Especialistas debatem importância
do brincar e mudanças no ECA

15/09/2015 - 10:27

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Mesa de abertura do Fórum Ser Criança e Adolescer

Mesa de abertura do Fórum Ser Criança e Adolescer

Tânia Marcucci, Secretaria da Saúde de Campinas

Tânia Marcucci, Secretaria da Saúde de Campinas

Gustavo Sales, Conselho Regional de Psicologia de SP

Gustavo Sales, Conselho Regional de Psicologia de SP

Rosangela Vilar, representante do Despatologiza

Rosangela Vilar, representante do Despatologiza

Maria Aparecida Moysés, professora da FCM

Maria Aparecida Moysés, professora da FCM

Maria de Lurdes Zanolli, professora da FCM

Maria de Lurdes Zanolli, professora da FCM

Pedro Tourinho, vereador de Campinas

Pedro Tourinho, vereador de Campinas

Julio Hadler, coordenador do PENSES

Julio Hadler, coordenador do PENSES

Juliana Garrido, membro do Despatologiza

Juliana Garrido, membro do Despatologiza

Renata Meirelles, educadora e documentarista

Renata Meirelles, educadora e documentarista

Beatriz Janin, coordenadora do Fórum Infâncias

Beatriz Janin, coordenadora do Fórum Infâncias

O Fórum Ser Criança e Adolescer em uma Sociedade Desigual foi aberto nesta segunda-feira com destaque para a preocupação dos participantes com possíveis retrocessos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completou 25 anos em 2015. Na primeira manhã do evento, realizado no Centro de Convenções da Unicamp, foi exibido o documentário “Território do Brincar”, que retrata o universo lúdico de crianças de norte a sul do Brasil.

Maria Aparecida Moysés, professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e uma das organizadoras do evento, ressaltou na mesa de abertura que a sociedade contemporânea considera as diferenças como transtornos, buscando homogeneizar crianças e adolescentes. Segundo ela, um dos eixos fundamentais do debate proposto pelo Fórum Ser Criança e Adolescer é o de acolher todas as diferenças e enfrentar as desigualdades. “Somos diferentes em tudo. Ainda bem, porque as diferenças são a riqueza da humanidade. Há infinitos modos de se constituir a própria subjetividade, de aprender, pensar e brincar”, afirmou Cida Moysés, lamentando, no entanto, a necessidade que ainda existe de se discutir o tema da desigualdade na infância.

O debate sobre a redução da maioridade penal em curso no Congresso Nacional, por meio da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) no 171/1993, foi lembrado pelo psicólogo Gustavo Bernardes Sales, do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, como um retrocesso nas conquistas proporcionadas pelo ECA desde 1990. “Não estamos olhando para as crianças como sujeitos de direito”, declarou Sales. “São 25 anos de luta, mas ainda não temos isso consolidado.” A Câmara dos Deputados aprovou em segundo turno, em agosto, a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos nos casos de crime hediondo, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. A proposta seguirá agora para apreciação do Senado.

A professora Maria de Lurdes Zanolli, chefe da pediatria da FCM, também comentou os retrocessos em relação ao ECA e a dificuldade de se efetivar as políticas previstas na legislação. “É importante que possamos estar aqui discutindo isso e melhorarmos a possibilidade de enfrentar tudo isso.” O médico Pedro Tourinho, vereador em Campinas, classificou como “uma verdadeira marcha de insensatez” o movimento político que tem defendido “pautas retrógradas”, como a redução da maioridade e a proibição das discussões de ideologia de gênero nas escolas.

Renata Meirelles, educadora e documentarista, participou de uma roda de conversa com o público do evento após a exibição do filme “Território do Brincar”, dirigido a quatro mãos com o cineasta David Reeks, com quem é casada. De acordo com a educadora, o projeto teve entre seus objetivos mostrar a potência que reside na brincadeira infantil. “Não é necessário morar em grandes centros urbanos para saber que o adulto não vê mais o mundo da criança. O nosso foco foi olhar o que há de realmente potente nela. Que potência é essa que ela está trazendo e que eu, adulto, não estou presenciando?”, questionou Meirelles.

Para a documentarista, que ficou de um a três meses em cada comunidade para realizar as filmagens, a dependência mútua comumente percebida nas crianças das pequenas comunidades se reflete na inclusão e na proximidade de todos na hora da brincadeira, diferentemente do que ocorre nas grandes cidades. Por outro lado, vivenciar a precariedade dessas pequenas comunidades foi marcante no processo de filmagem. “Em certos momentos, eu desejei ser médica, não educadora. Meu coração partia quando eu via crianças em situações em que não precisavam mais existir, crianças com lábio leporino aberto, crianças que pisavam na brasa e passavam dias agonizando e ninguém faz nada, não tem o que fazer. Nesses lugares isolados do Brasil a questão de saúde é muito forte”.

Alteridade
No ideal capitalista, a concepção do outro é constituída a partir de si mesmo, como um ponto de referência e adequação. Entretanto, é necessário pensar a alteridade como aquilo que constitui o indivíduo, afirmou a professora Rita Ribes, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). “É preciso termos a narrativa das crianças. Se cada um narra o que lhe é próprio, silenciar uma criança não significa só tirar um espaço dela; significa que nós adultos estamos perdendo a possibilidade de saber uma parte de nós que só pode ser narrado por ela”, afirmou Ribes.

Para a psicóloga Carla Biancha Angelucci, professora da Universidade de São Paulo (USP), é preciso que a comunidade, a escola e a família acolham as diferenças, e que o acolhimento não ocorra apenas quando aquele considerado “diferente” afirmar não desejar ser aquilo que é. “Onde estranhamos, onde não gostamos, há um humano. Inclusive, onde odiamos, há um humano. A chance é de nós, adultos, avançarmos na nossa humanidade, ampliando a nossa percepção do que nos leva a nos reconhecer na nossa qualidade humana.”

O Fórum Ser Criança e Adolescer em uma Sociedade Desigual marca o início de um novo grupo de estudos do Fórum Pensamento Estratégico (PENSES), batizado de [re]pense, que se dedicará a organizar eventos e produzir reflexões e discussões sobre patologização, intolerância e discriminação.

O evento, que continua nesta terça-feira, é organizado pelo PENSES e pelo Despatologiza – Movimento pela Despatologização da Vida. O PENSES é um espaço acadêmico, vinculado ao Gabinete do Reitor, responsável por promover discussões que contribuam para a formulação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento da sociedade em todos seus aspectos.