Fernando Morais faz história,
literatura ou jornalismo?

15/05/2014 - 13:36

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Fernando Morais comenta sua obra no IFCH

Fernando Morais comenta sua obra no IFCH

Descontração marca debate com casa cheia

Descontração marca debate com casa cheia

"Biografia: história, literatura ou jornalismo"

Público atento à história por trás dos livros

Público atento à história por trás dos livros

O escritor e jornalista Fernando Morais esteve na Unicamp na tarde de quarta-feira para o debate “Biografia: história, literatura ou jornalismo?”, a convite do professor Jorge Coli, diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). O autor de sucessos como A Ilha, Olga, Chatô e Os últimos soldados da Guerra Fria, entre outras obras traduzidas para 36 idiomas, também possui uma trajetória jornalística reconhecida por três Prêmios Esso e quatro Prêmios Abril. Olga e Corações sujos ganharam versões para o cinema, e o segundo recebeu o Jabuti como Livro do Ano de 2001. O próximo livro do escritor será sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que terá sua vida retratada entre 1980, quando foi preso como sindicalista, e 2010, fim do seu segundo mandato. Ouça áudio da RTV

Falando para um auditório lotado, Fernando Morais preferiu expandir o tema da biografia para “produção autoral de não ficção”, justificando que embora seja mais identificado como biógrafo, apenas quatro dos seus 11 livros justificam esta fama. “Os demais tratam de determinados episódios da história do país, com uma exceção que não é integralmente brasileira: o caso dos cinco cubanos na guerra fria. O fato é que temos toda uma geração de brasileiros que vive de escrever livros de não ficção, considero um mercado sem fim.” 

Fernando Morais começou explicando como escolhe um personagem ou um tema para seus livros, o que depende dos critérios de cada autor. “Conversando com Ruy Castro, descobri que ele prefere personagens pelos quais tem alguma simpatia, o que decididamente não é o meu caso. Quando acabei de escrever ‘Olga’, minha ideia era uma biografia do delegado [Sérgio Paranhos] Fleury, notório torturador da ditadura militar – desisti ao saber que Percival de Souza estava trabalhando em ‘Autópsia do medo’. O fato de ter escrito sobre uma judia comunista, não significa que não possa escrever sobre um símbolo da brutalidade de Estado. Um pré-requisito é que contribua para trazer revelações sobre a história do Brasil que não foi contada na escola.” 

Segundo o escritor, em todos os seus livros há a preocupação com um vício profissional de quem passou a vida em redação de jornal, que é o ineditismo. “Jornal com notícias de anteontem é para embrulhar peixe. Seja por pegadas de um personagem, seja por um episódio (político ou não), uma característica comum em meus livros é de desenterrar passagens da história que não tenham sido objeto de interesse da imprensa ou da academia. A história de ‘Corações sujos’, por exemplo, me interessou pelo caráter inacreditável: se esta guerra de japoneses contra japoneses no Estado de São Paulo tivesse sido contada por um ficcionista, diriam que ele errou a mão, que é ficção demais.” 

Fernando Morais ressaltou o grande estresse que um livro provoca, tanto para pesquisar como para escrever. “Por mais que conte com colaboradores, nada substitui o olho do autor: fazer pessoalmente as entrevistas e pesquisas mais importantes é essencial para a qualidade do livro. O autor também precisa ficar atento para a pesquisa sem fim. Mário Magalhaes levou nove anos para produzir a belíssima biografia de ‘Marighella’, até o momento em que resolveu dar um ponto final na pesquisa: ‘Se ele ressuscitar, não entra no meu livro’. Eu fiquei sete anos escrevendo ‘Chatô’, sempre achando que podia melhorar. O rigor das editoras varia, mas é preciso ter certa disciplina com prazos.” 

Livro escrito, Morais deixa o trabalho de checagem para o editor, que contrata profissionais para isso. “Por mais que eu seja rigoroso e obsessivo com datas ou grafias de nomes, erros são comuns em textos extensos. Na primeira edição de ‘Olga’ consegui atracar um transatlântico em Paris, até que alguém me alertou que aquilo era realismo mágico. Outro ponto é a absoluta segurança de que, no caso de uma contestação judicial, você vai sustentar o que está escrito. Não tenho essa preocupação porque nenhum livro traz a minha opinião de quem quer seja. Amigos de Chatô disseram que eu retratei um gângster; e os inimigos, que transformei um batedor de carteira em mecenas das artes. No fundo, ele foi as duas coisas.” 

Quanto a um livro de não ficção, biografia ou não, se assemelhar a um trabalho historiográfico, o escritor não considera importante que se trate de um personagem da história com “h” maiúsculo. “Ruy Castro tem biografias de Garrincha, Nelson Rodrigues e Carmen Miranda, e não deixa de contar um pouco da história do Brasil. Eu gosto de personagens políticos, no que seria um trabalho historiográfico, mas não é, por causa do olhar de um autor de formação jornalística. Um exemplo é a questão da virgindade de Luís Carlos Prestes: ele tinha 37 anos quando fez sexo pela primeira vez com Olga. Minha mulher, historiadora, disse que não colocaria no livro um fato que considera vulgar em meio a história tão densa; e eu coloquei por achar relevante num país latino como o nosso. Um jornalista e um historiador podem escrever histórias diferentes, mas ambas reais.” 

Finalmente, Fernando Morais comentou sobre a associação entre biografia e literatura, que em sua opinião é fruto de uma interpretação equivocada. “Quando digo que estou dando tratamento literário a um livro de não ficção, posso passar a impressão de que estou ficcionalizando. Mas o que procuro é oferecer ao leitor um texto da melhor qualidade que posso produzir, em cima dos fatos que apurei. Os jovens do Partidão ficavam indignados pelo fato de Olga usar vestido nos joelhos, ir à praia todos os dias (o que não era comum entre moças da época) e aparecer bronzeada para as reuniões secretas. A descrição disso não mudaria nada a história. Mas tornaria a minha história mais saborosa. São truques estéticos. Meus livros não trazem um parágrafo que tenha sido fruto da minha imaginação. Como todos os escritores, sonho em escrever como um Machado de Assis, mas em cima de fatos reais.”