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Vulnerabilidade socioambiental atinge população de São Sebastião

Pesquisa aborda, em metodologia inédita, problemas enfrentados por moradores do município do Litoral Norte paulista


RepO município de São Sebastião, no Litoral Norte de SP, conhecido por suas belas praias, apresenta importantes características geográficas passíveis de impactos, atesta tese de doutorado desenvolvida no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. O município praiano tem mais de 30% de sua população residente em áreas de alta vulnerabilidade social, segundo o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS). Esse dado pode ser somado às suas características ambientais, que acabam por potencializar situações de risco. Acidentes fatais, por exemplo, foram registrados nos últimos anos.

O autor da tese, Maico Diego Machado, estudou por quatro anos essa sobreposição de vulnerabilidade social da população local e a respectiva fragilidade ambiental, que pode ser natural ou provocada pela ação humana. Os resultados da tese podem ajudar o poder público a formular futuros processos de planejamento territorial. "A pesquisa apresenta reflexões importantes para o planejamento ambiental e ordenamento do território, com o intuito de encontrar mecanismos administrativos que consideram o espaço como híbrido entre natureza e sociedade. Essa realidade é reproduzida em outros municípios brasileiros", afirma Machado. O orientador do trabalho foi o professor do IG Antonio Carlos Vitte.

Foto: Maico Diego Machado
Deslizamento em área de São Sebastião | Foto: Maico Diego Machado

A escolha pelo município do Litoral Norte não foi aleatória, já que ele possui características específicas que atendiam aos objetivos da pesquisa de doutorado de Machado. "Escolhemos São Sebastião porque a cidade tem uma área de grande potencial de transformação. É uma região que está recebendo investimentos do governo do Estado de São Paulo, com a construção da Nova Tamoios, e que tem gerado desapropriações, e também com a ampliação do Porto, que vai acontecer logo na sequência da inauguração do complexo rodoviário. Além disso, é um município com grande extensão – cerca de 70% de seu território é recoberto pelo Parque Estadual da Serra do Mar, e com turismo praiano muito forte. Mas sem nenhum parque industrial ou tecnológico", explica o pesquisador.

Todas essas características poderiam beneficiar os residentes, mas não é o que acontece. De acordo com o IPVS, levantado em 2010 pela Fundação Seade, vinculada ao governo do Estado, mais de 30% da população sebastianense (cerca de 22 mil pessoas) vivia em alta vulnerabilidade social, com rendimento nominal médio dos domicílios de R$ 1.409;  em 27,0% deles, a renda não ultrapassava meio salário mínimo per capita. Esse é o dado social mais recente do Estado e foi usado na metodologia proposta pela pesquisa. Do lado ambiental, o cenário também é pouco animador, já que a região tem potencializadas condições naturais de fragilidade, como os altos volumes de chuva ao longo do ano, somados à condição geológica e as características de relevo.

Foto: Maico Diego Machado
Moradias no bairro da Topolândia | Foto: Maico Diego Machado

"Tudo isso fez com que identificássemos situações de risco naquilo que chamamos na geografia de vulnerabilidade socioambiental. O índice nos mostra uma condição comprovável em relação à dimensão do olhar para o turismo. As zonas próximas às praias têm uma vulnerabilidade social baixíssima e ambiental, que acaba sendo superada pelos investimentos. Já a população mais vulnerável está nas áreas centrais do município, que são as mais desvalorizadas em relação ao tempo, ou naquelas em torno do Parque Estadual da Serra do Mar, já nas encostas da formação serrana, com menos estrutura, pouca capacidade de reação e expostas a uma situação de maior fragilidade do ambiente”, explica Machado.

O aumento da população, ocorrido principalmente na década de 1980, segundo o geógrafo, aconteceu com a chegada de pessoas da região metropolitana de São Paulo que, depois de esgotadas todas as possibilidades na capital, passaram a trabalhar com o turismo do litoral. Agora, com investimentos recentes do governo paulista na região, novas populações foram atraídas como mão de obra da construção civil e serviços. "Eles ocupam locais mais frágeis do ambiente, com mercado imobiliário legal e ilegal, porque não há mais espaço na cidade, sobretudo em razão da distribuição do território em relação ao Parque Estadual da Serra do Mar. Toda população tem condições de reagir desde que sua condição socioeconômica possibilite isso. Ninguém escolhe morar em uma área de risco", ressalta Machado.

Essa ocupação desordenada, aliada àquelas características naturais de vulnerabilidade do ambiente da região de São Sebastião e as condições de degradação natural provocada pela ocupação desprovida de técnicas de conservação, tem causado acidentes fatais nos últimos anos. Na localidade de Boiçucanga, onde parte da população vive nas margens dos rios, uma menina de 11 anos morreu em fevereiro de 2013 ao ser levada pela enxurrada. No ano passado, uma escola infantil da cidade foi atingida por um deslizamento de terra e precisou ser interditada. Ela será demolida. "Você percebe que mesmo o poder público, na construção de um objeto técnico, não tem informação necessária e mapeamento sistemático para determinar que em algumas áreas não se pode ter construções", explica o pesquisador.

Ao que parece, segundo Machado, a ocupação urbana é ordenada apenas ao turismo na região. E os números comprovam isso. Cerca 19 mil residências na cidade litorânea são consideradas secundárias, ou seja, destinadas apenas ao turismo, permanecendo fechadas a maior parte do ano, de acordo com os dados do Censo 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Esse número corresponde as quase 22 mil pessoas do município que vivem em alta vulnerabilidade social, segundo o IPVS. "Em alguns momentos e, para algumas áreas, o mercado imobiliário é parceiro do Estado, se ele tiver interesse. Em outros, se ele não tem interesse ou se está passando por uma crise, ele abre mão e deixa o poder público resolver determinada situação", afirma o pesquisador.

Como preservar um espaço, atender as demandas da população e ainda ter a possibilidade de equalizar isso sem que a área preservada seja prejudicada pelo avanço e sem que a população seja afetada porque tudo está sendo preservado? Esse é, segundo o autor da pesquisa, o desafio do setor público em São Sebastião.

Agora, a expectativa é que os resultados da tese "Fragilidade ambiental e dinâmica socioterritorial no município de São Sebastião" sejam utilizados pelo poder público em futuros investimentos e para atenção na defesa de determinadas áreas. O desenvolvimento da tese desafiou o geógrafo nos procedimentos de levantamento de informações e dados. "É muito comum ao pesquisador, em seu trabalho de campo, encontrar situações de descaso com o desenvolvimento de pesquisas que possam contribuir com a sociedade local".

O trabalho apresenta uma grande compilação de informações inéditas sobre o tema e o objeto de estudo. "As informações e dados sobre população, áreas rurais, áreas urbanas, vegetação, solo, geologia e geomorfologia do município eram inexistentes ou, por algum motivo, não puderam ser acessadas. E a tese apresenta alguns desses dados. Portanto, considero que há uma ineficiência nos investimentos do município a partir da sua arrecadação, uma vez que há ali empreendimentos da Petrobras, com royalties designados. Tanto é que, no contexto do Litoral Norte, ele é o município com maior PIB", finaliza Machado.

Imagem de capa JU-online
Escola infantil da cidade atingida por deslizamento em 2016  |  Foto: Maico Diego Machado

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