Debate interdisciplinar sobre maconha
reúne pesquisadores na Unicamp

11/06/2015 - 14:19

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Professor Julio Cesar Hadler Neto, coordenador do Penses e mesa de abertura do evento

Professor Julio Cesar Hadler Neto, coordenador do Penses e mesa de abertura do evento

Luís Fernando Tófoli, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp

Luís Fernando Tófoli, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp

Fórum no Centro de Convenções da Unicamp

Fórum no Centro de Convenções da Unicamp

Henrique Carneiro, do Departamento de História da USP

Henrique Carneiro, do Departamento de História da USP

Thamires Moreira, do Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos da Unicamp

Thamires Moreira, do Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos da Unicamp

João Frederico Meyer, pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da Unicamp

João Frederico Meyer, pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da Unicamp

O primeiro dia do Fórum Visões Interdisciplinares da Maconha: Evidências, Valores e Fantasias, realizado nesta quinta-feira (11),  no Centro de Convenções da Unicamp, abordou aspectos históricos, sociais e econômicos da Cannabis sativa no Brasil e no mundo, reunindo profissionais de diversas áreas de estudo. A perspectiva histórica da maconha e de outras drogas psicoativas no Brasil, entre o final do século XIX e o início do século XX, foi abordado pela historiadora Thamires Moreira, pesquisadora do Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Leipsi) da Unicamp. Para ela, a política de proibição das drogas no Brasil, a partir das décadas de 1920 e 1930, foi permeada de contornos eugenistas. Segundo ela, muitas das drogas que até então eram amplamente utilizadas para fins medicinais, como a cocaína e os derivados do ópio, começaram a ser alvo do controle social.

Em grande parte, afirmou a historiadora, isso se deve à associação do uso dessas drogas, no Rio de Janeiro, então a capital do país, a alguns grupos sociais considerados indesejados: como o ópio relacionado aos imigrantes chineses, a cocaína aos ambientes de prostituição e a maconha aos descentes de escravos e à população negra em geral. Para Thamires, esse processo histórico torna clara a “hipocrisia da seletividade” sobre esse tema. “Olhar para essa história é importante para entender de onde veio esse pensamento profundamente opressor e repressivo.”

Em sua palestra, o professor Henrique Carneiro, do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), mostrou de que maneira a situação experimentada pelos Estados Unidos com a Lei Seca, na década de 1920, revelou que o modelo proibicionista não é eficiente para reduzir o consumo dessas substâncias. Carneiro afirmou que os resultados da Lei Seca foram considerados um “enorme fracasso”.

“A Lei Seca não alterou em nada uma situação que era de consumo alcoólico, e ninguém foi beber em massa quando a legislação foi alterada. Atualmente, no Brasil, temos um processo muito parecido com o que aconteceu nos EUA naquela época”, comparou Carneiro.

O medo exercido pela maconha na sociedade atrapalha as discussões sobre as políticas a serem adotadas com relação à planta, declarou o psiquiatra Luís Fernando Tófoli, professor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e um dos organizadores do evento durante a mesa de abertura. "O conjunto de crenças, evidências, tabus, desafios, terrores e prazeres pertencentes ao palco social tece uma tela que frequentemente cerra a visão sobre o tema. As experiências boas e ruins com a maconha são distorcidas e projetadas nessa tela de forma a não nos permitir, com clareza e inteireza, discutir qual seriam os melhores caminhos sobre a maconha."

Maurício Fiore, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), fez uma análise sob a perspectiva das ciências sociais. O antropólogo considerou que a maconha está ocupando atualmente um lugar diferente das outras drogas ilegais na sociedade, deixando o aspecto da marginalidade. “A normalização traz novos desafios, principalmente considerando que o consumo de maconha se concentra nas populações jovens.” Fiore criticou o nível das discussões atualmente no Brasil, baseadas mais em discursos políticos do que em evidências científicas.

O jornalista Denis Burgierman, autor do livro O Fim da Guerra, sobre novas estratégias adotadas para lidar com as drogas no mundo, tratou da necessidade de criação de novas narrativas para debater o tema e destacou o papel da mídia, no século XX, na criação de um “pânico social” que levou à proibição da maconha, em um primeiro momento, e, em um segundo, à guerra às drogas.

A ONU estima que, em 2012, havia no mundo 177 milhões de usuários de maconha, sendo a substância psicoativa que mais gera valor no mercado. Apesar da dificuldade de se mensurar esse negócio, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) considera que a Cannabis é um fenômeno global, lembrou a economista Taciana Santos de Souza. Ela discutiu em sua palestra as dificuldades de se acabar com o narcotráfico e criticou o discurso que tenta culpar o consumidor. “É uma ingenuidade pensar que o consumidor é soberano; o mercado existe e o narcotráfico prevalece porque é uma atividade altamente lucrativa.”

O juiz José Henrique Torres, membro da Associação Juízes para a Democracia, abordou a inconstitucionalidade da criminalização das drogas. Para o magistrado, a criminalização das drogas é “racista” e os dados mostram isso de maneira “muito evidente”, além de estigmatizar os usuários e privá-los das ações terapêuticas. Torres citou em sua apresentação uma resolução da ONU que afirma: “Não se deve sacrificar a saúde pública para preservar a segurança pública, mas, sim, deve ser garantido o acesso universal ao tratamento da toxicodependência, como um dos melhores meios para a redução do mercado ilegal de drogas”. Segundo o juiz, a constatação principal é que a guerra contra as drogas mata mais do que as drogas e o narcotráfico.

A proibição também não tem funcionado como um mecanismo de controle do plantio da droga no país, apontou o advogado Emílio Figueiredo, consultor jurídico do Growroom. O perfil do cultivador traçado por Figueiredo mostra que a maior parte tem mais de 30 anos, é da classe média e com carreira profissional estabelecida. A possível legalização da produção de maconha no Brasil precisa considerar a situação das pessoas que já lidam com os problemas do proibicionismo, alertou o advogado. Para ele, nesse processo, pode haver uma tendência de beneficiar usuários de classe média e grandes corporações empresariais, que explorariam comercialmente a planta. “O desafio é fazer uma legalização com inclusão social, é pegar o preto e pobre, de periferia, e o incluir. A legalização tem que ter uma função social de reparar os danos históricos das vítimas da guerra às drogas”.

O evento, organizado pelo Fórum Pensamento Estratégico (Penses), com o apoio da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), do LEIPSI e da Casa do Lago da Unicamp, continua nesta sexta-feira apresentando debates sobre a maconha e seu uso medicinal, a questão da saúde pública, das políticas de combate e a experiência uruguaia de legalização.