Crise hídrica
reúne
especialistas
do Brasil e
do exterior

13/03/2015 - 10:42

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Antonio Carlos Zuffo

Antonio Carlos Zuffo

Orlando Fontes Lima Júnior

Orlando Fontes Lima Júnior

A crise hídrica que vem afetando grande parte da região Sudeste requer ações imediatas para evitar repercussões mais graves para a sociedade, a economia e o meio ambiente. As soluções deverão vir necessariamente do diálogo entre técnicos, acadêmicos e o Poder Público, mas o necessário equilíbrio entre os diversos interesses envolvidos para a aplicação de ações práticas ainda não é uma realidade. Para estimular esse debate interdisciplinar, enriquecido com as experiências de outros países, a Unicamp realizará nos próximos dias 17 e 18 de março, no Centro de Convenções da Unicamp, no Fórum Sustentabilidade Hídrica: Perguntas, Desafios e Governança.

Um dos convidados é o professor norte-americano Richard Palmer, da Universidade de Massachusetts Amherst, que realizará um exercício de simulação com modelos computacionais para o Sistema Cantareira. O objetivo é obter cenários possíveis de oferta e demanda de recursos hídricos, fornecendo bases importantes para estabelecer um planejamento de curto e médio prazo que visa minimizar os efeitos da seca. Durante o evento também será aprofundada a discussão sobre um banco de dados hidrometeorológicos nacional.

O evento é organizado pelo Fórum Pensamento Estratégico (Penses), Coordenadoria Geral da Universidade (CGU), a Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), o Instituto de Economia (IE) e a Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. Em entrevista ao Portal da Unicamp, os professores Orlando Fontes Lima Júnior e Antonio Carlos Zuffo, da FEC, membros da comissão organizadora, falaram sobre o papel da universidade nesse atual cenário de escassez e quais contribuições o evento pretende oferecer ao debate.

Portal Unicamp: Qual é o papel da Unicamp frente à crise hídrica?
Orlando Fontes Lima - Quando veio à tona a questão da crise hídrica, a Unicamp se mobilizou e criou o comitê interno para discutir essa questão. A partir desse comitê, se identificou que a Unicamp teria um papel importante em dois aspectos nesse processo: o aspecto externo à universidade e o aspecto interno. No âmbito externo, existe muito conhecimento de pesquisa e de trabalhos nessa área pelos nossos docentes. Uma contribuição é abrir isso para a comunidade em geral, inclusive trazendo interlocutores acadêmicos do exterior para essa discussão. No aspecto interno, a Unicamp decidiu elaborar um plano de contingência para se prevenir dos eventuais problemas e propôs uma série de ações de conscientização da comunidade e racionalização de uso da água.

Portal - Como o Fórum Sustentabilidade Hídrica pretende contribuir para essa discussão?
Antonio Carlos Zuffo - O objetivo do Fórum é apresentar vários pontos acerca da questão da água. A questão política engloba discussões como a da renovação da outorga da Cantareira, que deve acontecer em outubro desse ano. Também vamos trazer experiências de especialistas estrangeiros. Nós temos uma professora que é da The Johns Hopkins University, Margaret Keck, que estuda nossa política de recursos hídricos há anos e está sempre no Brasil. E também o engenheiro William Werick, que é aposentado da agência federal U.S. Corps of Engineers, um órgão de engenharia americano respeitado no mundo inteiro. Para não forcamos nossa discussão só em aspectos acadêmicos, nós convidamos representantes da sociedade, no caso uma ONG, The Nature Conservancy (TNC). Além disso, para ampliar a discussão além da parte técnica, nós convidamos professores de outros institutos da Unicamp como a FCA, o IE e a FEC.

Orlando - O Fórum Pensamento Estratégico (Penses) entra nesse contexto no papel da discussão acadêmica altamente conectada com conscientização tanto da comunidade interna como da comunidade em geral. O evento foi pensado buscando competências internas, como professores e pesquisadores que trabalham com essa questão. Existe toda uma discussão sobre o tema da água em todas as suas dimensões. Buscamos a interlocução com os principais atores da sociedade e convidamos alguns especialistas do exterior.

