Edição nº 579

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 14 de outubro de 2013 a 20 de outubro de 2013 – ANO 2013 – Nº 579

Metodologia determina qualidade da soja e da quinoa em 4 minutos

Técnica, que utiliza espectroscopia no infravermelho, reduz o tempo de análise

A análise da composição centesimal visa garantir a qualidade dos produtos, atender exigências de órgãos oficiais de fiscalização e regulamentação, além de contribuir para a proteção da saúde do consumidor. Paralelamente, observa-se uma maior preocupação de determinados segmentos da população brasileira com a alimentação, o que aumenta o interesse por alimentos funcionais, assim chamados aqueles que trazem algum beneficio à saúde. Apesar disso, em geral o consumidor brasileiro não se detém no exame do conteúdo dos alimentos explicitado nas rotulagens que atestam suas qualidades nutricionais. Estas são mostradas através da presença dos seus principais componentes: umidade, proteínas, cinzas, lipídios, carboidratos e fibras.

Os métodos de análises tradicionalmente empregados para a determinação da composição centesimal dos alimentos esbarram em dificuldades. Para contornar os problemas mais comumente enfrentados pelos laboratórios de análise de alimentos – gasto de tempo, preparo da amostra a ser analisada, utilização de solventes, cuidados em relação à saúde dos analistas e ao seu treinamento, equipamentos que ocupam espaço, tratamento de resíduos –, a engenheira de alimentos Daniela Souza Ferreira, desenvolveu metodologia que, utilizando espectroscopia no infravermelho e análise multivariada, permite reduzir drasticamente o tempo de investigação, de semanas para poucos minutos, e que, além de tudo, não exige o preparo prévio da amostra.

Trata-se de técnica que utiliza a espectroscopia na região do infravermelho que, embora empregada desde a década de 1960, não se encontra disseminada no Brasil, onde poucos laboratórios dispõem do espectrofotômetro na região do infravermelho para o controle de qualidade de alimentos.

As pesquisas que deram origem à tese de doutorado foram orientadas pela professora Juliana Azevedo Lima Pallone, do Departamento de Ciência de Alimentos, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, e coorientadas pelo professor Ronei Jesus Poppi, do Departamento de Química Analítica do Instituto de Química (IQ) da Universidade, onde o equipamento tem utilização rotineira.

 

Caminhos e escolhas 

A pesquisadora esclarece que para a avaliação simultânea dos diversos parâmetros de qualidade dos alimentos devem ser empregados métodos de calibração multivariada para a geração de modelos matemáticos que permitem a quantificação de espécies químicas a partir dos espectros no infravermelho próximo ou médio.

Os métodos de calibração multivariada, que são do domínio da quimiometria e que envolvem o desenvolvimento de um modelo matemático, exigem o emprego de grande número de resultados provenientes de ensaios analíticos e obtenção de espectros, ou seja, dependem do exame prévio de um significativo número de amostras. Além do que, uma vez construído, o modelo matemático-estatístico necessita ser validado com um conjunto de dados não utilizados na calibração.

Estas circunstâncias levaram a pesquisadora a trabalhar com soja e quinoa face à facilidade de acesso a grande variedade de amostras e espécies. Além do fato de a soja ocupar um lugar importantíssimo na agricultura do Brasil, segundo maior produtor mundial, atrás apenas dos EUA, e a quinoa se distinguir pela riqueza proteica.

Influenciou ainda essa decisão a facilidade de conseguir amostras produzidas pela Embrapa, que pesquisa muitas variedades de soja e desenvolve propostas para a produção de quinoa na entressafra da soja. No caso desta, pesou ainda a facilidade de aquisição na rede de supermercados do produto importado e a circunstância de conseguir amostras trazidas diretamente do Peru e da Bolívia, grandes produtores do grão.

Acrescente-se também que em geral os grãos, conhecidos desde a antiguidade, situam-se entre os alimentos funcionais que, além de constituírem fontes de calorias, assumem particular importância na prevenção de doenças cardiovasculares e degenerativas. Nestes aspectos, destacam-se a soja e a quinoa.

A soja, leguminosa rica em proteínas e óleo, tem significativo peso na balança comercial brasileira. A quinoa, um pseudocereal, é superior aos cereais em qualidade e proporção de proteínas, lipídios, vitaminas e minerais. Estes grãos estão sendo progressivamente incluídos na dieta humana, principalmente nas formulações de pães, massas, barras de cereais, cereais matinais, com a vantagem de não conterem glúten.

