André Tosello
inspira biografia

09/12/2014 - 15:25

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Ricardo Lima, autor do livro

Ricardo Lima, autor do livro

André Tosello (à dir.) na Revolução de 32

André Tosello (à dir.) na Revolução de 32

Tosello em produção de café

Tosello em produção de café

Ao criar a Unicamp, em 1966, o então reitor Zeferino Vaz se colocou ao lado de pesquisadores de grande envergadura profissional. O professor André Tosello foi um deles. Fundador da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), foi também o seu primeiro diretor e ajudou a consolidar internacionalmente o nome da Unicamp. Não foi somente isso. Esse personagem, presente em várias passagens da vida universitária, agora tem sua rica história contada na obra Muitos: uma Biografia de André Tosello (Editora da Unicamp), que será lançada no próximo sábado (13), às 11 horas, na Fundação André Tosello, em Campinas. O livro, que reúne depoimentos de mais de 40 entrevistados e resulta de uma ampla pesquisa documental, tem 432 páginas, escritas pelo jornalista Ricardo Lima, coordenador editorial da Editora da Unicamp. 

Ricardo Lima conta que demorou dois anos para realizar a obra, encomendada pela Fundação André Tosello para ser lançada neste ano, no centenário de nascimento do professor Tosello. Segundo o biógrafo, a história do homenageado se confunde com a história da engenharia de alimentos no Brasil. Ele foi o primeiro diretor do Ital (Instituto de Tecnologia de Alimentos), fundado em 1963, uma instituição pioneira na América Latina. Quatro anos depois, em 1967, criou a primeira faculdade de tecnologia de alimentos (a embriã da FEA) da América do Sul, originalmente dentro do Ital (que se chamava Centro Tropical de Pesquisas e Tecnologias de Alimentos). Lá, Tosello dispunha de todas as instalações e laboratórios para que as aulas práticas fossem realizadas. O docente acumulava dois cargos: diretor do Ital e diretor da FEA. Mas, em 1971, desligou-se do Ital e passou a atuar como dirigente da FEA e como professor. Parte das instalações do Ital seguiram para a Unicamp. 

“Tosello era filho de imigrantes italianos estabelecidos em Rio das Pedras, pequeno município próximo a Piracicaba, onde viveu desde a infância até os 15 anos”, recorda Ricardo. Aos 16 anos, ingressou no curso de Agronomia da Esalq, USP, formando-se aos 19 anos, em 1933. "Era o mais novo de sua turma e também o mais precoce: com 20 anos já era professor da Esalq na área de mecânica agrícola, onde permaneceu até 1939. Nesse período também lecionou no Rio de Janeiro, na Escola Nacional de Agricultura (ENA). Sua especialidade era máquinas agrícolas."

Depois de sair da Esalq, continuou atuando como docente no Instituto Presbiteriano Mackenzie e na Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Em 1940 foi contratado pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), trabalhando na Divisão de Tecnologia e Máquinas Agrícolas até 1963. O Ital nasceu dentro da Divisão de Tecnologia do IAC. 

Como diretor do Departamento de Máquinas, Tosello acabou, naturalmente, assumindo o comando do Ital, em 1963, num esforço conjunto que envolveu muitos outros pesquisadores, destacando-se Ciro Gonçalves Teixeira, Ary de Arruda Veiga e José Pio Neri. Quando o Ital foi concebido, Tosello era a pessoa mais capacitada para assumir o cargo, na opinião de Ciro Teixeira, um dos pioneiros no instituto. Além de ser de uma geração mais velha, tinha uma visão muito abrangente. “Mas a tarefa de conceber o Ital não foi exclusiva dele. Já havia uma equipe desde a década de 1940 muito ligada à tecnologia de alimentos. Ocorre que, nesse momento, Tosello estava muito dividido entre trabalhar com máquinas agrícolas para grandes culturas como o algodão e o café, e também pensando no processamento de alimentos.”

Nos anos 1940, Tosello já estava envolvido com pesquisas relacionadas com desidratação de frutas, porém ele nunca foi um pesquisador apenas voltado ao processamento de alimentos e à tecnologia ou engenharia de alimentos. Ricardo afirma que, como a demanda do setor agrícola sempre foi maior na área de commodities, o biografado desenvolveu muitos projetos relacionados às culturas do café e do algodão.

Tosello fez a sua formação inteiramente no Brasil, embora tenha tido grande experiência internacional. Em 1940 esteve na Argentina, onde permaneceu 60 dias, para estudar máquinas de colher e de beneficiar algodão. A partir de então começou uma agenda intensa fora do país. “Uma das marcas de Tosello foi a sua inquietude. Viajou muito e procurou conhecer novos produtos e processos para aplicá-los no Brasil. Na área de máquinas, foi o autor do projeto do primeiro trator nacional, no final da década de 1940.”