Portal da Unicamp - Como as experiências desses especialistas estrangeiros podem ser úteis para o Brasil?
Orlando - Richard Palmer participou ativamente das ações contra a crise hídrica que afetou Washington há cerca de dez anos. Ele foi uma das principais interlocuções da discussão e do equacionamento disso, e traz uma abordagem participativa dos atores e muito efetiva nesse momento de crise no Brasil. William Werick é ex-consultor de planejamento hídrico da Corps of Engineers, que é um grupo muito forte dos EUA na área de engenharia, em particular no Instituto de Recursos Hídricos. Ele trabalhou bastante com essas questões de crise hídrica.

Portal - Palmer vai apresentar no evento modelos computacionais de simulação de estiagem. Qual a importância desse tipo de estudo?
Orlando - Há um grande padrão de incerteza com relação às previsões de chuvas. Então, é necessário montar cenários e isso é bastante complexo porque os atores geralmente não têm visões convergentes quanto à construção desse cenário. Essas simulações do professor Palmer são exatamente montadas para criar um ambiente de discussão comum em que você vá construindo convergências em relação a esses cenários. Mesmo entre atores que têm visões divergentes, nessas simulações vão aflorando os pontos comuns, de convergência. Ou seja, você minimiza conflitos e aumenta o potencial de sinergia para a solução dos problemas. Palmer aplicou isso na Califórnia e já estuda aplicar isso no Brasil. O professor Palmer é parceiro da Faculdade de Engenharia Civil e Arquitetura e Urbanismo da Unicamp. No próximo semestre, ele deverá ficar aqui, e o objeto de trabalho dele é a Cantareira, sistema esse que ele já vem estudando.

Portal - Como a questão dos investimentos e do gerenciamento de recursos hídricos deverá será abordada?
Zuffo - Nós convidamos o Consórcio PCJ (Piracicaba, Capivari e Jundiaí), que foi criado antes mesmo do Comitê PCJ, o primeiro do Estado. Na década de 1980, existia um problema de grande poluição da bacia e a população não aceitava ver seus rios morrendo. Então, os municípios se reuniram em consórcio para discutir esse problema comum entre eles e ganhar força política. Quando veio a mudança da política, que sai do modelo burocrático, centralizado no governo do Estado e que não estava funcionando, foi criada então a Política Estadual de Recursos Hídricos, pela Lei nº 7.663/1991, que colocou esse modelo de gestão por bacias hidrográficas e incentivou a criação de comitês. O primeiro comitê formado foi o PCJ, porque já existia a estrutura do Consórcio. Posteriormente, a Lei Federal nº 9.433/1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, não criou um fundo de recursos hídricos, mas criou a possibilidade da cobrança pelo uso da água, que foi aprovada no PCJ só em 2004. Um Comitê de Bacias funciona como um grande condomínio. Quando você quer fazer uma grande obra em um condomínio, ele cria um fundo de reserva para financiar, e você paga a taxa de condomínio mais uma taxa para a obra. E quando a obra estiver pronta, todos usufruem. Então, a cobrança pelo uso da água tinha essa função, e o Comitê funcionava com um grande condomínio. Todos pagam pela água bruta e recebe-se esse fundo, que seria investido em estações de tratamento de água, de esgoto e redes de drenagem, por exemplo. Onde houvesse problema com água na bacia, esse fundo seria utilizado. A Agência Nacional de Águas (ANA) sugere o preço de cobrança da água e o Comitê aprova. E foi aprovada a cobrança de um centavo por metro cúbico. Mas esse valor não é suficiente para criar fundos para essas obras. A Política Estadual de Recursos Hídricos previa a arrecadação de recursos da água para serem investidos em infraestrutura, mas não é a concessionária de serviços públicos que deveria ter que investir nisso. Esse deverá ser um dos tópicos em discussão no Fórum.

