graduação, há diversas áreas onde não foi possível substituir remotamente as aulas práticas ou laboratoriais, com temáticas extremamente variadas, incluindo, por exemplo, práticas de clínica odontológica, laboratórios de química, laboratórios de eletrônica, prática orquestral, entre outros. Temos obrigação, como universidade pública, de buscar possibilidades para essa geração de estudantes se formarem, pois muitos já tem pós-graduações ou empregos engatilhados. 

Para realizar esse retorno, são obrigatórios três elementos principais. 1) testagem de toda a comunidade que retorna aos campi: todos os estudantes, funcionários e professores que retornam às atividades presenciais estão sendo testados pelo CECOM antes do retorno; 2) Obrigatoriedade de preenchimento diário de um inquérito básico de sintomas: desenvolvemos um aplicativo que permite, a partir de sete perguntas sobre sintomas comuns, determinar se a pessoa está apta para ir à Unicamp naquele dia. Caso contrário, são dadas indicações dos procedimentos a serem seguidos; 3) obrigatoriedade de assistir teleaulas com procedimentos a serem seguidos por todos: foram preparadas aulas para todas as categorias, para detalhar os comportamentos esperados e fundamentais a serem seguidos por toda a comunidade para evitar a propagação do vírus. 

Naturalmente, a universidade também se preparou, adequando os espaços físicos para este retorno gradual e parcial, e garantindo produtos de limpeza, álcool-gel, cartazes, e outros requisitos fundamentais para este momento. Mas evidentemente a contenção da pandemia é um esforço coletivo, em que todos precisam colaborar para que a situação melhore cada dia mais. Em todos os momentos, também evidenciamos que voltaremos à situação anterior caso a pandemia piore. O plano de retorno da Unicamp rapidamente se tornou uma referência no Brasil e América Latina, pelo nível de detalhamento e cuidado com a saúde de todos. 

Neste momento, em que se encerra este ano tão difícil, o balanço das medidas tomadas pela Unicamp, tanto no que diz respeito à sua contribuição para o enfrentamento da pandemia em nível nacional e mundial, quanto no que toca à manutenção das suas atividades essenciais, parece muito positivo. A universidade soube empenhar o que tem de melhor – a criatividade, o comprometimento com a pesquisa e o ensino, mesmo em condições tão adversas, e a responsabilidade social – para se manter fiel à sua missão e seus objetivos fundamentais.

Para mim, portanto, a imagem que sintetiza este momento não é apenas uma imagem visual, mas uma imagem mental: o campus deserto e ao mesmo tempo tão povoado de esperança, de empenho, de senso de pertencimento de cada um dos seus estudantes, funcionários e docente a um mesmo organismo, na luta conjunta pelo bem comum. 

Desejo um 2021 com muita saúde para todas e todos!

 

Cidade Universitária “Zeferino Vaz”

Campinas, 18 de dezembro de 2020

 

Marcelo Knobel

Reitor da Universidade Estadual de Campinas - Brasil

 

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A Unicamp em 2020

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