Daniela realizou as análises convencionais no Laboratório de Análise de Alimentos da FEA e desenvolveu os estudos relativos à quimiometria no IQ, onde utilizou o espectrofotômetro na região do infravermelho. Ela explica: “O equipamento fornece os dados referentes à amostra em dois minutos, mas para poder comparar suas respostas com os resultados obtidos em laboratório pelos processos convencionais, emprega-se um tratamento estatístico que é a quimiometria e, com isso, chega-se ao resultado final, expresso através da concentração das espécies pretendidas”. A realização de todo esse trabalho, partiu das análises convencionais de quase 100 espécies de soja e de cerca de 90 de quinoa. 

 

Objetivos e aplicação 

Os objetivos do estudo centraram-se principalmente em avaliar os parâmetros de qualidade de grãos funcionais como soja e quinoa, que apresentam importância econômica e nutricional e o teor de fibras dietéticas de soja; obter espectros no infravermelho próximo e médio de soja e quinoa; e desenvolver modelos de calibração multivariada para os dois cereais, referenciados aos métodos analíticos.

Para uma indústria de alimentos, o emprego dessa técnica permitirá realizar o controle da qualidade de uma variedade de grãos, ou de outra matéria-prima, desde que disponha de uma biblioteca adequada dentro do seu equipamento. Ou seja, o desenvolvimento prévio dos modelos matemáticos a serem utilizados possibilitará então a essa indústria, em dois minutos, chegar aos resultados analíticos e, em outros dois, obter a composição centesimal, substituindo assim métodos laboriosos e geradores de resíduos químicos. E sem destruição da amostra, pois os grãos beneficiados são colocados diretamente no equipamento, o que possibilita inclusive que as amostras analisadas sigam junto ao respectivo lote.

A biblioteca, montada com base nas necessidades de cada empresa, possibilita que as beneficiadoras de grãos se encarreguem de suas análises para que cada produção seja encaminhada para a utilização mais adequada aos produtores de alimentos, pois os grãos são classificados em função de suas composições centesimais e, dependendo delas, se destinam a diferentes processamentos.

As composições diferentes resultam do clima, da condição do solo e da variedade da espécie. O conteúdo de proteínas e de óleos é importante para os destinos que são dados à soja. No caso da quinoa, por exemplo, deve ser garantido o alto conteúdo de proteínas para seu emprego em produtos que substituem a carne.

A metodologia permite substituir um laboratório de análises convencionais por um equipamento e um operador. Simples, rápido e fácil. Desde que construída a biblioteca necessária. No caso estudado por Daniela, o processo consumiu quatro anos de trabalho utilizando recursos do CNPq, Capes e Fapesp.

 

Economia de tempo e dinheiro

Pelos processos convencionais de laboratório, a determinação do teor de umidade leva um dia e das proteínas, dois. O teor de cinzas, que constituem o material inorgânico e que resultam da queima da matéria orgânica, consomem 16 horas de trabalho e o conteúdo de fibras alimentares demanda uma semana. Pelo processo proposto, o resultado no infravermelho é obtido em dois minutos e outros dois são requeridos para o tratamento matemático que leva à composição centesimal.

Daniela atribui à dificuldade do uso de infravermelho para prever os parâmetros de qualidade em alimentos, à falta de um quimiometrista, pois a técnica já é empregada em indústrias de ração e trigo. “Frequentei o curso de quimiometria no IQ para aprender a técnica, utilizar o software e desenvolver os modelos matemáticos. Essa é a maior dificuldade, pois se deve construir um modelo para cada amostra. Tentei construir modelos que não existiam para as amostras brasileiras. E esta é a novidade, já que a técnica é aplicada desde a década de 60”, esclarece ela.

Ao final do trabalho, a pesquisadora constatou em que grau o modelo matemático se aproxima dos resultados das análises realizadas em laboratório e que demandaram três anos de trabalho. Ao fazer a validação do modelo através do emprego de ferramentas estatísticas, ela constatou que o emprego da técnica lhe permitia prever resultados bem próximos dos obtidos em laboratório, alcançando índices que chegam de 70% a 90%, considerados excelentes.

Daniela destaca particularmente a aplicação da técnica na determinação de fibras alimentares, cujas análises convencionais demandam mais de uma semana e geram muitos erros. Particularmente neste caso, ela considera os resultados fantásticos.

Para a pesquisadora, a empresa que se dispuser a investir em equipamentos e na construção dos modelos matemáticos com vistas ao controle de qualidade terá um retorno financeiro em dois anos, em decorrência da economia com outros equipamentos, emprego de reagentes, utilização de espaços e pessoal.

 

 

Publicação

Tese: “Aplicação de espectroscopia no infravermelho e análise multivariada para previsão de parâmetros de qualidade em soja e quinoa”
Autora: Daniela Souza Pereira
Orientadora: Juliana Azevedo Lima Pallone
Coorientador: Ronei Jesus Poppi
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
Financiamento: CNPq, Capes e Fapesp