Portal - Qual é a importância de um banco de dados hidrometeorológicos nacional?
Zuffo - Planejamento tem que ser feito com informação. Como é possível dimensionar o volume de reservatório, saber o quanto eu tenho de disponibilidade hídrica, se eu não tenho dados? Para se fazer obras contra enchentes, é preciso saber qual é a vazão máxima. Para enfrentar o período da seca, é necessário saber qual o tamanho do reservatório para armazenar água. Usualmente isso é feito observando o que aconteceu no ano passado, somado aos modelos de previsão com simulações. Mas existe também uma ciclicidade do clima, de ter períodos mais baixos e mais altos. Quando foi dimensionado o Sistema Cantareira, os dados disponíveis de vazão eram mais baixos, e ele foi dimensionado para uma realidade mais seca. Logo depois que foi construído, começou a chover mais e aumentou a produção em 30%. E nós devemos entrar em um período seco mais prolongado, que vai diminuir a produção. Agora vamos pagar o preço. Porque esse fenômeno foi descoberto há pouco tempo. Muita gente ainda acredita que a causa é o aquecimento global, e isso não é aquecimento global. Nós pegamos o trecho de ascensão, e agora estamos no de recessão. A temperatura vai cair e a precipitação na nossa região também vai declinar e aí vamos ter problemas. Todo o planejamento não leva em consideração essa fase cíclica.

Portal - Qual é a perspectiva atual nesse cenário de seca?
Zuffo - Estamos à beira de um colapso de abastecimento, pois não temos reservatório para fornecer água para a população. Justamente porque se proibiu a construção de reservatório de regularização no passado, na legislação de 1987 e 1988. Temos que rever isso e para haver segurança hídrica, vamos ter que voltar a construir barragens de regularização. A barragem de regularização é como se fosse uma poupança em que você guarda para quando houver escassez. Ou seja, se tem um ano muito chuvoso, a barragem de regularização armazena essa água. No período seco, a vazão natural é insuficiente, então você regula com aquilo que foi guardado. Se não houver esse reservatório, quando cai a vazão, já não é possível abastecer a população. Mas se há um reservatório grande, há uma poupança grande e pode-se passar por períodos de adversidades maiores. Se você tem um reservatório pequeno, ele te socorre durante um pequeno tempo, como foi o que aconteceu no município de Itu (SP).

Comentários

No Brasil, centenas de professores e pesquisadores de alto nivel concordam com os dados e opinioes de especialistas mundiais em clima que admitem, de forma inequivoca, a elevacao da temperatura em todos os continentes. Trabalhos serios de pesquisa climatica comprovam que, no Brasil, o aumento chega a ser de 1,5C. As temperaturas minimas medias em Campinas, comprovadamente subiram 2,5C. Nao se ouviu falar mais de geadas desde o ano 2000. Apenas 2% dos climatologistas no mundo discordam dessa opiniao. Sao os chamados ceticos, que defendem apenas suas opinioes mas nao citam artigos cientificos em que se baseiam. Nem publicam. No Brasil, um grupo de ceticos formado por 18 associados, sendo apenas dois climatologistas, enviou, ha algum tempo, um oficio a Presidencia da Republica criticando e pedindo medidas punitivas cabiveis, aqueles 88% que estudam e defendem os efeitos antropicos no aumento da temperatura. Genial. Nao e necessario mais do que uma simples pesquisa nos dados existentes para a comprovacao do aquecimento. Nao se pode esquecer que nos Estados Unidos, na decada de 50, o interesse economico fez com que inumeros cientistas comprovassem que o nicotina nao fazia mal a saude. Ate descobrirem que a industria do tabaco patrocinava a campanha. Assim, pode-se considerar que e muito facil contradizer evidencias, sem comprovar. Mas, como escreveu Moises Naim: "devemos tratar os ceticos, com ceticismo".

Hilton S. Pinto
Cepagri/Unicamp
Editor de texto Mac

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hilton@cpa.unicamp.br