Trinta Anos de
'Feliz Ano Velho'

02/07/2013 - 15:30

Terceiro dia do mês de julho do ano de 1983. Há 30 anos, a história contada por Marcelo Rubens Paiva no livro Feliz Ano Velho saía do papel para ganhar palcos no Brasil e no exterior. O que talvez não fosse esperado pelo ator formado pela Escola Macunaíma Marcos Kaloy, idealizador da montagem, era que a produção ficasse tanto tempo em cartaz, lotando teatros e espaços alternativos de apresentação, como aconteceu na estreia, no Teatro Claudio Santoro, durante o Festival de Inverno de Campos do Jordão. “Além de contar a história do Marcelo, queríamos montar algo sobre a realidade do Brasil, na época comandado pelo regime militar, o mesmo que levou o pai de Marcelo, o ex-senador Rubens Paiva, ao desaparecimento”, diz Kaloy.  A repercussão da montagem fez com que Kaloy fosse convidado pelo então reitor Paulo Renato Costa Souza para dirigir o Festival Internacional de Teatro da Unicamp.

O escritor Marcelo Rubens Paiva sofreu acidente, em 14 de dezembro de 1979, quando cursava engenharia agrícola na Unicamp. Durante passeio com alguns amigos, próximo à Rodovia dos Bandeirantes, quando, por brincadeira, decidiu mergulhar para buscar o tesouro esquecido por um dos amigos no fundo de um lago. Não sabia, porém, que havia pouca profundidade para mergulhar. Quando se deu conta de que havia fraturado a quinta vértebra cervical e comprimido a medula, o que o fez perder os movimentos abaixo do pescoço, começou a traçar as linhas de sua história, dando vida a seu primeiro livro, lançado em 1982.

Ao ver o Teatro Claudio Santoro lotado, Kaloy se certificou de que poderia gritar sobre as coisas do Brasil. Convenceu-se também de que o convite feito a Alcides Nogueira Pinto para adaptar o texto de Marcelo Rubens Paiva foi uma decisão certa e importante não somente para o autor, o dramaturgo, o diretor Paulo Betti e os atores do Núcleo Pessoal do Victor, mas a todos os brasileiros. Adilson Barros, Denise Del Vecchio, Lilia Cabral, Christiane Rando e Marcos Frota o acompanharam no elenco.

Quando o livro foi escrito, Kaloy ainda não cursava artes cênicas e se formava em sociologia e política na PUC São Paulo (PUC-São Paulo), mas, por atuar em teatro, já dialogava com os atores do Pessoal do Victor, da Unicamp. Soube do acidente por aproximação da família. Marcelo havia recebido outras propostas de adaptação do texto para teatro, mas deu preferência para a iniciativa de Kaloy. Assim que pegou a autorização do autor, o ator entrou em contato com Alcides Nogueira, de quem se tornou amigo, que aceitou o convite. Na época, o dramaturgo tinha acabado de montar Madame Pomery. Foi de Nogueira a indicação para convidar Denise e Paulo Betti, que, na época realizavam trabalho sobre crítica política.

A naturalidade de Marcelo ao contar sua própria história é mantida no texto de Nogueira. No livro, ele retrata o pós-acidente e outros episódios de sua vida, principalmente da juventude e da infância, quando seu pai desaparecera, durante o regime militar. Um texto que dá asas à imaginação do leitor e, principalmente de quem decide transformá-lo em discurso falado, abrangendo um público ainda maior que aquele que fez de Feliz Ano Velho um best seller brasileiro. Até hoje Feliz Ano Velho estimula montagens teatrais. Uma delas, também dirigida por Paulo Betti, foi interpretada pelo elenco da Casa da Gávea, criada pelo ator e diretor, em 2001.

Feliz Legião
Uma das apresentações de Feliz Ano Velho, de 1983 a 1987, aconteceu no Ginásio da Unicamp, durante o espetáculo “Feliz Legião”, uma fusão da produção cênica com um show da banda Legião Urbana, que reuniu em torno de 5 mil pessoas. As sessões, muitas vezes acompanhadas de outras bandas ou cantores de rock, como Lobão, eram sempre seguidas de debate entre público e elenco. No Centro de Convivência, segundo Kaloy, foi necessária a liberação por parte do Corpo de Bombeiros para que todas as pessoas da fila pudessem entrar para assistir.

Depois de lotar espaços brasileiros, o núcleo levou Feliz ano Velho para o Festival Internacional de Teatro de Cuba, para o Joseph Papi, festival de Nova York. México e Porto Rico também receberam o espetáculo. 

Amigo de Marcelo e de sua irmã, Vera Paiva, Kaloy acredita que Feliz Ano Velho abriu um espaço importante no teatro brasileiro. “As pessoas estavam acostumadas a ver teatro contra ditadura militar. Coisas nessa linha. Ver um texto como Feliz Ano Velho saía do padrão, pois passava pelas interrogações.” Kaloy fala de um período de aparelhamento dos partidos políticos, que militantes como ele e o ex-presidente da UNE Ruy Cesar, falecido em 28 de junho deste ano, queriam poder levar a público suas experiências. Logo na estreia, a peça recebeu duras críticas da direita, por denunciar o desaparecimento do ex-senador Rubens Paiva, e da esquerda, por falar de maconha e sexualidade, temas que a esquerda não aceitava, segundo Kaloy. “As pessoas estavam saindo da mordaça da ditadura. Não estavam acostumadas a falar, se pronunciar. Alguns teatros tinham situações em que pessoas não se manifestavam, não podiam rir, conversar com elenco, alguns temas eram proibidos. Já Feliz Ano Velho sugere democracia e liberdade de expressão.”