Pelo Ital, realizou importantes visitas a institutos de pesquisa e de ensino na Europa. Fez uma longa viagem em 1963 e outra em 1966, que deram subsídios para estruturar melhor esse instituto, que estava sendo criado. Na viagem de 1966 obteve subsídios para dar contorno ao curso da engenharia de alimentos na Unicamp, iniciado em 1968.

Um pouco antes, em 1967, ele teve o primeiro contato com Zeferino Vaz, que o procurou no Ital. “Para criar a Unicamp, o reitor precisava de cinco faculdades, e a Tecnologia de Alimentos foi uma delas. A sua estratégia foi pegar uma instituição que já estava muito bem-estruturada e trabalhando com cursos e aperfeiçoamentos. O Ital atuava com pesquisa e com ensino, com recursos da OEA (Organização dos Estados Americanos) e da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), além da Secretaria de Estado da Agricultura. Trazia profissionais estrangeiros para capacitar os novos técnicos. A intenção era capacitar profissionais para a indústria de alimentos para o Brasil", descreve.

A marca que Tosello deixou foi o ineditismo da FEA no Brasil e na América do Sul. Como consequência, hoje o Brasil conta com 72 faculdades de engenharia de alimentos, sendo a da Unicamp considerada uma das melhores, além de ter sido a pioneira.

Em depoimento no livro, o professor José Tadeu Jorge, reitor da Unicamp e ex-orientando de Tosello, disse que coube também ao seu orientador o mérito de ter criado o perfil do engenheiro de alimentos no Brasil. Em outros países, como os Estados Unidos, é bem distinta a função do cientista de alimentos, do engenheiro e do tecnólogo. O professor Tosello acabou montando uma grade curricular com uma formação mais completa para o profissional. Ele acabou criando um currículo que formaria um profissional mais adequado e apto às necessidades brasileiras. 

Obsessão 
Por meio dos depoimentos, Ricardo observou que Tosello era obsessivo por trabalho e tinha um ritmo "frenético". Muitos relatos acabaram revelando aspectos curiosos de um professor desligado para algumas coisas e ao mesmo tempo muito ligado à família. Casado com Jaci Alves Coelho, teve cinco filhos. A mais velha, Yara Tosello, foi professora da FEA, onde defendeu o mestrado e o doutorado. Formada em Matemática, lecionou Estatística na FEA. “Tosello também foi um grande matemático, talvez até mais que agrônomo”, revela.

Tosello faleceu em novembro de 1982 e esteve à frente da FEA até 1980, onde prosseguiu como docente e coordenador de convênios. A saída do professor Zeferino desestimulou-o um pouco. Tinham um traço em comum: a obstinação. Muitos entrevistados diziam que ele era um visionário, que via as coisas décadas à frente.

A saída de Zeferino Vaz talvez tenha dificultado um pouco o trânsito livre que ele tinha na Reitoria e a vontade de realizar os seus projetos, avalia Ricardo. Também a sua saúde ficou mais abalada no início da década de 1980. De 1981 a 1982, ele se dedicou a montar o curso de Engenharia de Alimentos em Buenos Aires. Ia todo mês para lá, porque era assessor do reitor na concepção dessa primeira faculdade daquele país.

Ricardo sublinha que desde a década de 1970 o professor Tosello já apresentava problemas cardíacos. Este distúrbio foi se agravando com os anos e ele faleceu em virtude de um ataque cardíaco, quando tinha 68 anos de idade.

“O livro é interessante porque acaba possibilitando conhecer um personagem cuja história revela muito dos homens ligados à pesquisa e ao ensino a partir da metade do século 20 para frente”, salienta Ricardo, que produziu o seu primeiro livro biográfico. “Eu não tinha ideia do que iria encontrar. O personagem se revelou mais rico do que eu imaginava.”

Um detalhe importante, em sua visão, foi a posição da família, num momento em que a publicação de biografias no Brasil passa por forte censura. “Os familiares me deixaram à vontade para pesquisar e escrever. Entregaram-me fotos, álbuns, diários, escritos. Foi um trabalho amplo e de rica iconografia, recolhi cerca de 1000 fotos, jornais, desenhos e manuscritos, cerca de 300 estão no livro. Em nenhum momento, interferiram nesse processo, nem o direcionaram. Em muitas histórias do livro, retratei um homem bravo, enérgico, acima do razoável. Nem por isso quiseram dar outras cores para esse comportamento. Não mudaram uma linha do que escrevi. Aprovaram integralmente. Pode até ser que o Tosello não concordasse com esta versão da sua vida, mas certamente pode se orgulhar da família que teve", conclui Ricardo.

SERVIÇO
Lançamento
Local: Fundação André Tosello
Rua Latino Coelho, 1301 - Parque Taquaral 
Dia: 13 (sábado)
Horário: 11 horas


Livro
MUITOS – Uma biografia de André Tosello
Editora da Unicamp
23 x 26 cm, 432 páginas, R$ 76,00

Comentários

Parabéns ao jornalista Ricardo Lima pela biografia de André Tosello cuja contribuição foi fundamental para na fundação da Unicamp com padrões de excelência.

Email: 
neire@unicamp.br