Especialistas discutem emergência da
onda conservadora durante crise política

31/08/2016 - 11:32

/
Luciana Tatagiba, do IFCH

Luciana Tatagiba, do IFCH

Alvaro Bianchi, do IFCH

Alvaro Bianchi, do IFCH

Joanildo, da Fundaj, e Rodrigo, do IFCH

Joanildo, da Fundaj, e Rodrigo, do IFCH

Tales Ab'Saber, da Unifesp

Tales Ab'Saber, da Unifesp

Ronaldo Almeida, do IFCH

Ronaldo Almeida, do IFCH

Mesa de abertura do evento

Mesa de abertura do evento

Julio Hadler, coordenador do Penses

Julio Hadler, coordenador do Penses

Artionka Capiberibe, do IFCH

Artionka Capiberibe, do IFCH

Mesa sobre manifestações e participação política

Mesa sobre manifestações e participação política

Angela Alonso, da USP e do Cebrap

Angela Alonso, da USP e do Cebrap

Yara Frateschi, do IFCH

Yara Frateschi, do IFCH

Público de Fórum no Centro de Convenções

Público de Fórum no Centro de Convenções

Especialistas se reuniram nesta terça-feira (30) no Centro de Convenções da Unicamp para discutir o crescimento dos movimentos conservadores no Brasil atual, sobretudo no âmbito do sistema político, das manifestações de rua e da religião no espaço público, durante o Fórum Conservadorismos, Fascismos e Fundamentalismos.  

Como um sistema organizado de ideias, o conservadorismo surgiu entre os séculos 19 e 20 como uma maneira de resistência à sociedade moderna, realçando princípios da sociedade tradicional, como família, religião e nação, explicou a professora Angela Alonso, do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP). “Toda vez que há movimentos de mudança ou modernização, costuma-se assistir à emergência de movimentos de conservação do status quo. Ele é um conjunto de práticas e ideias que só faz sentido e só pode ser pensado em relação a projetos de reforma”, destacou a socióloga, que também é presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Em sua palestra, Alonso apresentou resultados de um estudo sobre os protestos que ganharam corpo no país desde 2013. 

Esse também foi o enfoque da cientista social Luciana Tatagiba, professora do Departamento de Ciência Política do IFCH, na apresentação “As direitas nas ruas - Um inventário inicial dos protestos no governo Dilma (2011-2016)”. Nos últimos cinco anos, foram convocadas 326 manifestações de rua pelos movimentos de direita, a maior parte em 2015, de acordo com a docente do IFCH. Esses protestos se caracterizaram principalmente pela luta contra o governo petista, contra o aborto e a comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros), a favor do Estado policial e da ditadura, pela defesa de modelos de desenvolvimento de grupos ruralistas e em oposição à política econômica do governo petista. De acordo com Tatagiba, “o projeto das direitas não pode se revelar por completo; afinal, quem estaria disposto a participar de manifestações contra os direitos trabalhistas ou pela redução do papel social do Estado ou pelo fim do SUS [Sistema Único de Saúde]? Não há como apoiar isso nas urnas ou nas ruas”. A professora salientou ainda a heterogeneidade das direitas atuantes no país, que terão de buscar alguma união após o fim da campanha pelo impeachment. 

Angela Alonso identificou, nos últimos três anos, a existência de três ciclos de mobilização, sendo que o último, começado em março de 2015, ainda está em desenvolvimento. Nesse momento, houve uma polarização, com agendas a favor da ampliação das políticas de inclusão social e contra o golpe, e outra no campo patriota, com foco no impeachment. No entanto, de acordo com a docente da USP, nenhum desses ciclos “trouxe inovação de demandas, nem de repertório, nem de lideranças” para a esquerda ou para a direita, mas foram importantes porque 'desmentem a ideia da passividade da sociedade brasileira'. “Temos uma sociedade fortemente ativa em comparação a outros países.”

Yara Frateschi, professora de Ética e Filosofia Política do Departamento de Filosofia do IFCH abordou a suspensão da Política Nacional de Participação Social (PNPS) como reflexo de uma reação conservadora. A PNPS decretava que o cidadão, os coletivos e os movimentos sociais fossem considerados na formulação, na execução e no monitoramento de programas e políticas federais. Segundo Frateschi, a PNPS “não instaurava nenhuma novidade, apenas reforçava institucionalmente uma política adotada no primeiro mandato do governo federal do PT [Partido dos Trabalhadores], de promover a articulação do governo com as entidades da sociedade civil e incentivar instrumentos de consulta e de participação popular”. “A reação virulenta contra a PNPS deve ser entendida como reação a uma possível transformação democrática”. “Aquela reação mostrava, naquele momento, que era possível suportar, até certo ponto, o programa de distribuição direta de renda, mas, a partir do momento em que se ameaça o monopólio da deliberação política, o governo se torna inteiramente insuportável”.

Durante a mesa “Conservadorismo e fascismo”, Alvaro Bianchi, professor do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, fez uma análise sobre o novo pensamento conservador, que surgiu nos Estados Unidos a partir da década de 1950, e afirmou que muitos desses neoconservadores têm suas origens na esquerda, assumindo posicionamentos à direita somente no final dos anos 1960 como resposta à emergência da contracultura e à mobilização do movimento estudantil.

Bianchi também analisou a candidatura do republicano Donald Trump à presidência dos EUA e levantou questionamentos sobre se o empresário poderia ser classificado como “fascista”. Para Bianchi, esta resposta não é fácil, mas, ao considerar discursos como o de junho de 2015, em que Trump declarou que os imigrantes latinos eram responsáveis pelos estupros e crimes dos Estados Unidos, compreende-se que sua candidatura tem posturas claramente associadas ao fascismo. 

Joanildo Burity, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, destacou que as práticas fascistas não são feitas em segredo, mas sim com discursos odiosos que ganham força na multidão. Segundo ele, uma das marcas do fascismo é a “onipresença das massas na cena pública”. “Não há fascismo privado; é uma estética da multidão.”

É nos espaços públicos, reais ou virtuais, que se manifesta o elemento antissocial do discurso conservador brasileiro, assegurou o psicanalista Tales Ab’Saber, professor de Filosofia da Psicanálise da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Para Ab’Saber, que está realizando um estudo sobre a extrema direita na internet, “é inacreditável que no Brasil, em 2016, se faça política pesada contra os direitos humanos liberais, burgueses, universais. É um caso particular do lugar do Brasil no mundo”.

O psicanalista defendeu o papel da internet “na construção desse sistema de violências, intensidades e arcaísmos” da extrema direita. “A energia política que os setores organizados, mais ou menos racionais, e oportunistas da nova direita usaram veio dessas pessoas, foram elas que deram lastro para que se possa fazer qualquer coisa ou jogar qualquer jogo”, como a defesa da volta da ditadura militar, ponderou Ab’Saber.

O Fórum Conservadorismos, Fascismos e Fundamentalismos foi uma realização do Fórum Pensamento Estratégico (Penses) e do Laboratório de Antropologia da Religião (LAR) do IFCH da Unicamp. O Penses é um espaço acadêmico, vinculado ao Gabinete do Reitor, responsável por promover discussões que contribuam para a formulação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento da sociedade em todos seus aspectos.